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No STF, ‘cala a boca’ não morreu

Censura ao livro de Ricardo Lísias se soma a uma série de decisões perigosas do STF contra a liberdade de expressão

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A decisão de Alexandre de Moraes, na semana passada, de proibir o romance “Diário da cadeia”, da editora Record, escrito por Ricardo Lísias, sob o pseudônimo Eduardo Cunha, foi mais uma de diversas decisões do STF contra a liberdade de expressão. No rosário das medidas autoritárias, estão também, por Flávio Dino, a ordem de censura e destruição — destruição — de livros acadêmicos com trechos homofóbicos e misóginos, duas ordens de censura de Alexandre de Moraes à imprensa e o bloqueio das redes sociais de extremistas que, acertadamente, tiveram suas contas suspensas por usá-las para espalhar discursos de ódio e atentar contra a democracia, mas que não deveriam ser mantidos nessa situação, sem que seja explicada a razão para isso.

Na lista de bolsonaristas bloqueados, estão um punhado de pessoas com ideias das quais discordo do início ao fim — o empresário Luciano Hang, por exemplo. Hang teve suas redes bloqueadas após uma reportagem desta coluna, em 2022, mostrar que ele e outros empresários pertenciam a um grupo de WhatsApp que discutiam a possibilidade de um golpe, caso Lula derrotasse Bolsonaro. O bloqueio contra ele e outros naquele momento, e mesmo meses depois, foi correto e necessário. Mas qual o motivo para mantê-los sem acesso às redes sociais até hoje? Se existe razão, Alexandre de Moraes deveria expô-la.

Liberdade de expressão não é liberdade de agressão. A frase, repetida pelo ministro, está correta. Também não é liberdade para mentir, atentar contra a democracia e por aí vai. Mas da mesma maneira que a liberdade de expressão, à luz da Constituição brasileira, não é infinita, também não pode ser infinito e definitivo seu cerceamento.

Por isso, discordo da decisão de Flávio Dino, de novembro do ano passado. Dino ordenou a retirada de circulação e a destruição de quatro livros jurídicos com trechos que contêm discriminação explícita à comunidade LGBTQIA+ e contra as mulheres. Dino impôs uma indenização por danos morais coletivos de R$ 150 mil à editora que os publicou, a Conceito Editorial Ltda. Deveria ter parado na multa. Eventualmente, que os autores fossem processado de acordo com os crimes que possam ter cometido.

As obras, de 2008 e 2009, têm trechos abjetos. Usam termos como “máfia gay”, referem-se à “causa homossexual” como “universo maléfico da podridão humana”, e associam a homosexualidade à Aids, mentira perpetuada ao longo dos anos 1980 e 1990 por preconceito e pelo conhecimento científico limitado sobre a doença. Mas, por essa régua, por que não ordenar a destruição de “Mein Kempf”, o mais importante livro do nazismo? De nada adiantaria, porque não é sua proibição que desestimulará o surgimento de céculas neonazistas ou de seguidores do pior ditador da história. A determinação de que houvesse uma publicação com notas de rodapé explicativas, por exemplo, seria muito mais saudável.

Por isso, espera-se que Alexandre de Moraes reveja a perigosa decisão de censura contra o livro de Ricardo Lísias. O ministro interferiu na criação estética, algo inconcebível numa democracia. Parece, mais uma vez, ter testado a água, como em 2019, quando censurou a revista investigativa “Crusoé”, que publicou uma reportagem negativa para seu colega Dias Toffoli, ou em 2024, quando censurou a “Folha de S.Paulo”, ordenando a retirada do site do jornal da entrevista com a ex-mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira, publicada em 2021. Jullyene Lins acusou Lira de agressão e de usá-la como laranja. Moraes recuou das duas decisões.

Em 2015, o STF se consagrou diante da liberdade de expressão com o histórico voto de Cármen Lúcia, ao liberar a publicação de biografias não autorizadas. A ministra pegou emprestado o dito popular “Cala a boca já morreu”, que virou símbolo de uma corte que honrava ali um dos mais fundamentais pilares da Constituição. Não pode ser o próprio Supremo a dar as costas para uma de suas mais importantes decisões.

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