CEO da ArcelorMittal: "A importação predatória de aço no Brasil cresceu"
Executivo do setor de Aços Longos Latam aponta a concorrência desleal do aço chinês como grande desafio do setor siderúrgico
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A “competição desleal” do aço chinês no mercado brasileiro. Esse foi o grande desafio do setor siderúrgico nacional citado por Everton Guimarães Negresiolo, CEO da ArcelorMittal Aços Longos Latam , em entrevista para o EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e o portal Uai. Ele citou estudos que comprovam que a importação de aço pelo Brasil aumentou 50% em relação à média histórica, e também que o preço praticado pelos chineses está 50% abaixo do valor de produção.
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De acordo com Negresiolo, a ArcelorMittal é responsável por 42% do aço produzido no Brasil atualmente. A empresa está concluindo um ciclo de investimentos na ordem de R$ 25 bilhões, mas o diretor-executivo disse que novos aportes no país estão sujeitos à criação de um ambiente de negócios mais favorável para o setor. Ele ainda falou sobre a estreita relação entre a empresa e o estado de Minas Gerais, “o coração e o berço da ArcelorMittal no Brasil”, citando a operação de Sabará, que acaba de completar 104 anos.
Qual a importância da presença da ArcelorMittal em Minas Gerais?
A ArcelorMittal é líder global na produção de aço, uma das maiores siderúrgicas do mundo, presente em mais de 120 países. Aqui no Brasil, nossa produção abrange oito estados, com mais de 20 mil funcionários no país. Mas, Minas Gerais é o coração, é o berço da ArcelorMittal no Brasil.
A nossa primeira operação é de 1921, em Sabará, onde completamos 104 anos. Depois, em 1935, inauguramos uma unidade em João Monlevade, que está completando 90 anos. Também temos operações em Juiz de Fora e em Contagem. Outro destaque no estado são nossas bioflorestas, que são florestas de eucalipto que depois produzem o carvão vegetal, presentes em 16 municípios de Minas Gerais. Hoje, são mais de 6 mil empregados e pessoas que trabalham conosco no estado.
"Minas Gerais é o coração, é o berço da ArcelorMittal no Brasil"
Sobre os desafios do setor siderúrgico no Brasil, como as importações do mercado asiático, principalmente da China, influenciam a produção siderúrgica nacional?
Esse talvez seja o principal desafio que a indústria siderúrgica vive hoje no Brasil. Nós temos investido bilhões de reais ao longo dos últimos anos, somos uma indústria competitiva e eficiente em classe mundial. Mas, infelizmente, temos sido invadidos por aço que compete de maneira desleal, que chega ao nosso país com subsídios de impostos, de financiamento e de legislação ambiental. É uma competição desleal. Alguns falam até numa competição predatória.
Nós temos solicitado ao governo que equilibre esse campo. Que as regras sejam as mesmas, que o cartão vermelho que expulsa o jogador brasileiro de campo também expulse o jogador chinês. A situação atual é bastante desafiadora, a importação predatória de aço no Brasil cresceu mais de 50% nos últimos anos, e ela chega de maneira desleal e coloca a sustentabilidade da siderurgia do Brasil em risco.
De onde vem esse percentual de 50% no aumento da importação de aço pelo Brasil?
Do Instituto Aço Brasil, que congrega praticamente todos os produtores de aço no país e tem muita credibilidade. É importante colocar em números o que temos visto, até para o público entender a complexidade. Historicamente, o volume de aço importado pelo Brasil girava em torno de 2,5 milhões e 3 milhões de toneladas por ano. Este ano, o ritmo de importação está em 6 milhões de toneladas, praticamente o dobro do volume histórico, e em condições de preço abaixo do custo de produção. Isso em função, principalmente, da Ásia, que exporta esse produto sem foco de uma economia de mercado, sem visão de lucro e exportando com margens negativas.
Você também disse que esses produtos costumam chegar aqui com valores 50% inferiores aos produzidos no Brasil...
Existe uma ferramenta global da Organização Mundial do Comércio, o antidumping. Trata-se de uma investigação técnica, não só do aço, mas de qualquer produto da economia, que analisa se algum produto é vendido com preço abaixo do custo. Os processos de antidumping do aço feitos este ano estão concluindo que os produtos chineses e asiáticos têm chegado ao Brasil com uma diferença de quase 50% do custo de produção, caracterizando o dumping.
É por isso que diversas regiões e países do mundo, como a União Europeia, os Estados Unidos e mesmo países da América do Sul, têm implementado tarifas no aço de 50%. Justamente para equilibrar a competição com a indústria nacional. Não é um protecionismo, mas uma defesa, não só do aço, mas da indústria do Brasil, a indústria nacional, que é tão importante para o desenvolvimento do nosso país.
Essa tarifa já seria suficiente ou existe uma conversa junto ao governo federal para que algo mais seja feito para equilibrar essa concorrência?
Nós reconhecemos a sensibilização do governo quanto a esse tema. O governo implementou, há dois anos praticamente, um sistema de cota tarifa para o setor do aço, mas não foi eficiente para conter essa importação desleal.
Primeiro, porque são poucos produtos, apenas 18 de um grupo com mais de 250, quase 300 produtos. Também existe uma tolerância na cota extremamente generosa aos exportadores chineses. Além disso, a taxa de imposto é de 25%, sendo que eu acabei de comentar que o mundo tem colocado 50% de imposto. Existem várias discussões com o governo, mas nós necessitamos, enquanto setor e enquanto indústria, de medidas mais eficientes, mais eficazes em quantidade e amplitude.
