Raquel da Costa Dias, defensora pública-geral de Minas Gerais -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Raquel da Costa Dias, defensora pública-geral de Minas Gerais

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Entrevistada desta semana no EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai, a defensora pública-geral de Minas Gerais, Raquel da Costa Dias, conversou com o jornalista Benny Cohen sobre o fim das chamadas saidinhas de presos, representatividade feminina no poder e como a Defensoria Pública ainda não chega a todos os mineiros.

Costa Dias ressaltou a importância de que a Justiça adote ferramentas de ressocialização e reinserção de apenados na sociedade e argumentou que, mesmo com os recentes problemas com as saidinhas, a prática não pode ser abandonada, mas melhorada, com novos critérios e ações de rigor. Em 20 de março, o Senado aprovou, por 62 votos favoráveis e dois contrários, o fim do benefício para os presos em feriados e datas comemorativas. O projeto será analisado novamente pela Câmara dos Deputados.

 

Raquel da Costa Dias também ressaltou a importância da Defensoria Pública na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, garantindo direitos às pessoas em vulnerabilidade ou em risco. Apesar desse papel essencial, a defensora pública-geral de Minas reconhece que a instituição ainda não atende a toda a população.

“Estamos estruturando cada vez mais a Defensoria de Minas, mas ainda temos um caminho a percorrer porque nós temos hoje, previstos em lei, 1.200 cargos. Destes, nós só temos 698 defensores na ativa. Das 297 comarcas do estado de Minas Gerais, nós estamos presentes em 120”, relatou.

Temas como os primeiros atendimentos à população, indenização e vítimas dos rompimentos das barragens de Brumadinho e de Mariana também foram abordados pela entrevistada.

De início, gostaria que a senhora explicasse que é a Defensoria para quem ainda não conhece essa instituição tão importante.


A Defensoria Pública é uma instituição integrante do sistema de Justiça brasileiro prevista na Constituição Federal para garantir o acesso à Justiça às pessoas em situação de vulnerabilidade. Quais são essas pessoas em situação de vulnerabilidade? São as pessoas tipo hipossuficientes economicamente, que não têm uma renda capaz de pagar um advogado para ter acesso à Justiça, que a gente sabe que não é barato; e também as pessoas que estão sofrendo algum tipo de violência de gênero, mulheres em situação de violência, criança e adolescente, pessoa que tem uma deficiência física, deficiência intelectual, pessoa idosa e tantas outras que são muitas vezes invisibilizadas pela nossa sociedade, como população em situação de rua.

Tudo gratuito?


Tudo integralmente gratuito. O acesso à Justiça se dá tanto pelo meio extrajudicial, que a Defensoria Pública conta com centros de mediação, conciliação para promover o acesso a direitos sem precisar recorrer ao Poder Judiciário, que é abarrotado de processos. É uma das nossas funções tentar resolver aquele litígio sem recorrer ao Poder Judiciário. Temos diversos projetos, como o mutirão “Direito a ter pai”, em que os exames de DNA são feitos na Defensoria de maneira integralmente gratuita e a pessoa sabe quem é o seu pai biológico.

Raquel da Costa Dias, defensora pública-geral de Minas Gerais, em entrevista ao programa EM Minas, da TV Alterosa e Estado de Minas

Raquel da Costa Dias, defensora pública-geral de Minas Gerais

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

A partir daí, estabelece uma relação de convivência, guarda e alimentos, sem ter que ir para Justiça, até o processo judicial, que pode se iniciar em primeira instância nas unidades da Defensoria Pública em Minas e a seguir com esse processo até Brasília.

O tempo de resolução de casos, a gente tem uma média? Por foco, por exemplo, mulheres ou questão carcerária é mais rápido?


É mais rápido. Hoje a gente tem como objetivo principal promover a prestação de serviço de forma eficiente e rápida, porque a gente sabe que aquela justiça tardia, ela não é justiça. Nos nossos centros de conciliação, mediação a gente tenta resolver antes do Poder Judiciário aquela demanda e estamos com índice de mais de 80% de resolução judicial das demandas. É muito rápido, em menos de três meses a gente já consegue dar uma resposta para aquela pessoa.

