O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vê na vitória de Javier Milei na Argentina, neste domingo (19), uma derrota para a região, e teme pelo futuro do Mercosul.

Do ponto de vista político, Milei está mais próximo de uma direita que faz oposição não só ao governo petista no Brasil, como a outros aliados, e critica o fortalecimento da região em bloco. 

Além disso, auxiliares de Lula comparam a disputa à eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e dizem ser a pior derrota da história do peronismo. Sobretudo, porque as primeiras notícias dão conta de uma margem para Milei superior à esperada.

O então candidato chegou a afirmar em entrevista que deixaria o Mercosul, em caso de vitória. Agora, interlocutores do chefe do Executivo dizem que resta saber se ele manterá o discurso radicalizado, após a disputa eleitoral.

Nas últimas semanas, a campanha de Milei enviou recados ao governo brasileiro, por meio de sua embaixada, no sentido de abaixar ânimos e dizer que a relação com o país é muito relevante para a Argentina.

Auxiliares de Lula dizem não saber se ele participará da posse de Milei, em 10 de dezembro, mas muitos defendem que ele não vá, para evitar desgastes. Até mesmo porque há dúvidas se ele receberá convite do argentino.

Há uma leitura, entre diplomatas e auxiliares palacianos, de que dificilmente vitória do ultraliberal representaria um retrocesso tão expressivo nas relações bilaterias entre os dois países, que já estariam consolidadas. A Argentina é o principal parceiro comercial da América do Sul.

A postura pública de Milei, contudo, ainda deixa dúvidas sobre como ele atuará. Durante a campanha, ele chamou o bloco de "união aduaneira defeituosa" e disse que a Argentina "seguiria seu próprio caminho".

Ele, que se autodeclara um "anarcocapitalista", diz discordar de qualquer tipo de intervenção de um Estado sobre as transações comerciais de outro.

Depois do primeiro turno, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que estava acompanhando o pleito argentino "com interesse" devido ao Mercosul e defendeu na ocasião a integração regional.

Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu do governo argentino a presidência temporária do bloco econômico, com mandato até o fim de 2023, tendo a retomada da integração sul-americana como prioridade.

Segundo o governo brasileiro, o Mercosul movimentou US$ 46,1 bilhões no comércio interno em 2022. Já o intercâmbio comercial com o restante do mundo foi de US$ 727 bilhões no ano passado, dos quais US$ 398 bilhões referem-se a exportações. Os principais destinos das vendas do bloco são China, Estados Unidos e Países Baixos.

Milei disse também durante a campanha eleitoral que pretendia limitar o comércio com o Brasil. Hoje, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do país, atrás apenas de China e Estados Unidos.

Neste ano, de janeiro a outubro, o superávit comercial do Brasil com a Argentina chegou a US$ 4,75 bilhões. No período, as vendas para os argentinos cresceram 12,5% e atingiram US$ 14,9 bilhões, enquanto as importações caíram 7,1% e chegaram US$ 10,15 bilhões.

Politicamente, a vitória de Milei também não é boa para o presidente Lula (PT). O então candidato, além de receber apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), manteve uma retórica de ataques ao presidente, a quem chamou de "corrupto" e ameaçou com a ruptura de relações com o Brasil.

Lula, por sua vez, evitou confronto direto com Milei. No entanto, na reta final da corrida, reagiu pedindo que os argentinos escolhessem alguém que goste de democracia, num claro recado de sua preferência, apesar de não citar o nome do candidato.

Seus ministros foram mais vocais e celebraram o resultado do primeiro turno, que terminou com o governista Sergio Massa à frente. Alguns chegaram a postar fotos com Massa.

Ao longo da campanha, o candidato ultraliberal atacou por diversas vezes Lula e acusou o mandatário e o governo brasileiro de buscar influenciar nas eleições argentinas.

Um dos momentos de maior tensão foi quando Milei chamou o petista de corrupto e comunista, além de acrescentar que não pretendia encontrá-lo, caso seja eleito, durante entrevista a um jornalista peruano.

"Um comunista", afirmou Milei, ao que o jornalista acrescentou: "E um grande corrupto, não?".

 "Por isso esteve preso", prosseguiu.

Milei também já acusou Lula de financiar a campanha de seu adversário, durante entrevista à emissora de televisão La Nación+. O candidato não apresentou nenhuma prova.

Em entrevista à revista britânica The Economist, Milei também disse que Lula promove "aberrações" em seu governo, atacando a liberdade de imprensa, perseguindo a oposição e jornalistas que "não seguem a linha promovida pelo governo".

O governo do presidente Lula resistiu a entrar em discussão com Milei, seguindo a lógica de que o confronto poderia dar mais destaque para o candidato e munição para as acusações de interferência.

No primeiro turno, contudo, ministros acabaram se posicionando, com mais ou menos contundência. Alexandre Padilha (Relações Institucionais) foi mais direto e parabenizou Sergio Massa pela posição após a primeira etapa do pleito. E acrescentou que estava "na torcida para que aqueles que desprezam a vida e a democracia sejam derrotados", escreveu em rede social.

O chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), Paulo Pimenta, também usou suas redes sociais para afirmar que o resultado do primeiro turno era uma "forte resposta do povo argentino".

"Uma forte resposta do povo Argentino nas urnas hoje. Parabenizo o primeiro colocado na eleição desse domingo, @SergioMassa. Viva a democracia", escreveu o ministro, postando uma foto ao lado de Massa.

O presidente Lula esteve fora do embate na maior parte da campanha eleitoral argentina, mas na reta final decidiu fazer críticas veladas a Milei, ao sugerir que um presidente argentino precisa "gostar de democracia" e "gostar do Mercosul".

Logo após Milei falar que não negociaria com Lula, o brasileiro disse que Brasil e Argentina precisam estar juntos "sem divergência". As falas aconteceram durante a sua transmissão na internet, o Conversa com o Presidente. Como foi questionado pelo entrevistador, representante de uma empresa pública, a situação transmissão a impressão de que o presidente quis abordar essa questão.

"Quando a gente tiver divergência, senta em uma mesa e negocia e acaba com a divergência. Foi assim que eu convivi com a Argentina até agora", afirmou Lula, durante a transmissão.

O presidente brasileiro então acrescentou que Brasil e Argentina são interdependentes, com um país sendo responsável pela geração de emprego no vizinho. E disse que ambos os países podem crescer juntos.

"Para isso é preciso ter um presidente que goste de democracia, que respeita as instituições, que goste do Mercosul, que goste da América do Sul, e que pense na criação de um bloco importante", afirmou.

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