“R$ 5 bilhões foram investidos somente em Minas Gerais, com aumento de capacidade em nossa unidade de Sabará, além de investimentos em energia renovável, eólica e solar”
A ArcelorMittal está concluindo um ciclo de investimentos. Vocês já falam em novos aportes?
Estamos concluindo no início do ano que vem o maior ciclo de investimento da história da siderurgia no Brasil: R$ 25 bilhões. Desse valor, R$ 5 bilhões foram investidos somente em Minas Gerais, com aumento de capacidade em nossa unidade de Sabará, além de investimentos em energia renovável, eólica e solar.
Olhando para o futuro, nós temos previsto, dentro da nossa estratégia, um novo ciclo de investimento entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões. Mas, infelizmente, em função desse cenário que eu comentei anteriormente, esses investimentos hoje estão em stand-by, em espera, para verificar e identificar se realmente vamos ter medidas de defesa comercial que viabilizem esse novo ciclo de investimento nos próximos 5 anos.
O Brasil é um dos principais destinos para os investimentos da ArcelorMittal?
O Brasil é visto pelo grupo como uma das regiões com maior potencial, com maiores possibilidades de crescimento. A gente espera continuar, mas isso vai passar pelo ambiente de negócios no Brasil, de defesa dessa indústria. Os novos investimentos dependem, necessariamente, das medidas de defesa comercial que o país vai tomar. Isso acontecendo, eu tenho segurança e afirmo aqui que o grupo seguirá investindo no Brasil.
E como esse investimento impacta a vida da população?
Dos R$ 25 bilhões investidos no último ciclo, R$ 11 bilhões foram para a compra de uma unidade no Ceará, a unidade de Pecém. Outros R$ 2,5 bilhões foram para a expansão, a triplicação da capacidade de produção da nossa mina de Serra Azul, no estado de Minas Gerais, em Itatiaiuçu. Para a expansão da unidade de Sabará foram investidos R$ 144 milhões, o que aumentou em 40% a capacidade de produção. Ainda R$ 5,8 bilhões foram alocados em geração de energia renovável.
Ou seja, todos os investimentos voltados para a produção, para a cadeia, para a geração de energia, que, no final do dia, geram retorno econômico para a companhia e para a sociedade, porque todos eles geram emprego, geram desenvolvimento social, geram desenvolvimento de tecnologia.
O investimento na planta de beneficiamento de minério de ferro de Serra Azul foi focado na sustentabilidade?
Sim, qual é o grande objetivo do beneficiamento do minério? É você agregar valor às reservas minerais. Nós vamos produzir o pellet feed, que é um produto com maior teor de ferro concentrado que é aplicado na siderurgia de uma maneira mais nobre.
O processo de produção desse pellet feed envolve muita tecnologia, com plantas de concentração, filtragem e, muito importante, sem a utilização de barragens. Todo o processo vai ser feito com empilhamento a seco, eliminando qualquer risco do ponto de vista ambiental.
O que a ArcelorMittal tem mostrado ao mercado sobre sustentabilidade e inovação?
A inovação está no DNA da ArcelorMittal. Historicamente, desenvolvemos tecnologias. E uma das vertentes dos últimos anos são os produtos com uma menor emissão de carbono. Vou citar dois exemplos, mas existem outros. O Vergalhão XCarb e a Barra Chata Mola XCarb são produtos que têm, em média, uma emissão de carbono 60% menor no seu processo de produção do que um produto similar comum.
E isso se dá por dois grandes motivos: a maior utilização de sucata no seu processo produtivo, já que, basicamente, 100% da matéria-prima é sucata, que é reciclável; e a utilização de energia renovável para abastecer os fornos de energia. A soma desses dois componentes resulta em um produto com menor emissão de carbono. O processo produtivo de aços longos no Brasil já emite praticamente um terço menos que a média global porque 54% dela é baseada em sucata reciclável. Com os investimentos em energia renovável, essa redução será ainda maior.
“Temos sido invadidos por aço que compete de maneira desleal, que chega ao nosso país com subsídios de impostos, de financiamento e de legislação ambiental”
Fale mais sobre essa produção de energia eólica e solar...
O Brasil já tem uma matriz de energia mais limpa que a do restante do mundo, e isso é uma vantagem estratégica do país, mas nós fizemos um investimento de R$ 5,8 bilhões em três parques de geração de energia renovável. Temos dois parques na Bahia, um solar e um eólico, e um parque solar em Paracatu de Minas, no estado de Minas Gerais.
A ArcelorMittal foi reconhecida como a empresa mais inovadora da década pelo Ranking 100 Open Startups…
Sim, na semana passada. Muita alegria, muita felicidade e muito orgulho desse trabalho. O 100 Open Startups é um dos principais rankings do país, são mais de 3 mil empresas que participam desse ecossistema, e nós fomos eleitos número um da categoria Siderurgia e também da categoria geral, não só deste ano, mas da última década, ao lado de empresas extremamente reconhecidas, o que nos dá ainda mais orgulho.
E qual o projeto mais recente de inovação desenvolvido pela ArcelorMittal?
Nós temos vários vetores de inovação, desenvolvimento de produto e tecnologias no processo produtivo. Eu vou dar um exemplo que me enche de orgulho. Nós temos instaladas mais de 4 mil câmeras em todas as nossas operações no Brasil, que estavam ali para monitorar o processo e a movimentação. Com o advento da inteligência artificial, nós conectamos essas câmeras a um sistema que identifica situações potenciais de risco: se algum colaborador está entrando em uma área que não poderia estar; se alguma pessoa não está utilizando os equipamentos de proteção. Por quê? Porque segurança para nós é um valor inegociável.