Poluentes presentes no ar são responsáveis pela desorganização hormonal das grávidas e dos nenéns  -  (crédito:  Imagem de Jcomp no Freepik)

Poluentes presentes no ar são responsáveis pela desorganização hormonal das grávidas e dos nenéns

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A poluição do ar que mistura fumaça dos escapamentos, fuligem e resíduos afeta as grávidas e, sobretudo os bebês. É que o ar contaminado invade o organismo das gestantes e as partículas nocivas atravessam a placenta, atingindo diretamente o sistema reprodutivo dos fetos. A conclusão é de um estudo da Rutgers University, de Nova Jersey, nos Estados Unidos.

O artigo, publicado na revista Environmental Health Perspectives, mostra que esses impactos podem ser duradouros. As pesquisas com adultos identificaram uma possível relação entre a distância anogenital (espaço entre os órgãos genitais e o ânus) e alterações nos níveis hormonais, qualidade do sêmen e distúrbios reprodutivos.

Nos ensaios com animais, essa medida é utilizada para avaliar a toxicidade de poluentes no desenvolvimento fetal, especialmente no sistema reprodutivo. Para testar essa questão em pessoas, cientistas usaram dados do The Infant Development and Environment Study (TIDES), que avaliou grávidas e seus filhos.

A equipe comparou a medida anogenital de meninos e relacionou esses dados com níveis de poluição atmosférica, medindo dióxido de nitrogênio e partículas finas (PM2,5) —com 2,5 micrômetros ou menos — provenientes da queima de combustíveis.

Desregulador endócrino

Emily Barrett, professora da universidade e autora principal do artigo, alerta que impactos nos animais e nos humanos são semelhantes. "Nossos resultados estão em consonância com pesquisas em animais e sugerem que devemos considerar a poluição do ar como um 'desregulador endócrino', uma substância que interfere na atividade hormonal típica", destaca.

O ensaio revela uma ligação entre a exposição à poluição atmosférica em fases cruciais do desenvolvimento e a distância anogenital. Por exemplo, maior contato com PM2,5 no final do primeiro trimestre da gestação foi associada a uma medida anogenital mais curta ao nascer.

Para Elaine Frade, presidente da Comissão de Endocrinologia Ambiental da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), além da poluição, as gestantes devem se preservar de outros fatores contaminantes. "Outras substâncias desreguladoras endócrinas produzem seus piores efeitos durante o período de gestação, quando o feto está desenvolvendo. O que eles chamam de 'janela de masculinização', de formação da genitália."

Também foi observado pelos estudiosos que estar suscetível a mais impurezas durante a mini-puberdade na primeira infância tem relação com a distância anogenital mais curta, em meninos de 1 ano. As constatações sugerem que momentos específicos no desenvolvimento inicial podem tornar o sistema reprodutivo vulnerável aos efeitos nocivos da poluição.

"Os resultados indicam que poluentes do ar podem reduzir a produção de testosterona durante períodos críticos do desenvolvimento fetal e infantil, resultando em alterações no sistema reprodutivo", ressalta Barret.

Mais ameaças

Projetando para o futuro, Barret revela que os próximos estudos pretendem verificar como as substâncias "contaminantes, tais quais poluentes do ar" afetam o desenvolvimento pubertário em crianças.

Marta rocha, neonatologista do Hospital Santa Lúcia, ressalta que, até o momento, foi demonstrado que os fetos, do sexo masculino, são mais suscetíveis quando expostos às substâncias tóxicas pré-natais e reagindo de maneira mais intensa.

"As diferenças específicas do sexo nos resultados do nascimento em relação à exposição intra-uterina a outros produtos químicos foram estudadas com mais profundidade, mas poucos trabalhos avaliaram as diferenças na exposição à poluição atmosférica."

Para a médica, é fundamental manter a precaução, não apenas nas gestantes, mas também nas mulheres em idade reprodutiva. "É necessário tentar sempre manter um cuidado com a exposição a todos os poluentes. Os governantes não devem minimizar o impacto da poluição na saúde da população."

Marcello Bossois, imunologista chefe do Brasil Sem Alergia, alerta que o desequilíbrio hormonal gera inclusive problemas alérgicos. "A criança em formação tem um perfil hormonal específico e o desenvolvimento dela é em cima disso. Quando ela é submetida a essas substâncias, há mudanças, podendo sofrer de várias doenças. Essa é umas das explicações para o aumento exponencial dos processos alérgicos."

Maconha é risco certo na gestação

Os bebês expostos à maconha durante a gestação têm maior probabilidade de nascerem prematuros com baixo peso, precisando de cuidados intensivos após o parto. É o que aponta um estudo, publicado na revista científica Addiction. Pela pesquisa, mães que consomem cannabis têm risco 1,5 vez maior de dar à luz antes do previsto em comparação às não consumidoras.

O trabalho, liderado por Maryam Sorkhou, cientista da Universidade de Toronto, no Canadá, sintetizou 57 estudos anteriores, com um total de 12.901.376 participantes infantis, 102.835 deles expostos à cannabis.

As pesquisas mostraram que mães que usaram maconha na gravidez tinham duas vezes mais probabilidade de dar à luz a bebês com baixo peso. Ao observarem a necessidade de internação na UTI neonatal, os cientistas viram que os recém-nascidos expostos à substância tinham duas vezes mais chances de precisar dos cuidados intensivos.

Para a autora principal do artigo, os resultados vão ao encontro com tendência mundial. "O aumento global no uso de cannabis entre mulheres em idade reprodutiva também se estende às grávidas", diz a nota. "O THC, principal constituinte psicoativo da cannabis, pode atravessar a placenta da mãe para o feto e ligar-se a receptores no cérebro fetal."

No comunicado, os pesquisadores reiteram que o estudo indica que a exposição pré-natal à cannabis aumenta as ameaças à qualidade vida dos bebês.

"Há aumento do risco de problemas cognitivos e comportamentais na criança. Estudos indicam que a exposição pré-natal à cannabis pode estar ligada a problemas de desenvolvimento cognitivo e comportamental na criança, incluindo dificuldades de aprendizado e atenção", afirma Bruna Baratella, ginecologista obstetra.


Palavra do especialista / Danos generalizados - Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo

"Quando falamos de poluentes tratamos de diversos gases, vapores e poeira muito fina, substâncias como metais pesados, que são absorvidas. Várias delas têm efeito desregulador sobre o sistema endócrino e também efeito carcinogênico. Quando inaladas pela mãe, perpassam a placenta e a circulação e se distribuem por todo o organismo do feto. Há repercussões inflamatórias, alterações genômicas e estruturais. Além de perturbações funcionais do equilíbrio e da dinâmica do sistema endócrino e tudo é fundamental no desenvolvimento de mudanças morfológicas e funcionais e impacta na própria segurança do processo da gestação daquela criança."