Alejo Carpentier -  (crédito: reprodução)

Alejo Carpentier

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SÉRGIO KARAM

ESPECIAL PARA O EM

 

Foi na década de 1960 que os romancistas cubanos passaram a ser mais amplamente traduzidos no Brasil, por causa do clima de marcada luta ideológica que dominou a América Latina nos anos posteriores ao triunfo da revolução cubana de 1959 e da curiosidade a respeito de fenômeno tão significativo.

 

A primazia coube ao romancista, ensaísta, músico e diplomata Alejo Carpentier, com a publicação de “O reino deste mundo”, um romance de 1949 lançado aqui em 1966 na coleção ‘Nossa América’, da Editora Civilização Brasileira, em tradução de João Olavo Saldanha, uma edição que incluía o famoso prólogo em que Carpentier trata do “real maravilhoso”, um conceito-chave para a compreensão da obra produzida por alguns dos melhores romancistas do continente.


Ao longo do tempo, Alejo Carpentier teria outros 12 livros publicados no Brasil, entre eles alguns romances que chegaram a ganhar duas traduções: “Concerto barroco” (Brasiliense, 1985, por Jean-Claude Bernardet e Teixeira Coelho; Companhia das Letras, 2008, por Josely Vianna Baptista), “Os passos perdidos” (Brasiliense, 1985, por Josely Vianna Baptista; Martins Fontes, 2008, por Marcelo Tápia) e “O século das luzes” (Labor do Brasil, 1976, por Stella Leonardos; Companhia das Letras, 2004, por Sérgio Molina, tradução que acaba de ser relançada).

 

 

Se Carpentier foi um amigo da revolução, o mesmo não se pode dizer de Guillermo Cabrera Infante, outro grande escritor cubano extensamente traduzido no Brasil. Depois de apoiar o regime cubano em seus anos iniciais, Cabrera Infante rompeu com Fidel Castro e passou o resto da vida no exílio.

 

Seu romance mais importante, “Três tristes tigres”, publicado em espanhol em 1967, também ganhou duas traduções no Brasil: a primeira em 1980, pela Editora Global, por Stella Leonardos, e a segunda em 2009, pela Editora Record,por Luís Carlos Cabral.

 

Outros romances seus lançados por aqui foram “Havana para um infante defunto” (1987, tradução de João Silvério Trevisan), “A ninfa inconstante” (2011, tradução de Eduardo Brandão) e “Corpos divinos” (2016, tradução de Josely Vianna Baptista), todos publicados pela Companhia das Letras, além dos três volumes de “Cinema ou sardinha”, reunião de seus textos sobre cinema, publicados pela Editora Gryphus entre 2013 e 2016.

 

Outro gigante das letras cubanas, o poeta, ensaísta e romancista José Lezama Lima, também teve uma relação conturbada com o regime revolucionário, embora tenha vivido sempre em Cuba. O romance “Paradiso”, de 1966, um marco do neobarroco latino-americano, foi seu primeiro livro publicado no Brasil, em 1987, pela Brasiliense, traduzido por Josely Vianna Baptista.

 

Em 2014, aconteceu uma coisa curiosa: a mesma tradutora nos ofereceu uma nova tradução da obra, publicada pela Estação Liberdade e baseada na edição crítica da Colección Archivos, ao mesmo tempo em que uma tradução inteiramente distinta, assinada por Olga Savary, saía pela Martins Fontes.

 

O assunto rendeu uma certa polêmica nos jornais e sites especializados de dez anos atrás. De Lezama Lima também foram publicados no Brasil os ensaios de “A expressão americana” (Brasiliense, 1988, trad. Irlemar Chiampi) e de “A dignidade da poesia” (Ática, 1996), além de um livro de contos, “Fugados” (Iluminuras, 1993), os dois últimos traduzidos por Josely Vianna Baptista.

 

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Antologias de contos e os ‘reis’ de Havana

 

Pedro Juan Gutiérrez, o “Henry Miller” cubano, teve sete títulos publicados no Brasil entre 1999 e 2016. Cinco deles foram lançados pela Companhia das Letras, todos com tradução de José Rubens Siqueira: “Trilogia suja de Havana” (1999), “O rei de Havana” (2001), “Animal tropical” (2002), “O insaciável homem-aranha” (2004) e “O ninho da serpente: memórias do filho do sorveteiro” (2005). Em 2008 a Alfaguara lançou uma nova tradução da “Trilogia suja de Havana” e o inédito “Nosso GG em Havana”, e, em 2016, “Fabián e o caos”, os três traduzidos por Paulina Wacht e Ari Roitman. Finalmente, em 2017, relançou a tradução de José Rubens Siqueira de “O rei de Havana”.

 

Além dos já citados, há vários escritores cubanos com apenas um ou dois livros traduzidos no Brasil: Miguel Barnet, Daniel Chavarría, Miguel Cossío Woodward, Abilio Estévez, Norberto Fuentes, Mayra Montero, Reinaldo Montero, Senel Paz, Manuel Pereira, Guillermo Rosales e Julio Travieso Serrano.