Qual é a comparação com outros indicadores?
Depende do tipo de demanda. Hoje, o Poder Judiciário tem uma série de processos judiciais, a área de família consegue caminhar rápido, mas a demanda civil, por exemplo, demora anos. O que a gente faz na Defensoria é tentar estabelecer parcerias com grandes instituições ou empresas que são muito demandadas por nós, temos parcerias com a Unimed, Cemig.

Fizemos um termo da Vale em Brumadinho, porque sabíamos que iria vir uma série de demandas de reparações individuais em Brumadinho. Com isso, a gente consegue estabelecer parâmetros e dar uma resposta rápida à população que precisa daquele direito.

A Defensoria atua em uma série de áreas, mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, consumidor, direitos humanos… Qual é a que tem mais demanda?

Só em Belo Horizonte, antes da pandemia, passavam pelo nosso prédio na Rua Guajajaras, cerca de mil pessoas por dia. Com a pandemia, a gente se estruturou tecnologicamente. Hoje, a gente diminuiu o número de pessoas presenciais porque muitas acessam pelo WhatsApp, aplicativo da Defensoria e por meio deles têm o seu atendimento efetivado. Aquele profissional autônomo não precisa mais perder o dia de trabalho para ir até a Defensoria Pública, mas mesmo assim nós ainda temos umas 650, 700 pessoas que passam lá por dia.

Neste universo de atendimentos diários, 70%, 80% são demandas da área de família e processos criminais, famílias de pessoas que estão respondendo por um processo criminal e a Defensoria atua na defesa de direitos dessa pessoa.

“Saidinha” de fim de ano. Todo ano aparecem umas encrencas e o final de 2023 não foi diferente, tivemos casos de grande repercussão nacional. Qual a posição da senhora a respeito disso?

A minha posição é dentro do direito de defesa que todas as pessoas têm e, representando a instituição, ainda acredito que a ressocialização e a reinserção do indivíduo na sociedade é possível porque é a única maneira da sociedade melhorar. Dentro desse processo de execução da pena de um indivíduo, é razoável que tenha progressão e que a pessoa vá mudando de regime de cumprimento de pena e vá se ressocializando e se preparando para voltar para a sociedade.

A gente sabe que o sistema carcerário brasileiro é um sistema superlotado, de muito difícil trabalho para as pessoas que operam nele, tanto juízes, promotores, Polícia Penal, Polícia Militar, Defensoria Pública, Ministério Público… É um grande desafio para os governos estaduais, governos federais lidar com uma população carcerária que é a 2ª ou 3ª maior do mundo.

Se a gente olhar países desenvolvidos, eles vêm num movimento de desencarceramento porque a gente sabe que a prisão não melhora ninguém. Em uma prisão superlotada, a tendência dela de melhorar alguém é próxima de zero ou quase nula. A gente sempre vai defender um sistema penal que trabalha a pessoa humana e que, com isso, ela possa voltar para a sociedade melhor e não delinquir mais.

Possa voltar uma pessoa produtiva para aquela sociedade. Dentro disso, a saída temporária é um mecanismo que a pessoa vai e volta. A gente sabe que ele talvez não esteja sendo trabalhado da melhor forma, talvez até pela superlotação. A gente tem que ficar mais atento para ver quais pessoas têm direito a saída temporária.

Porque se entende que ele (apenado) tem direito ao benefício, mas ele desaponta as pessoas ao cometer um crime ou não voltar?


Se ele comete um crime ou não volta, não estava preparado para a saída temporária. O que a gente precisa ver é o comportamento dele no cumprimento de pena. Se tem alguma falta, se vem cumprindo com as obrigações dele na própria unidade prisional, se está trabalhando, estudando, remindo pela leitura, toda uma série de deveres que o preso tem, pela própria lei de execução penal, que se observados a gente percebe que ele pode sair e voltar sem problemas.


Uma pessoa que já não tenha um comportamento adequado, ela não vai poder ter a saída temporária. Acho que a gente não pode rotular “somos contra a saída temporária”. É uma boa ferramenta de ressocialização do indivíduo, mas tem que ser aperfeiçoada e monitorada tanto pelo sistema de Justiça, quanto pela política de execução de pena no país.

Completaram-se 5 anos da tragédia de Brumadinho, como é que a senhora avalia que esse processo caminhou na Justiça?


