Oportunidade de justiça social ignorada de novo
A reforma deixa de atacar um ponto fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da desigualdade social
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Siga noA reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados pode trazer mudanças significativas no funcionamento da economia brasileira, caso também passe no Senado Federal. A principal alteração se concentra na criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um texto único para substituir os complexos tributos estadual (ICMS) e municipal (ISS).
A reforma cumpre com seu papel de desburocratização da relação de consumo e aumenta a transparência – facilitando o entendimento da população sobre aquilo que ela paga ao comprar um determinado produto. Porém, deixa de atacar um ponto fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da desigualdade social.
Na semana passada, deputados federais tiveram uma nova oportunidade para mudar um pouco da realidade atual, na qual o grupo dos 1% mais ricos tem um rendimento médio 39 vezes maior do que a média daqueles incluídos nos 40% mais pobres do país: R$ 20,6 mil contra R$ 527, de acordo com o IBGE. Ao negar a taxação das grandes fortunas, acima dos R$ 10 milhões, por 262 votos a 136, a Câmara deixou claro quem ela mais representa "na fila do pão".
Pela proposta de emenda do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões seriam taxadas em 0,5%. O percentual dobraria para 1% para patrimônios entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões. Quem ultrapasse a barreira dos R$ 80 milhões, teria que pagar 1,5% de alíquota.
O texto precisava de 257 votos para passar, mas recebeu apenas 136 – a maior parte dos favoráveis foram parlamentares de esquerda e centro-esquerda. Além de aumentar a arrecadação do país, sobretudo em um momento de pressão por corte de gastos, a medida serviria para passar um recado à sociedade. A mensagem de que desigualdades tão volumosas não devem ter mais espaço no mundo contemporâneo.
A negação da emenda não pegou ninguém de surpresa nos corredores da Câmara. É sabido que a classe política brasileira, em sua maioria, serve à elite econômica do país. Afinal, é essa a fonte de renda que financiou boa parte das campanhas vitoriosas em 2022 – mesmo recurso que bancou a eleição e, principalmente, a reeleição de uma fatia considerável de prefeitos e vereadores no mês passado.
Ainda que esperada, a posição merece críticas e cobranças. Afinal, a própria Constituição, em seu artigo 153, prevê que "compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar". Essa legislação, no entanto, nunca saiu do papel e ajuda a manter 63% da riqueza do país nas mãos de 1% da população, segundo relatório elaborado pela Oxfam Brasil.
Contudo, um contraponto é importante. Especialistas, como o ex-consultor do FMI Isaias Coelho, defendem que a taxação das grandes fortunas não é a medida mais aconselhável para aumentar a arrecadação do país e equilibrar o caixa. Há um temor do mercado financeiro de que a medida, caso fosse colocada em vigor, aumentaria as chances de investidores retirarem capital do país, o que pressionaria a economia interna e limitaria a efetividade do imposto.
Em uma segunda análise, vale discutir também outra medida ignorada pela reforma tributária: a revisão da tabela do imposto de renda da pessoa física. Vale lembrar que hoje, no Brasil, qualquer pessoa com vencimentos acima de R$ 4.664,68 paga uma alíquota de 27,5%, independentemente se ganha R$ 5 mil por mês ou R$ 300 mil, usando uma comparação básica. Na prática, não há diferença no imposto pago entre um trabalhador de classe média e um empresário ou latifundiário de renome, que fatura milhões por ano.
Quando estava em campanha em 2022, o presidente Lula (PT) prometeu isentar do IRPF todos os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil – a medida hoje só alcança quem recebe até R$ 2.259,20. É bem verdade que essa política pública não depende unicamente do governo federal, já que requer árdua articulação com o Congresso. No entanto, medidas como a adotada pelo Planalto na votação da taxação das grandes fortunas – na qual o governo liberou os partidos de sua base para definir as posições de suas bancadas – não ajudam a diminuir a reconhecida desigualdade social e soam incoerentes.