Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) coordenou o grupo de trabalho da reforma na Câmara dos Deputados -  (crédito:  Minervino Júnior/CB)

Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) coordenou o grupo de trabalho da reforma na Câmara dos Deputados

crédito: Minervino Júnior/CB

Promulgada pelo Congresso Nacional em sessão solene, na quarta-feira (20/12), a reforma tributária passou por uma série de negociações entre Câmara dos Deputados e Senado Federal até ser aprovada. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que coordenou o grupo de trabalho da reforma, participou, ontem, do CB.Poder — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília.

Em entrevista aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Denise Rothenburg, o parlamentar comemorou a promulgação da reforma, que ficou quase três décadas em debate: "É uma vitória, é uma reforma do Estado brasileiro". O deputado também salientou que o novo modelo vai melhorar a vida dos brasileiros, com um sistema de impostos que vai proporcionar um ganho de eficiência produtiva para os setores econômicos do país.

O parlamentar lembrou ainda a importância do alinhamento político com a Câmara dos Deputados, o Senado, os ministros e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que a aprovação do texto fosse bem-sucedida. Ele destacou ainda o papel do presidente Arthur Lira e do presidente Rodrigo Pacheco na construção do acordo.

O que significa essa reforma tributária para os brasileiros?

É um marco, é um fato histórico, é a reforma mais estruturante pós-redemocratização do país, todas as outras eram muito conjunturais. E qual é o benefício para a sociedade? Nós vamos conectar o Brasil com o sistema tributário mundial. Cerca de 95% dos outros países têm o regime de imposto a partir do sistema de débito e crédito, do sistema de cobrar imposto de valor adicionado, e não no valor acumulado. Cobrar imposto do valor acumulado transformou o Brasil numa República primário-exportadora, ou seja, o meio da cadeia não creditava (o que foi pago) para a etapa seguinte de produção. Então, o sistema tributário impôs ao Brasil vender produtos e serviços mais caros ao povo brasileiro. E, com isso, os importados chegaram na economia brasileira e destruíram as indústrias nacionais. O Brasil já teve 4% do PIB do mundo e, agora, tem 2.2% do PIB. Mudar esse regime tributário significa tirar 80% do custo de produção do país, significa que nós vamos exportar com o valor agregado, com inovação, com tecnologia. Isso resultará, nos nossos cálculos, nos próximos dez anos, 12 milhões de novos empregos para o povo brasileiro. Também vai ajudar muito a trajetória da dívida e do equilíbrio fiscal dos municípios, dos estados e da União. Isso significa, no mínimo, R$ 6 mil de aumento na renda per capita do povo brasileiro, que hoje tem uma renda per capita menor que a do povo da China.

Na sessão solene de quarta-feira, todos destacaram o trabalho coletivo, a discussão democrática. Houve, realmente, essa colaboração?

Depois de 40 anos, eu costumo dizer que nós encontramos as principais respostas para as principais perguntas. Podemos até não gostar das respostas, mas nós respondemos. Por isso conseguimos a aprovação da primeira reforma (tributária) no regime democrático, houve um alinhamento político interessante, estratégico. Quero ressaltar a liderança do presidente (da Câmara), Arthur Lira, e a liderança do presidente (do Senado), Rodrigo Pacheco. Nós buscamos, também, pela primeira vez, o alinhamento por dentro do governo federal. O presidente Lula patrocinou a reforma, e o ministro Fernando Haddad coordenou, porque, se não tiver um coordenador, 40 ministros falando ao mesmo tempo sobre o mesmo tema dispersa muito as energias. Houve, também, um alinhamento estratégico de todos os setores produtivos, do comércio, do agro, da indústria e do turismo. De fato, é uma vitória, é uma reforma do Estado brasileiro.

O sistema que o Congresso enterrou nesta semana foi uma das causas das dificuldades fiscais que estados, como Minas Gerais, estão enfrentando?

É. E a União tem responsabilidade na dívida bilionária de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Goiás. Eu vou dar um exemplo chocante: Em 2000, esses estados deviam à União R$ 160 bilhões. Pagaram, até 2023, R$ 645 bilhões e ainda devem R$ 800 bilhões. É juro composto. Tem uma responsabilidade do Brasil não ter feito uma reforma tributária antes, porque, para tirar um imposto da origem onde emite a nota fiscal e passar para o destino, era importante fazer a reforma tributária. Quando desoneraram as exportações desses estados para ganhar o mercado internacional, deveriam ter mudado o imposto para o destino, mas não mudaram. E pior, a União também não pagou, deu calote nos estados, e foi aumentando o endividamento.

Com a cobrança de impostos no destino, estados como os do Centro-Oeste estão preocupados. Como é que o senhor vê essa questão?

Não tem erro nenhum. Só tem jeito de garantir crédito pleno, ou seja, creditar as etapas anteriores para a etapa final para não ter cumulatividade tributária, que é com um comitê, uma agência centralizadora dessa arrecadação. Esse comitê gestor tem esse papel, centralizar a arrecadação e fazer a partilha, definir o destino dessa arrecadação e devolver os créditos para os setores produtivos que, porventura, tenham crédito a receber.

Isso é mais um avanço dessa reforma?