Brumadinho digo que foi uma experiência bem sucedida de uma grande tragédia, pelo menos, no que diz respeito aos órgãos do sistema de Justiça e encaminhamento da demanda na Justiça como um todo. Porque nós atuamos muito rápido. Estávamos presentes, Defensoria Pública, Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas, o próprio governo do estado, o município de Brumadinho, o Ministério Público do Trabalho, todos os atores já estavam em Brumadinho poucas horas após o rompimento da barragem.

Raquel da Costa Dias, defensora pública-geral de Minas Gerais, em entrevista ao programa EM Minas, da TV Alterosa e Estado de Minas

Raquel da Costa Dias, defensora pública-geral de Minas Gerais

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Mariana já tinha acendido o alerta…


O desfecho de Mariana não foi bem sucedido se a gente for olhar até este momento. A gente já sabia que tinha que fazer diferente. No que diz respeito à Defensoria, nós fomos imediatamente para a Estação Conhecimento, que era o ponto de encontro das famílias dos desaparecidos. Até então, as pessoas eram desaparecidas, não sabiam se elas tinham morrido ou não, e a gente começou a trabalhar junto com a Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar para que a gente tivesse acesso a lista de desaparecidos e com a própria empresa causadora do dano. A partir daí, a gente começou então a dar as informações do nome dos desaparecidos.


O corpo de bombeiros iniciou a busca pelos corpos e as pessoas começaram a questionar: “Preciso ir para o IML (Instituto Médico Legal), mas não tenho como pagar o táxi”. Então, a gente fazia essa ponte sempre com a empresa Vale pra conseguir o transporte. Muitas pessoas moravam na região rural de Brumadinho, então, foram alocadas, por exemplo, para um hotel na Avenida Amazonas, mas a pessoa não sabia atravessar a rua. Então, a gente pediu o aluguel social numa região um pouco equivalente ao que ela tinha. Olha o nível de detalhes: É transporte, coisas que a gente nem pensa. Quem tá longe não consegue imaginar como que isso vai a pequenos detalhes.


Começou com pequenas demandas. Transporte, alimentação que não estava adequada, remédio de uso contínuo e, com isso, estabeleceu-se um atendimento todos os dias, inclusive sábados e domingos, e criou-se uma relação de confiança com aquela comunidade que tinha sido atingida.


Passado uma, duas semanas, a Vale divulgou uma doação para as famílias dos desaparecidos. A Defensoria atuou muito fortemente nessa doação. Por exemplo, teve casos de a Vale pagar o valor da doação para genitora de uma pessoa falecida e não pagou para o genitor. Em tese, seria 50% para cada um, porque a pessoa não deixou descendentes. A genitora pegou o dinheiro e não repassou para o pai. A Vale teve que pagar novamente, tudo com atuação extrajudicial da Defensoria Pública.


A gente conversando pediu pra Vale colocar todo RH (recursos humanos) ali na Estação Conhecimento, para que as pessoas tivessem acesso ao RG (Registro Geral) do filho, o CPF (Cadastro de Pessoa Física), coisas que às vezes a mãe, o pai não tinham porque estava com a pessoa quando ela faleceu no rompimento.


As pessoas chegavam pra gente e falavam: “Doutora, perdi meu caminhão. Tô sem renda. Preciso de uma reparação para um caminhão novo para poder voltar a rodar, trabalhar e sustentar minha família”. Outra chegou e falou: “Eu vendia bolo, parei de vender. Perdi o fogão, perdi tudo, perdi quem comia o meu bolo.” Então, começamos a conversar com a Vale para que fixasse um termo de compromisso de parâmetros indenizatórios para direitos individuais disponíveis, direitos patrimoniais. Esses parâmetros foram estabelecidos muito acima do que tinha na jurisprudência nacional, porque a Defensoria Pública se baseou no seguinte jargão, que é do direito internacional: “pague rápido e pague alto”.


Se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinha como dano moral por morte R$ 280 mil no termo de compromisso, na Defensoria ele ficou em R$ 500 mil. A barragem se rompeu em 25 de janeiro, a gente assinou o termo em 5 de abril e as primeiras pessoas receberam indenizações robustas no mês de maio de 2019, o que é inédito no Brasil. Porque no Brasil não se repara, quando se repara, se repara muito tardiamente e as pessoas muitas vezes já até morreram. Quinhentos mil não pagam uma vida, muito menos R$ 280 mil, mas o alento já foi em uma outra proporção.