 

O grande pensador José Martí teve uma antologia de textos publicada em 1983 pela Hucitec e o ensaio “Nossa América” publicado em 2011 pela Editora da UnB, em edição bilíngue. E há um outro livro interessantíssimo em circulação: “A autobiografia do poeta-escravo”, de Juan Francisco Manzano, “única narrativa autobiográfica latino-americana escrita por uma pessoa escravizada durante seu cativeiro”, como se pode ler no site da Editora Hedra, que o lançou em 2015, com organização e notas do tradutor Alex Castro.

 

Há também pelo menos quatro antologias reunindo autores diversos: “Contos de amor cubanos” (Record, 1978), seleção de contos de 37 autores, e “Contos policiais cubanos” (Record, 1985), reunindo 13 autores, ambas traduzidas por Joel Silveira; “A ilha contada: o conto contemporâneo em Cuba” (Página Viva, 1997), traduzido por Josely Vianna Baptista, que inclui contos de 20 autores, entre eles Senel Paz, María Elena Liana, Reinaldo Montero, Abel Prieto, Mirta Yánez e Leonardo Padura; e “Nós que ficamos (contos cubanos)”, lançada pela Editora Marco Zero em 2001, com tradução de Jacqueline Schor e Regina Gulla, que reúne contos de autores como Ruben Wong, Diana Fernández e Ana Nuñez.

 

José Latour, que vive no Canadá desde 2004 e escreve em inglês, é um autor de romances policiais, três dos quais foram publicados no Brasil pela Editora Record em sua Coleção Negra: “Mundos sujos”, de 2005, traduzido por Sylvio Gonçalves; “Camaradas em Miami”, de 2007, traduzido por Alexandre Raposo; e “Escondido em Havana”, de 2010, com tradução de Mariluce Pessoa.

 

E, por falar em romances policiais, sem dúvida o autor cubano mais traduzido no Brasil (e no mundo) nos últimos anos é Leonardo Padura, que tem o raro privilégio de continuar a morar em Cuba e ao mesmo tempo circular internacionalmente com desenvoltura. Salvo engano, há 14 títulos de Padura publicados no Brasil desde 2000: quatro pela Companhia das Letras, um pela Benvirá (“O rabo da serpente”, de 2015, traduzido por Diogo de Hollanda) e 12 pela Boitempo (a conta não fecha porque três dos títulos publicados pela Companhia das Letras foram republicados pela Boitempo). Entre 2000 e 2008, a Companhia publicou “Adeus, Hemingway”, traduzido por Lúcia Maria Goulart Jahn; “Máscaras” e “Ventos de quaresma”, ambos traduzidos por Rosa Freire d’Aguiar; e “Passado perfeito”, traduzido por Paulina Wacht e Ari Roitman.

 

Os três últimos integram a tetralogia “Estações Havana”, protagonizada pelo detetive Mario Conde, e foram relançados pela Boitempo em 2016, junto com “Paisagem de outono”, traduzido por Ivone Benedetti, que permanecera inédito no Brasil.

 

Mas o livro de Padura que realmente fez um sucesso estrondoso foi “O homem que amava os cachorros”, baseado na vida do revolucionário Leon Trótski, publicado pela Boitempo em 2013, em tradução de Helena Pitta.

 

A ele se seguiram, todos pela Boitempo: “Hereges” (2015, trad. Paulina Wacht, Ari Roitman e Bernardo Pericás Neto); os quatro volumes da série “Estações Havana”, em 2016, já referidos; e seis livros publicados, um a cada ano, entre 2018 e 2023, todos traduzidos por Monica Stahel: “A transparência do tempo”, “O romance da minha vida”, “Água por todos os lados” (um livro de ensaios), “Como poeira ao vento”, “Febre de cavalos” (seu primeiro romance) e “Pessoas decentes”, seu romance mais recente, que marca a volta do investigador Mario Conde.

 

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Homenagem ao Brasil na Feira de Havana

 

Iniciada no último dia 15, a 32ª Feira Internacional do Livro de Havana tem o Brasil como país homenageado pela segunda vez. A participação brasileira inclui mais de 20 escritores e artistas nacionais.

 

A programação contém palestras, debates, ciclo de filmes, apresentações musicais e capoeira, entre outras atividades de nomes como Ailton Krenak, Conceição Evaristo, Eliana Alves Cruz, Elisa Lucinda, Emicida, Frei Betto, Jeferson Tenório, Jarid Arraes, Marcelo D’Salete, Márcia Kambeba, Cidinha da Silva, Graça Graúna, Otávio Júnior e Socorro Acioli.

 

Na programação será lançado o número 313 da revista “Casa de las Américas”, com um dossiê dedicado a vozes do Brasil, com narrativas, poemas e um texto sobre a atual literatura do país. Na revista, a professora Stefania Chiarelli, colaboradora do Pensar, escreve ensaio com um panorama da prosa brasileira dos últimos dez anos, destacando algumas linhas de força da ficção contemporânea.

 

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