Arte de uma urna eletrônica -  (crédito: Arte/EM)

Arte de uma urna eletrônica

crédito: Arte/EM

 

Minas Gerais segue no topo da lista de casos de violência política no Brasil. Em atualização do ranking publicada em janeiro pelo Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), o estado teve oito ocorrências com lideranças como vítimas no último trimestre de 2023, o que o deixa na segunda posição no cenário nacional, atrás apenas de São Paulo, que teve 14 registros. No total, foram 63 casos, um número 28,4% menor do que no trimestre anterior, marcado por uma explosão de casos de ameaças a parlamentares mulheres. O estudo é feito desde 2019 e publicado em boletins trimestrais do Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil (OVPE).


A análise leva em conta casos envolvendo lideranças políticas e membros da administração pública em outubro, novembro e dezembro. A maior quantidade de registros aconteceu no primeiro mês, com 28 ocorrências, seguido por 17 e 18 nos meses seguintes. Essa queda pode ser explicada pela mesma hipótese que foi estipulada para justificar o número menor de registros no período derradeiro do ano. O pesquisador do OVPE da Unirio, Miguel Carnevale, avalia que o arrefecimento do cenário pode estar relacionado por um maior distanciamento temporal das eleições de 2022, marcada por forte acirramento ideológico no país.


“O número mais baixo de episódios de violência pode ser influenciado por inúmeros fatores, mas acredito que dinâmica eleitoral seja o elemento principal. Em anos sem eleição, há tendência de um menor número de casos. A eleição de 2022 foi marcada por um acirramento que aparenta ter refletido sobre a violência. Muito por conta disso o início de 2023 apresentou um número mais alto de casos. Essa redução no fim do ano é vista como natural, sob a perspectiva do afastamento das eleições”, avalia.

 

Homicídios


Um dos pontos de maior atenção no último trimestre de 2023 foi o alto número de homicídios, 19 em todo o Brasil, sendo seis em Minas Gerais, que lidera a lista de estados com 31,6% das ocorrências deste tipo no país. Todas as situações em Minas aconteceram com homens e em cidades do interior. As vítimas foram: Otaliba Signato de Melo Neto, ex-vereador e ex-vice-prefeito de Campo Florido; Agnaldo de Paula, Secretário Municipal de Cultura em Araponga; Ricardo Lelis D’Assunção, ex-candidato vereador em Itaverava; Humberto Martins da Rocha; Secretário Municipal em Pintópolis; Renato Silva Maciel, vereador em Cachoeira da Prata; e Paulo César Costa Franco, ex-vereador em Teófilo Otoni.


Mesmo que o número chame a atenção, é possível que alguns dos homicídios sejam retirados do acumulado em rankings futuros devido à motivação dos crimes. Entre os casos citados, por exemplo, há ocorrências com suspeitas de latrocínio, questões de herança e briga de bar. Caso não tenha uma motivação política comprovada, os registros serão desconsiderados pelo Grupo de Investigação Eleitoral, responsável pelo boletim.


Vale destacar que o levantamento é feito com o acompanhamento de veículos de comunicação a partir de alerta do Google, que envia diariamente relatórios a partir de um conjunto específico de palavras-chave. A metodologia define violência política como “qualquer tipo de agressão que tenha o objetivo de interferir na ação direta das lideranças políticas, como limitar a atuação política e parlamentar, silenciar vozes, impor interesses, eliminar oponentes da disputa, restringir atividades de campanha, dissuadir oponentes de participar do processo eleitoral e/ou impedir eleitos a tomar posse”.

 

Cautela


O terceiro trimestre de 2023 foi marcado por uma explosão de casos de ameaças a parlamentares mulheres, especialmente em Minas Gerais. As ocorrências colocaram o estado na primeira posição do ranking, dividindo-a com São Paulo. Usando termos como ‘estupro corretivo’ e ofensas homofóbicas, machistas e misóginas criminosos enviaram mensagens a nomes da política mineira como as deputadas estaduais Lohanna França (PV), Beatriz Cerqueira (PT) e Bella Gonçalves (PSOL); as vereadoras de Belo Horizonte Cida Falabella (PSOL) e Iza Lourença (PSOL); e as vereadoras de Uberlândia, Cláudia Guerra (PDT) e Amanda Gondim (PDT).


No último trimestre de 2023 houve uma queda de 7,3 pontos percentuais no número de mulheres vítimas de violência política em relação ao período anterior. O dado não significa que o problema está mais próximo de uma solução. Como explica o pesquisador Miguel Carnevale, a característica dos crimes sofridos pelas parlamentares, majoritariamente ameaças, e aspectos relacionados à investigação dos crimes cometidos podem ter tornado novas ofensas e intimidações menos expostas no período subsequente.


“É importante destacar que mesmo nos trimestres que registramos mais ocorrências, ainda nos escapam casos de violência, principalmente os de ameaças. Sabemos que essa categoria de violência é a preponderante entre as mulheres na política. O 3° trimestre de 2023 foi marcado por um alto foco nesses episódios, por conta do movimento organizado ao redor das ameaças de ‘estupro corretivo’, que afetaram diversas parlamentares, principalmente em Minas Gerais”, diz o pesquisador.


Para Miguel Carnevale, “a redução de casos coletados com mulheres vitimadas no fim de 2023 não reflete necessariamente uma redução nos episódios de fato. Seja pela natureza da investigação ou pela própria natureza coercitiva da violência, esses casos podem acabar não sendo tão expostos à luz pública”.

 

No local

Entre as lideranças mais vitimadas estão nomes do cenário local. Esta é uma tendência observada nos boletins do OVPE desde que começaram a ser divulgados, no primeiro trimestre de 2019. No último levantamento, 34,9% dos casos de violência política se deram contra vereadores; 11,1% contra prefeitos; e 4,8% contra vice-prefeitos. Somando-se a estes cargos os funcionários da administração municipal, ex-políticos locais e ex-candidatos a cargos nas cidades, o percentual chega a 69,8% do total de ocorrências entre outubro e dezembro do ano passado. Miguel Carnevale, pesquisador da Unirio explica que o fenômeno é recorrente e tende a aumentar em anos como 2024, com eleições municipais.