Não era nunca só os R$ 500 mil, esse era um dos itens do termo de compromisso. Tinha o dano material, dano moral, uma série de outras questões que fazia as indenizações serem bem maiores.

Como estão as pendências ainda?


Já indenizamos mais de R$ 1,3 bilhão de reais para mais de 7 mil pessoas. Tem algumas pendências, mas hoje elas são muito residuais.

Enquanto isso, Mariana...

Nós estamos caminhando a passos lentos.

O primeiro caso que, em tese, deveria estar resolvido antes de Brumadinho. O que está agarrando lá?

O primeiro acordo de direito individual de Brumadinho, que depois pavimentou a via para um acordo coletivo de R$ 37 bilhões. Mariana, a gente tem comunidades que ainda não foram indenizadas, parcelas de profissionais que não foram indenizados e um acordo coletivo está muito aquém. Tem um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que precisa ser repactuado que está muito aquém de uma reparação efetiva para o dano ambiental que foi causado ali na região do Vale do Rio Doce.

Tem algumas coisas a serem superadas, questões de valores, técnicas ambientais, mas ele corre em segredo de Justiça. É uma mediação que corre com a cláusula de confidencialidade. Acredito que é possível fazer essa repactuação, mas a gente precisa da boa vontade de todos os envolvidos. São nove instituições de Justiça, três de Minas, três do Espírito Santo, três federais, mais três empresas que negociam, a Samarco e as duas acionistas que são a Vale e a BHP. Acho que vai dar certo. Confio muito que a repactuação vai dar certo e que a gente vai ter um processo similar ao de Brumadinho.

O presidente Lula recentemente nomeou dois homens para duas vagas no Supremo Tribunal Federal (STF). A senhora é uma representante do gênero feminino num cargo muito importante. Como a senhora vê essa pouca representatividade feminina em cargos de poder no Brasil?

Em muitas mesas de autoridade, eu sou a única mulher ao lado de vários homens. As mulheres vêm ocupando cada vez mais o seu espaço de maneira muito forte e competente, mas acho que ainda há um grande caminho a ser desbravado.

Principalmente em alguns órgãos específicos que são muito fechados. Se você for pensar na Defensoria de Minas, ela é muito precursora, eu sou a quarta mulher a liderar a instituição. Nós nunca tivemos isso em outras instituições do sistema de Justiça mineiro, não tivemos em outras instituições de Justiça federais ou outras estaduais, então a gente ainda tem muita coisa pra conquistar. Acho que uma puxa a outra. Espero deixar uma sucessora no meu lugar.

A senhora termina o biênio em maio. Não vai se candidatar não?

Vamos ver, acho que sim. Tem uma eleição interna. Na última vez, eu fui a única concorrente, então, foi super tranquilo a minha eleição, tive mais de 93% dos votos.

A Defensoria Pública tem um histórico triste de déficit de funcionários. Isso melhorou ou ainda estamos vivendo esse período ruim?

Melhorou muito nos últimos anos. Estamos estruturando cada vez mais a Defensoria de Minas, mas ainda temos um caminho a percorrer porque nós temos hoje, previstos em lei, 1.200 cargos. Destes, nós só temos 698 defensores na ativa; das 297 comarcas do Estado de Minas Gerais, nós estamos presentes em 120. A gente ainda tem que crescer muito a Defensoria Pública.

Hoje a gente tem um reconhecimento muito grande tanto do poder Executivo mineiro, do poder Legislativo mineiro e do próprio poder Judiciário. Estamos recebendo investimentos na Defensoria para fazer ela crescer, mas a gente ainda tem uma trajetória de crescimento nos próximos anos.

Essas 120 unidades têm uma estrutura completa para funcionar?

Tem uma estrutura completa, mas não ideal. Temos pouco mais de 40 servidores. Estamos fazendo o primeiro concurso para a área.

A Defensoria criou um novo projeto, chamado “Creche para todos”, como funciona?

A gente já tinha identificado várias demandas de assistidos da Defensoria Pública que a mãe não conseguia creche para criança ou conseguia uma creche muito longe de casa. A gente sabe da dificuldade das mães trabalhadores, muitas vezes que chefiam e sustentam uma família, de ter que se deslocar com uma criança, deixar longe pra chegar cedo no trabalho, para depois cruzar a cidade, buscar essa criança e levá-la para casa.

