Os resultados apontam melhora na memória, na atenção, nas funções executivas e visuoespaciais em comparação com o início do treinamento  -  (crédito: Lifestylememory)

Os resultados apontam melhora na memória, na atenção, nas funções executivas e visuoespaciais em comparação com o início do treinamento

crédito: Lifestylememory

Um estudo piloto realizado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com a Universidade de Palermo, na Itália, aponta efeitos benéficos do uso de treinos com exergames (videogames que exigem esforço físico) na reabilitação de pessoas com Parkinson, em comparação com a realização exclusiva de terapia motora. A doença neurodegenerativa é a segunda mais prevalente do tipo no planeta e, embora seja mais comumente associada aos idosos, cerca de 10% a 20% dos casos ocorrem em adultos jovens, com menos de 50 anos.

“A reabilitação da pessoa com Parkinson é absolutamente fundamental e deve ser feita por um time multidisciplinar. Hoje, temos a reabilitação convencional, com evidências bem estabelecidas para protocolos de fisioterapia que se concentram em trabalho de marcha, equilíbrio, postura, dupla-tarefa etc.

Mas também temos essa outra vertente, flagrantemente menos utilizada na prática, que é o uso da realidade virtual, da realidade aumentada ou dos exergames para viabilizar tarefas motoras e/ou cognitivas por meio de uma interface tecnológica e lúdica”, afirma o neurologista André Carvalho Felício, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Para realizar o estudo, os pesquisadores partiram da hipótese de que os exercícios virtuais poderiam estimular determinadas áreas do cérebro, causando alterações neurofuncionais que melhorariam a estrutura neuronal e a conectividade. Em geral, as pesquisas que destacam os benefícios da reabilitação virtual utilizam escalas clínicas para confirmar a evolução do paciente, mas os pesquisadores decidiram avaliar os efeitos neurofuncionais do treinamento por meio da ressonância magnética.

Os cientistas selecionaram dez pacientes que foram submetidos a uma avaliação, incluindo desempenho cognitivo e ressonância magnética funcional, antes e após os treinamentos com Wii (um exergame) ou no grupo controle (que realizou o treinamento convencional). Os treinamentos foram aplicados ao longo de 10 dias, distribuídos em duas semanas consecutivas. Após um intervalo de 45 dias, os participantes que inicialmente receberam o treinamento com Wii foram transferidos para o treinamento de controle, e vice-versa. Todos foram submetidos novamente à avaliação cognitiva e ressonância após o período de treinos.


Os resultados apontam melhora na memória, na atenção, nas funções executivas e visuoespaciais em comparação com o início do treinamento. Não foram observadas diferenças na cognição na prática do exergame em comparação com o treinamento de controle. Os resultados das análises da ressonância magnética funcional sugeriram ainda que o treinamento com Wii poderia promover melhorias na conectividade funcional do cérebro, especialmente em áreas envolvidas na execução motora, planejamento, funções visuais, de memória e somatossensoriais.

“Esse estudo é mais uma fonte de evidência sobre a importância do papel da reabilitação virtual em pessoas com Parkinson, neste caso, mostrando que um protocolo com Wii melhorou o desempenho cognitivo dos voluntários que participaram da pesquisa, implicando também em possível melhora da conectividade cerebral”, afirmou Felício.

Segundo o neurologista, os exergames são utilizados há bastante tempo na pesquisa clínica, mas, infelizmente, ainda não há uma cultura consolidada de utilização desta modalidade de reabilitação na prática clínica. Entre as vantagens dessa técnica em comparação com a reabilitação convencional, Felício cita o baixo custo de implantação, a possibilidade de mensurar os resultados e superá-los, a capacidade lúdica e a habilidade de associar tarefas motoras e cognitivas simultaneamente. Além disso, destaca-se como uma interface tecnológica muitas vezes bastante sofisticada, permitindo ao indivíduo, por meio de um avatar ou não, inserir-se no ambiente virtual.

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“Atualmente, usamos na prática clínica os principais consoles vendidos comercialmente como Xbox, Nintendo e Playstation. Ainda não existem consensos quanto a protocolos, jogos e tempo de utilização. Ainda são necessários também mais estudos sobre a segurança como risco de queda durante o uso do console”, ponderou.

O neurologista destacou ainda que um estudo realizado por pesquisadores do Einstein também avaliou o impacto do uso da realidade virtual na reabilitação de pessoas com Parkinson, e os resultados também apontam melhora das funções motoras e da qualidade de vida desses pacientes, sobretudo com o aumento da dopamina cerebral. Os resultados foram publicados no American Journal of Physical Medicine e Rehabilitation.

Doença progressiva e custosa

A doença de Parkinson é neurodegenerativa e progressiva, caracterizada pela degeneração dos neurônios produtores de dopamina – uma substância relacionada com o controle dos movimentos do nosso corpo. O processo causa uma destruição dessas células nervosas e se manifesta com vários sintomas, sendo os mais conhecidos a rigidez muscular e o tremor involuntário dos membros.

Os principais sintomas são motores, entre eles lentidão, rigidez, tremor de repouso e desequilíbrio. Também podem surgir sintomas não motores, como diminuição do olfato, depressão, alterações de sono, de peso, no intestino. O tratamento tem como base a reposição de dopamina no cérebro e o uso de medicações para melhorar os sintomas não motores, como antidepressivos, ansiolíticos e remédios para dormir.

No Brasil, estima-se que entre 1% e 3% das pessoas sejam portadoras de Parkinson. O tratamento básico é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda assim os pacientes da rede pública desembolsam quase 50% da renda com despesas extras associadas ao seu cuidado, entre elas terapias, cuidadores e acessórios para auxílio da marcha.

“Cada vez mais, por motivos ainda desconhecidos, pessoas com Parkinson são diagnosticadas mais precocemente, antes dos 50 anos. Entre 1990 até 2017 a prevalência do Parkinson mais que dobrou. Infelizmente, não há como prevenir esta condição crônica, mas o diagnóstico precoce é cada vez mais possível.”