Javier Milei será o 12º presidente em 40 anos de democracia na Argentina -  (crédito: Getty Images)

Javier Milei será o 12º presidente em 40 anos de democracia na Argentina

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"Não vim guiar cordeiros, vim despertar leões."

Foi com esta frase que o candidato à Presidência da Argentina Javier Milei, representante da coalizão A Liberdade Avança, definiu sua surpreendente vitória nas eleições primárias do país em agosto. Aquele seria o primeiro passo da trajetória que levou à sua eleição neste domingo (19/11).

O peronista Sergio Massa reconheceu a vitória de Milei pouco depois das 20h, mesmo antes das autoridades eleitorais divulgarem os resultados oficiais..

Ele será o 12º presidente em 40 anos de democracia na Argentina, sucedendo o peronista Alberto Fernández. O ultraliberal assume a Casa Rosada em 10 dezembro.

Parlamentar desde 2021, economista e amante de cachorros, Milei se tornou um fenômeno político polêmico na Argentina nos anos recentes, com propostas como a dolarização da economia, a privatização de estatais e o fechamento do Banco Central.

O presidente eleito também já anunciou ideias como a permissão à venda de armas e órgãos humanos.

Autodefinido como "libertário", Milei é frequentemente comparado com outros políticos da direita radical, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro.

Mas afinal, quais são as principais propostas de Milei – e a as críticas a elas? Confira.

Javier Milei discursando em evento político
(Getty Images)
Milei foi catapultado por programas de TV como analista de economia

Dolarizar a economia e 'dinamitar' o Banco Central

Dolarizar a economia para abandonar o peso argentino é uma das principais promessas de Javier Milei.

A medida visa combater a inflação galopante que assola o pais e que, no ano passado, chegou a 100% no acumulado do ano.

"O peso é a moeda emitida pelo político argentino, portanto, não pode valer nem um excremento, porque esses lixos não servem nem para adubo", disse em entrevista a uma emissora de rádio local.

Originalmente, sua proposta era dolarizar em dois anos e meio, mas depois passou a dizer que vai implementar o plano no "menor tempo possível."

Porém, para dolarizar é preciso ter um estoque de dólares – e é justamente isso que a Argentina não tem, já que as reservas do país diminuíram drasticamente e a disponibilidade de dólares é limitada.

Milei disse em uma conta nas redes sociais que já teria um caminho para obter os dólares a um valor de mercado, mas não explicou como.

Segundo estimativas do grupo de assessores do candidato, atualmente são necessários cerca de US$ 35 bilhões para implementar a ideia.

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Segundo Milei, o fechamento do Banco Central permitiria que os dólares do BC como reservas internacionais pudessem ser colocados em circulação.

Antes de avançar para a dolarização, diz Milei, ele flexibilizaria o mercado de trabalho e abriria a economia.

O segundo passo, segundo ele, seria eliminar o órgão que regula as instituições financeiras para que haja "competição entre moedas".

"Depois que você desregulamenta, você escolhe o que quer. Você pode usar ouro, franco suíço, libra", afirmou em declarações à imprensa local. A última fase para conseguir a dolarização seria trocar alguns recursos do Banco Central por "dívida pública" e usar outros recursos para injetar dólares na economia, fechando a agência que imprime os pesos argentinos. Seus assessores argumentaram que, no final, os argentinos escolheriam o dólar como moeda.

Economistas, no entanto, consideram pouco provável que a dolarização possa ser implementada e que, se isso acontecer de fato, não será a solução para os problemas da economia da Argentina.

Isso porque, para dolarizar, seria preciso tomar dólares emprestados, mas como o país tem um alto índice de endividamento, é muito improvável que consiga esses empréstimos.

Além disso, uma vez dolarizada, a Argentina ficaria submetida ao ciclo econômico e política monetária dos Estados Unidos, sem a possibilidade de se defender de choques externos.

Os analistas também apontam que a dolarização pode até domar a inflação num primeiro momento, mas que ela só será de fato derrotada quando o país conseguir controlar seu déficit fiscal excessivo.

