Senador Alcolumbre, na CPI do BNDES, em 2017 -  (crédito: Roque de Sá/Agência Senado)

Senador Alcolumbre, na CPI do BNDES, em 2017

crédito: Roque de Sá/Agência Senado

O governo federal identificou uma série de irregularidades em obras em Macapá (AP) que foram bancadas com verbas articuladas pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos mais influentes parlamentares da Casa. 

A auditoria feita pela CGU (Controladoria-Geral da União) apontou pagamento de serviços que não foram executados, erros na licitação e concluiu que a construtora conseguiu, de forma inadequada, o aval para participar da concorrência. 

A empresa vencedora foi a CCN (Construtora Cimentos do Norte), criada pela ex-deputada estadual Francisca Favacho, que recentemente trocou o Pros para integrar a cúpula do MDB no Amapá. Ela é mãe do deputado federal Acácio Favacho (MDB-AP).

 

A empreiteira foi aberta em 2017, pouco depois da assinatura do convênio de repasse da verba ter sido assinado pelo Ministérios das Cidades e a Prefeitura de Macapá, à época comandada por Clécio Luís (Solidariedade), aliado de Alcolumbre. Clécio agora é governador do Amapá. 

O dinheiro foi usado para pavimentação, construção de ciclovia e melhoria de calçadas em Macapá, entre o Complexo do Araxá, que fica na zona sul da cidade e às margens do Rio Amazonas, e o Marco Zero do Equador, o ponto turístico mais famoso da capital. Trata-se de um trecho de aproximadamente 2,5 km pela Avenida JK. 

A reportagem apurou que o projeto foi financiado por uma emenda de quase R$ 5,4 milhões no Orçamento de 2016, que Alcolumbre articulou junto à bancada de deputados e senadores do Amapá. Em valores corrigidos pela inflação, o valor equivale a R$ 7,78 milhões atualmente. 

A licitação, conduzida pela Prefeitura de Macapá, chegou a ser questionada na Justiça. Ela foi concluída em 2019 e as obras foram finalizadas somente em 2021. 

Ex-secretário de obras de Macapá, David Covre publicou um vídeo em setembro de 2020 para mostrar as máquinas e homens trabalhando à noite no recapeamento da avenida. "Requalificação de trecho urbano na JK. A obra contempla a construção de ciclovia. Emenda do @davialcolumbre [e] execução da @prefeiturademacapa", escreveu ele numa rede social. Covre é o atual secretário de infraestrutura do Governo do Amapá, ou seja, da equipe de Clécio. 

No período do vídeo, Alcolumbre era presidente do Senado. Nessa condição, ele assumiu a posição de principal negociador de emendas com o governo Jair Bolsonaro (PL), quando o Congresso passou a abocanhar uma fatia maior do Orçamento por meio de emendas parlamentares. 

O Amapá, desde então, passou a figurar entre os destinos com mais dinheiro direcionado por acordos políticos no Congresso. Alcolumbre quer voltar ao comando do Senado no próximo ano e tem sido apontado como favorito na disputa. 

O trecho revitalizado da rodovia JK foi inaugurado em março de 2021. O site oficial do senador publicou um texto informando que foi "mais uma obra de revitalização turística para a capital feita com recursos do senador Davi Alcolumbre". 

Procurado, o senador afirmou, em nota, que não tem qualquer relação com a construtora e que a execução dos contratos, inclusive daqueles ligados a emendas, é do Poder Executivo, responsável pela análise técnica e pelo processo licitatório. 

"O senador reforça ainda que confia plenamente nos órgãos de controle e fiscalização e que espera que eles possam cumprir com as suas atribuições para, dessa forma, garantir a boa aplicação dos recursos públicos", concluiu Alcolumbre. 

A Prefeitura de Macapá não respondeu aos questionamentos. A CCN negou irregularidades e questionou o relatório da CGU. 

O Ministério das Cidades disse que, como as obras foram executadas em 2020 e 2021, o convênio com o município passou pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, sob Bolsonaro. O hoje senador Rogério Marinho (PL-RN) era ministro na época. 

Em nota, Marinho disse que sempre atuou dentro das normas e que a fiscalização da execução das obras nesses tipos de contratos de repasse é de responsabilidade da Caixa. 

A CGU informou que o projeto em Macapá foi auditado por causa da "relevância e criticidade". 

A fiscalização in loco foi feita em 2023, já sob o governo de Lula (PT), após o fim das obras. Ela encontrou trechos da ciclovia que constavam na documentação como concluídos, porém não foram executados. 

Sobre a licitação, os auditores afirmam que o processo não foi devidamente divulgado e que o aval da capacidade técnica para a CCN realizar o empreendimento foi dado de forma irregular. 

A construtora era obrigada a comprovar já ter realizado obras com características semelhantes. Porém, foi apresentada apenas uma prova da experiência do engenheiro que seria designado pela empresa para o projeto. 

Além disso, a proposta de revitalização da rodovia sofreu alterações ao longo da execução e, segundo a CGU, isso não foi documentado (pelos chamados aditivos contratuais) ?o que dificulta o acompanhamento da obra e o que de fato ocorreu. 

"Essa situação não permite, por exemplo, verificar se há justificação técnica para as alterações identificadas, se essas foram aprovadas pelo gestor do contrato com base em parecer técnico e jurídico", diz o relatório. 

Foi verificado também que o projeto não tinha uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), importante instrumento para assegurar que determinado empreendimento se encontra sob a supervisão de um profissional capacitado. 

A CGU informou que, diante dos questionamentos levantados na auditoria, a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura Urbana de Macapá assinou um acordo com a Construtora Cimentos do Norte para que a realização dos serviços que faltavam sejam prestados. 

A Construtora Cimentos do Norte questionou o relatório da CGU e disse que os serviços foram todos executados na integralidade. Declarou ainda que, em relação ao aval para participar da licitação, os "atestados [apresentados] são relativos a serviços efetivamente executados pela empresa CCN, sob a responsabilidade técnica do engenheiro Edmilson Araújo Filho, pertencente ao quadro técnico da empresa, e não apenas por este." 

A empresa negou qualquer influência política por ter como proprietária uma ex-deputada estadual e afirmou que, em processos licitatórios, o resultado depende de critérios técnicos. 

A CGU repassará as informações da auditoria para os órgãos responsáveis pelo acompanhamento da gestão municipal, visto que cabe ao município e aos órgãos locais avaliar a eventual punição administrativa de servidores ou responsabilização da CCN.