O Creche para Todos é tentar facilitar essa matrícula da criança na creche, na escola e fazer da melhor forma para aquela família, garantindo o acesso à educação e possibilitando que essa mãe ou esse pai possa trabalhar sossegado e tranquilo, enquanto a criança está devidamente cuidada numa creche, numa escola.

Quem tiver interesse deve procurar onde? Faz o quê?

Deve procurar qualquer unidade da Defensoria Pública tanto na capital, quanto no interior. Aqui em Belo Horizonte, o prédio fica na Rua Guajajaras, 1707, no Barro Preto. A pessoa vai lá, relata o que está acontecendo, vai dar as informações e a Defensoria vai tomar as providências cabíveis.

A Defensoria tem um enorme papel na inclusão social, mas como é atuação nesse campo?


A inclusão começa em casa. A gente tem que primar pela coerência, primeiro temos que ser inclusivos dentro da Defensoria Pública para depois a gente ser inclusivo na nossa pauta fora da instituição. O nosso concurso é o primeiro concurso que tem cota para negros. Exatamente pela possibilidade dessa inclusão de pessoas pretas e pardas na nossa instituição. Nós temos estagiários que têm deficiências visual e uma série de outras. Temos cotas para deficientes físicos em todos os concursos públicos. A Defensoria, por si só, já é uma instituição inclusiva, então, tem muitas mulheres participando de altos cargos de gestão. A minha equipe é praticamente formada só por mulheres.

A inclusão se dá também dentro de uma atribuição constitucional que nós temos de educação em direitos em toda pauta que a Defensoria leva. Por exemplo, a gente tem um projeto chamado “Defensoras populares”. Nós capacitamos mulheres, líderes comunitárias, ensinando direito para essas mulheres, exatamente para que elas sejam replicadoras desses direitos nas suas comunidades. A gente fala da pessoa em situação de violência de gênero, fala como proteger essa mulher, fala como que a criança que tem algum espectro autista ou que têm alguma deficiência pode ser incluída numa rede de proteção, como que aquela família vai fazer valer o direito dela.

Tem a educação em direitos e tem todas as outras ações que a gente promove para trazer a inclusão social e cidadania. Fortalecendo a família, como falei o mutirão “Direito a ter pai”, o mutirão das famílias. Temos os mutirões de mudança de nome, retificação de registro, pronome social da pessoa e uma série de outros programas que a gente busca efetivar esse direito. A gente sabe que a população trans quantas vezes ela é inviabilizada e quantas vezes marginalizada. Não só na população mais carente, muitas vezes também nas camadas mais abastadas da nossa sociedade. E a Defensoria também atua nesse caso, tendo em vista a vulnerabilidade daquela pessoa, independentemente da renda.

A Defensoria existe porque estamos em um país onde há um problema grave, histórico, de divisão de renda, injustiças sociais. Existem órgãos correlatos com a Defensoria em outros países que têm uma sociedade mais justa? E como a senhora vislumbra a Defensoria num país mais justo?

A Defensoria existe exatamente porque existe muita desigualdade social. O modelo do Brasil não encontra similar em nenhum outro lugar do mundo. Existem outras defensorias, mas não tão estruturadas como a brasileira. Porque ela não é só para garantir acesso à direitos da população vulnerabilizada, ela também cuida de tutela coletiva. Também tem legitimidade para tratar e defender direitos coletivos em muitas pautas ela se faz necessária independente da desigualdade social.

A sociedade é plural por si só. A Defensoria é um agente de transformação social dentro dessa sociedade, mas em países em que a desigualdade é menor, que a população tem um senso de comunidade maior que o Brasil, talvez a defensoria já não seja tão imprescindível. Mas a figura de um operador do direito que garanta o acesso à Justiça às pessoas em situação de vulnerabilidade sempre vai existir. É uma instituição essencial para uma sociedade forte, justa e igualitária,como diz a nossa Constituição. À medida que a sociedade vai se fortalecendo, talvez a Defensoria não seja tão necessária, mas ela sempre vai precisar existir.

A Constituição fala que toda pessoa tem direito a ampla defesa e ao contraditório. A Defensoria Pública equilibra as forças, se tem a acusação de um lado, tem que ter no mesmo peso a defesa no outro para que o Judiciário consiga decidir da maneira mais justa.