Ela tem uma característica de simplificação porque é uma única legislação, um comitê único de arrecadação, mas a reforma corrige enormes distorções. A distorção da origem para o destino; a distorção de não cobrar do valor acumulado, só do valor adicionado; a distorção de não cobrar um imposto escondido, um imposto por dentro, mas um imposto por fora. Um cidadão, ao chegar num supermercado e comprar um copo, vai saber qual é o preço do copo e qual é o preço do imposto, por fora. A transparência é o melhor desinfetante, que cria consciência cidadã, consciência fiscal, porque quem mais paga impostos no Brasil são os mais pobres, pessoas que ganham até dois salários mínimos e gastam 100% dos seus recursos com mercadoria.

A reforma precisa ser regulamentada. Há prazo para isso? O presidente Arthur Lira quer tudo aprovado no primeiro semestre do ano que vem, que é a janela antes da eleição municipal. É possível?

Sim, mas acho que temos que criar seis grupos por temas, por setores, modelos de negócio que exigem um tratamento diferenciado na aplicação do IVA, sistema financeiro, setor imobiliário, cooperativismo. Modelo de negócio exige uma legislação específica, tratamento diferenciado aos setores que vão ter a alíquota reduzida. Nós vamos ter quatro alíquotas. A padrão é para todos. A alíquota intermediária é para os profissionais liberais. A reduzida, para serviços de cadeia curta, que não gera muito crédito tributário. Se aplicarmos a alíquota padrão para todos, teria aumento de preço para o cidadão. Por isso é que, para educação, saúde e transporte coletivo, nós fizemos a alíquota reduzida e alíquota zero. É a primeira vez que o povo brasileiro vai ter acesso à alimentação, à cesta básica sem nenhuma alíquota tributária. E mais: vamos criar a cesta básica nacional. Tem alimentos, que hoje estão previstos na cesta básica — 1,3 mil produtos —, que nós vamos colocar uma alíquota reduzida de 60%. Para aquela mãe negra, solo, que tem três filhos, ou a família que tem uma renda per capita pequena, nós vamos devolver o imposto, criar o cashback. Esse cidadão que não sabia que estava pagando imposto vai ter consciência de que está pagando e que vai receber de volta, no crédito ou no pix, na hora.

Há muita gente dizendo que essa reforma vai demorar para entrar em vigor, há uma transição que vai até 2032. Só lá é que a população vai sentir os efeitos da reforma?

Os efeitos já ocorreram no primeiro turno (da votação), em 7 de julho. No dia seguinte, começamos a mudar a nota de risco do país, e o Brasil passou a ser, neste ano, o segundo país que mais atraiu investimento internacional. Isso só com a aprovação na Câmara dos Deputados. O Brasil vai retornar ao grau de investimento. O resultado já ocorre na prática. Todos os estados, inclusive os produtores, apoiaram a reforma, tiveram uma consciência cidadã.

O senhor falou que todos os governadores apoiaram, mas Ronaldo Caiado, de Goiás, foi contra.

Mas, no final, ele falou que acatava as decisões da maioria. Ele fez um bom combate, mas, de fato, nós criamos uma política de desenvolvimento regional muito mais interessante porque Goiás ainda foi, entre aspas, bem-sucedido nos incentivos fiscais. Nós tiramos dos governadores o incentivo fiscal porque, se o imposto é no destino, o estado pode isentar o imposto dele, mas não isenta o imposto de terceiros. O que nós colocamos no lugar é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com R$ 60 bilhões. Com esse fundo, nós vamos dar uniformidade ao país. Os governadores também terão recursos para atração de novos investimentos, mas para potencializar as locações locais. Vão poder, inclusive, dar incentivo orçamentário com transparência. Toda a sociedade vai saber de onde (sai o dinheiro) e como aquele setor está ganhando aquele benefício. E ele não vai perder a capacidade de investimento e arrecadação.

Falando em União, governo e Congresso debatem o Orçamento de 2024. Há uma briga grande em relação às emendas parlamentares, com possíveis cortes no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O governo vai perder essa disputa?

Nós vamos ter que fazer um freio de arrumação nas emendas parlamentares. Elas são legítimas, são legais, mas vamos ter que combinar a alocação dessas emendas com um projeto de país. Porque, por mais legítimas e legais que sejam, elas não dão conta do todo. Nós temos que ter PAC, um projeto estruturante para o país. O investimento público é importante, mas não é mais importante que o investimento privado.

Mas os deputados não querem, acham que, ao colocar dinheiro no PAC, estarão ajudando os candidatos do PT. Como isso será tratado?

Eu sou de uma região que tem vários deputados. Tem ações que, se não tiver uma unidade — por exemplo, para recuperar uma rodovia —, é ilusão achar que vão conseguir fazer isso com emenda parlamentar.

Na promulgação da reforma, teve briga no plenário, Washington Quaquá (PT-RJ) deu um tapa no rosto de Messias Donato (Republicanos-ES). Como vai ficar essa história?

Nós temos que melhorar os nossos relacionamentos. Governo e oposição, ambos têm responsabilidade com a reconstrução do país. E nós temos que respeitar o Parlamento. Naquele momento, estávamos promulgando uma das mais importantes reformas estruturantes para a economia brasileira. Eu jamais acho que a polícia deve ser feita por memes, por dancinha, por agressão física e verbal. Sou contra qualquer tipo de agressão. As agressões não podem fortalecer preconceitos, como o machismo, o racismo, a homofobia. Temos que ter muito cuidado e fazer um freio de arrumação nas relações. Eles (os dois deputados) têm direito de defesa, e o nosso partido e a Comissão de Ética vão fazer os procedimentos. Vamos ver qual é o resultado dessa investigação.

*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria