Para analistas, está cada vez mais complicado o trabalho de Haddad de cumprir os compromissos do governo de alcançar o equilíbrio fiscal -  (crédito: Jim Watson / AFP)

Para analistas, está cada vez mais complicado o trabalho de Haddad de cumprir os compromissos do governo de alcançar o equilíbrio fiscal

crédito: Jim Watson / AFP

Na próxima semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai ter um desafio enorme para tentar negociar com o Congresso um freio nas pautas-bombas que começaram a pipocar — em meio às disputas entre o Legislativo e o Executivo — e podem jogar por terra qualquer ambição do governo de conseguir equilibrar as contas públicas.

Entre elas, está a proposta de emenda à Constituição (PEC) que concede um bônus de 5%, a cada cinco anos, a magistrados, promotores, procuradores, entre outras categorias do Judiciário mais abastadas. A chamada PEC do quinquênio, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, pode onerar os cofres públicos em mais R$ 42 bilhões por ano.

 

Economistas e técnicos do governo reconhecem que ainda não dá para mensurar o verdadeiro tamanho do buraco que as pautas-bombas, desenterradas pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), podem ampliar no inevitável rombo fiscal que o mercado financeiro está projetando para este ano e o próximo.

 

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Os buracos orçamentários que serão abertos, se medidas como a PEC do quinquênio forem aprovadas, sepultarão de vez o novo arcabouço fiscal, aprovado pelo Congresso no ano passado, lembram os especialistas.

 

"A PEC do quinquênio, por exemplo, se aprovada pelo Congresso, vai ter um efeito em cascata em todo o Judiciário e vai gerar um problema sério entre os funcionários públicos que ganham menos, como os professores", destacou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos.

 

Ele lembrou que, além da manutenção da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, provocando uma despesa adicional de R$ 50 bilhões até 2027, outra bomba fiscal perigosa é a manutenção do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia e que, entre 2024 e 2026, deve onerar os cofres públicos em R$ 15 bilhões.

 

A Fazenda havia proposto o término do benefício neste ano junto com a medida provisória da reoneração da folha, que perdeu a validade. "Esse é outro problema seríssimo, porque já estão cogitando ampliar o número de empresas favorecidas no Perse e estender o benefício até 2027", acrescentou.

 

Complicação

O consultor André Perfeito, mestre em economia política pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), reconheceu que fica cada vez mais complicado o trabalho de Haddad de cumprir os compromissos do governo de alcançar o equilíbrio fiscal

 

"Está evidente que o Palácio do Planalto entrou numa rota de colisão com o Congresso, e se esse tensionamento continuar, implicará que a vida do ministro Haddad não será simples. Ele tem que avançar as pautas que sobraram no ano passado, como a regulamentação da reforma tributária, e ainda buscar complementos para a recomposição das receitas em um cenário macroeconômico mais desafiador, com aumento de incertezas internas e externas", alertou.

 

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O especialista lembrou que com a perspectiva de os Estados Unidos começarem a reduzir os juros apenas no fim do ano deve jogar mais pressão para que, aqui, o Banco Central reduza o ritmo de queda da taxa básica da economia (Selic), atualmente em 10,75% ao ano.

 

E, dada à falta de receitas para conseguir entregar um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) em 2025, a equipe econômica enviou ao Congresso, na segunda-feira, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, reduzindo a meta fiscal de resultado positivo de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para zero, a mesma de 2024. Contudo, estimativas do Tesouro Nacional, em março, já apontavam um rombo de 0,5% do PIB, neste ano, passando para um saldo negativo de 0,4% do PIB, em 2025.

 

Lideranças do governo saíram da reunião, nesta sexta-feira, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva orientados a conter no Legislativo projetos que sabotem a área econômica e que compliquem a situação fiscal do país. Para obter sucesso no objetivo, o chefe do Planalto deve se reunir com Lira e tentar pacificar a relação do Executivo com a Câmara, crise que dura mais de uma semana.

 

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), deixou o encontro com o presidente reconhecendo que a relação segue abalada e necessita de um "consertozinho aqui e outro acolá".

 

"Tem que ter sempre sintonia com o presidente Arthur Lira. Precisa (a relação) de um consertozinho aqui e outro acolá. Mas nada que atrapalha a nossa vontade. E o presidente Lira tem vontade de aprovar os projetos de interesse do país", frisou Guimarães.

 

Ele confirmou a determinação do chefe do Planalto de colocar a base do governo para focar nas pautas econômicas. "O presidente Lula pediu para atuarmos votando e construindo consenso, principalmente na área econômica", reiterou.

 

A aprovação da PEC do quinquênio na CCJ do Senado causou extrema irritação. A matéria pode ir ao plenário na semana que vem. Pacheco apoia esse adicional no salário das carreiras do Ministério Público e da magistratura.

 

Guimarães é pura revolta com essa decisão dos senadores. E atacou até os aliados que votaram pela aprovação da proposta. "Se essa PEC do quinquênio prosseguir, vai quebrar o país e os estados. Quebra fiscalmente o país. Não sei como o Senado aprovou isso. É um desserviço ao país, vai causar um impacto brutal, quebra os estados e a União", enfatizou.

 

Lula deve se encontrar também com Pacheco, com quem mantém uma relação bem distinta da estabelecida, neste momento, com Lira.