Feira do Livro monta a república das palavras em SP
Atmosfera aconchegante e acolhedora do evento na Praça Charles Miller, que chega à 5ª edição, contrasta com ritmo ruidoso e nervoso da metrópole paulistana
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São Paulo - “Valorize suas curvas”, pede a frase, acompanhada pela ilustração de um cérebro, em camiseta à venda em banquinha no fim de semana de abertura de A Feira do Livro, em São Paulo. Tendas e barracas montadas na Praça Charles Miller, no Pacaembu, oferecem não as frutas da semana, mas itens de abastecimento de cérebros. Ideias, reflexões, debates, conversas, encontros e reencontros sem o estresse, a dispersão, as filas e os perrengues de eventos gigantes. Eis o Ovo de Colombo do festival literário paulistano, que conclui amanhã a sua quarta edição: criar uma atmosfera amigável, acolhedora, até relaxante na maior – e mais nervosa – cidade do país; no reino do ruído, uma república das palavras.
Realizada pela Associação Quatro Cinco Um e Maré Produções, a Feira do Livro reúne este ano mais de duzentos autores brasileiros e do exterior em centenas de oficinas, debates, bate-papos. Números superlativos, porém enganosos. Pois o que prevalece no evento é o um-a-um: o contato visual com o autor durante as mesas, o flerte com o lançamento em exposição nas bancas de editoras e livrarias. E tudo isso com entrada franca, a céu aberto, a marquise art déco do Estádio do Pacaembu a nortear os passos dos flâneurs, alguns com seus filhos curiosos, outros a passear cães de grande porte.
Perambular sem pressa, atento às palavras escritas e faladas. Testemunhar os aplausos calorosos para a filósofa Marilena Chauí e para o médico Drauzio Varella, se impressionar com a contundência e lirismo da ficcionista portuguesa Lídia Jorge, refletir sobre os impasses da democracia brasileira com o historiador Carlos Fico e o jornalista Eugênio Bucci (leia depoimento abaixo), prosear entre uma mesa e outra com os joviais mineiros Ivan Angelo, 89 anos, e Humberto Werneck, 80, há décadas radicados na capital paulista: viajar pelo mundo dos livros e das ideias sem sair de São Paulo.
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Que a Feira continue a oferecer, além de chopes e pastéis, um estoque variado – e saboroso – de alimentos para a alma.
“Um conceito mágico em um espaço público”
Eugênio Bucci
“A Feira do Livro chega à sua quarta edição, agora, em 2025, já em plena maturidade. É um ponto obrigatório para o roteiro cultural do Brasil. Gente de toda parte vem ao Pacaembu para ver de perto livros, autores e autoras, que circulam alegres pela praça em que se instalam as editoras, as livrarias, as barracas de quitutes e os auditórios que ficam vibrantes em palestras e debates. Que maravilha. A ideia do jornalista, escritor e editor Paulo Werneck, em parceria com esse arquiteto sensível e visionário que é Álvaro Razuk, não poderia ter dado mais certo. Num espaço público por excelência, um estacionamento de estádio de futebol, eles enxergaram e materializaram um conceito mágico: um centro nervoso (mas muito calmo) da cultura, com livros que cintilam ao sol ameno de junho, gente que trafega sorridente, conversando com liberdade e alegria. Além disso, o tema deste ano, que é a democracia, tem tudo a ver com esse projeto. Que delícia que é a Feira do Livro. Sou fã.”
Eugênio Bucci, jornalista, que participou com o historiador Carlos Fico no último sábado da mesa “40 anos de democracia”, uma das mais concorridas da Feira do Livro, e lançou os livros “A razão desumana” (Autêntica) e “Que não se repita” (Seja Breve).
Campeões de vendas
Os livros mais vendidos no primeiro final de semana da Feira do Livro
• “Ideologia: uma introdução” (Boitempo), de Marilena Chauí
• “Uma delicada coleção de ausências” (Companhia das Letras), de Aline Bei
• “Que não se repita: a quase morte da democracia brasileira (Seja Breve)”, de Eugênio Bucci
• “A razão desumana: cultura de informação na era da desinformação inculta (e sedutora)” (Autêntica), de Eugênio Bucci
• “Misericórdia” (Autêntica), de Lídia Jorge
• “O livro que me escreveu” (Solisluna), de Mario Lucio Sousa
• “De Marte a Favela: como a explosão espacial inspirou um dos maiores projetos de combate à pobreza no Brasil” (Planeta do Brasil), de Aline Midlej
• l “Gaza está em toda parte: textos e fotografias pós-7 de outubro (com uma última ida à Gaza seis anos antes)” (Bazar do Tempo), de Alexandra Lucas Coelho
• “Horas azuis” (Companhia das Letras), de Bruna Dantas Lobato
• “Utopia autoritária brasileira: como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje” (Crítica), de Carlos Fico
Fonte: Livraria da Travessa
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A dupla celebração de João Batista Melo
Considerado por Moacyr Scliar “um autor com amplo domínio do texto e uma capacidade de penetrar nos mistérios da existência como raramente se vê”, João Batista Melo tem dois motivos de comemoração. O autor de livros premiados como “Malditas fronteiras” e “O inventor de estrelas” foi eleito, na última segunda-feira, para a Academia Mineira de Letras na sucessão de Benito Barreto. “Estou muito contente por ingressar na AML, em especial para uma cadeira de um dos escritores menos lembrados e reconhecido em nossos tempos do que merece, e cuja obra eu tive a felicidade de conhecer quando começava a descobrir a literatura mineira”, conta João Batista ao Pensar.
“Eu vejo a Academia Mineira de Letras como uma instituição que historicamente sempre atuou na preservação e na divulgação da literatura mineira, bem como das suas letras num sentido mais amplo. E que nos anos recentes vem se reciclando ainda mais, em sintonia com as transformações da sociedade, buscando a diversidade em sua composição, a conexão com as questões sociais nas ações e discussões”, complementa.
Além da eleição à AML, João Batista celebra o relançamento, pela Editora Faria e Silva, do primeiro romance, “Patagônia”, 25 anos depois da primeira edição. “De certa forma, ‘Patagônia’ traz alguns elementos que são uma constante em toda a minha obra: a conexão entre literatura e cinema, o flerte com as histórias de aventura e ação, a inter-relação entre personagens de culturas e sociedades distintas, a construção poética do texto”, acredita o autor. O romance narra a história de um jovem brasileiro que, no início do século 20, vai para a Argentina em busca dos assassinos de seu irmão, morto durante um assalto a trem nos Estados Unidos pelo bando de Butch Cassidy. “A trama nasceu como uma homenagem ao gênero faroeste, mas penso que acabou se tornando um drama pacifista de aventura”, conta João Batista Melo, que autografará a nova edição de “Patagônia” no dia 19 de julho, às 11h, na Livraria Quixote.