Ex-presidente Jair Bolsonaro e general Freire Gomes -  (crédito: EVARISTO SA / AFP)

Ex-presidente Jair Bolsonaro e general Freire Gomes

crédito: EVARISTO SA / AFP

O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse à Polícia Federal que a minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é a mesma versão que foi apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022.

 

No depoimento, obtido pela Folha de S.Paulo, o general afirmou que o documento foi apresentado por Bolsonaro em uma segunda reunião entre os chefes militares e o então presidente da República.

 

"Que confirma que o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas referidas reuniões. Que ressalta que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional", disse o general, segundo o termo de depoimento.

 

Esta é a primeira vez que o texto encontrado com Anderson Torres é ligado à trama golpista que se desenrolou no fim do governo Bolsonaro.

 

Segundo Freire Gomes, o texto foi apresentado aos comandantes das Forças Armadas em duas ocasiões. A primeira vez em reunião com Bolsonaro no Palácio da Alvorada; a segunda, em reunião convocada pelo ministro Paulo Sérgio na sede do Ministério da Defesa, em 14 de dezembro de 2022.

 

O ex-chefe do Exército disse ainda que Anderson Torres participou de reuniões em que o golpe de Estado foi tramado. De acordo com o depoimento, o ex-ministro explicava o "suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas".

 

Leia também: Prefeito chama de 'intolerante' quem denunciou homenagem a Michelle Bolsonaro

Os defensores das medidas golpistas, segundo Freire Gomes, usavam "interpretações do jurista Ives Gandra da utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no artigo 142".

 

O depoimento de Freire Gomes à Polícia Federal ocorreu em 1º de abril e durou cerca de 7 horas. Ele falou aos investigadores como testemunha.

 

O general estava na Espanha, visitando a família, quando recebeu contatos de que seria intimado a prestar o depoimento. Segundo oficiais ouvidos pela reportagem, Freire Gomes antecipou a volta ao Brasil para falar à Polícia Federal.

 

No depoimento, o ex-comandante do Exército confirmou que recebia mensagens do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, para acompanhar a evolução das discussões golpistas no Palácio da Alvorada.

 

"Que reconhece que recebeu os áudios identificados na investigação. Que os áudios procuravam retratar as visitas recebidas pelo então presidente e seu estado de ânimo em relação às medidas que estavam sendo discutidas", diz trecho do termo do depoimento.

 

Freire Gomes disse ainda que soube por Cid que o general da reserva e ex-ministro Eduardo Pazuello havia se encontrado com Bolsonaro após as eleições para dar sugestões golpistas.

 

A mensagem enviada por Cid para o ex-comandante está descrita no relatório da PF que embasou a operação Tempus Veritatis, que mirou Bolsonaro, ex-ministros e militares. No áudio, o tenente-coronel diz que Pazuello se encontrou com o ex-presidente para "dar sugestões e ideias de como ele poderia, de alguma forma, tocar o art. 142".

 

O general disse à PF que Pazuello já estava na reserva e eleito deputado federal. "Entendeu que seria uma questão política sem possibilidade de influenciar diretamente as Forças Armadas", completou Freire Gomes, segundo o termo de depoimento.

 

Leia também: Justiça libera salários pagos a Anderson Torres enquanto ele esteve preso

 

Freire Gomes ainda declarou aos investigadores que "sempre lembrou Cid que tinha que adotar uma postura institucional".

 

Como a Folha de S.Paulo mostrou, Freire Gomes foi um dos generais que chegou a sugerir a Mauro Cid que deixasse a ajudância de ordens de Bolsonaro antes do processo eleitoral, para reduzir sua exposição.

 

O tenente-coronel, no entanto, disse que não se sentiria confortável em abandonar Bolsonaro no período eleitoral, por lealdade ao então presidente, já que sua saída poderia atrapalhar a rotina do candidato do PL.