Saída do Mercosul e afastamento de China e Brasil

No âmbito da política externa, Milei promete retirar a Argentina do Mercosul – bloco econômico criado em 1991, que engloba Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Ele também é contrário à adesão do país aos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que em agosto anunciou sua expansão, com seis novos membros).

Líderes dos atuais membros do Brics reunidos na África do Sul: Lula, Xi Jinping (China), Cyril Ramaphosa (África do Sul), Narendra Modi (Índia) e Sergey Lavrov (ministro de relações exteriores da Rússia)
(Ricardo Stuckert/Presidência)
Argentina foi um dos seis países convidados a se integrar ao Brics em agosto, ao lado de Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia

Milei afirmou ainda, durante a campanha, que não manterá parcerias com a China e outros governos de esquerda – incluindo o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"O Mercosul é uma união aduaneira de má qualidade, que cria distorções comerciais e prejudica seus membros", disse Milei em uma entrevista à Bloomberg.

A posição preocupa o governo brasileiro.

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"Obviamente não podemos comentar assuntos internos da Argentina, mas a preservação do Mercosul é uma preocupação legítima. É um patrimônio de mais de trinta anos e é parte do patrimônio de paz e prosperidade que criamos e que queremos fortalecer", afirmou o ex-chanceler e assessor especial da Presidência, Celso Amorim, à BBC News Brasil.

Já o rompimento com a China, devido ao fato de que o país asiático é governado pelo Partido Comunista, é considerado improvável por analistas.

"Este rompimento [da Argentina com a China] seria impossível. A China é o principal destino da carne bovina e da soja que exportamos. É impossível deixar de negociar com a China. Não é possível ideologizar o comércio exterior, isso é impossível", disse à BBC News Brasil Diego Guelar, ex-embaixador da Argentina no Brasil.

Privatizar empresas e obras estatais

Como parte de sua promessa de reformar o Estado argentino por meio de uma guinada liberal, Milei disse que pretende privatizar as empresas estatais que considera "deficitárias".

Na mira do presidente eleito, estão companhias como a YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales), maior petroleira do país. "Primeiro é preciso racionalizar a YPF e depois vendê-la", disse em entrevista.

Milei já disse também que pretende fechar a Televisón Pública (TN), rede pública de televisão argentina, fundada em 1951. Ameaçou ainda pôr fim ao Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA), principal órgão responsável por fomentar o cinema na Argentina.

A motosserra, símbolo de seus planos para diminuir o Estado argentino, tornou-se uma de suas marcas registradas. Entre esses planos, está a eliminação das obras públicas estatais, para substituí-las por um sistema privado "ao estilo chileno", segundo informações da imprensa argentina.

Nesse modelo, as obras de infraestrutura no país passariam às mãos do setor privado, que teria uma renda mínima garantida pelo Estado para assumir essas responsabilidades.

Milei quer também reduzir o número de ministérios para apenas oito (atualmente são 18 ministérios, sem contar outras agências estatais).

Saúde paga e vouchers na Educação

Dentro da proposta de redução de gastos públicos, Milei tem deixado claro que haverá cortes nas principais áreas sociais: saúde, educação e desenvolvimento social.

Ele quer aglutinar os três ministérios que tratam dessas questões em um só, que se chamaria de "Capital Humano".

Javier Milei apertando a mão de apoiador
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Milei tem deixado claro que haverá cortes nas principais áreas sociais: saúde, educação e desenvolvimento social

Na área da saúde, ele propõe a criação de um "seguro universal", em que os usuários e médicos chegariam a um acordo sobre valores pelos serviços médicos.

No campo da educação, Milei propõe um sistema de vouchers, no qual a educação não seria nem obrigatória nem gratuita.

"O sistema obrigatório não funciona. Se você quiser estudar, terá um voucher e poderá estudar. O dinheiro que o Estado separa para isso seria dividido entre as crianças em idade escolar e um voucher seria entregue aos pais, para que eles possam escolher a escola que querem para os seus filhos", disse.

Professora de carreira e parlamentar, Victoria Morales Gorleri foi uma das pessoas que se manifestaram contra o projeto.

"A educação obrigatória não é uma arma que se coloca na cabeça da sociedade, mas um estímulo essencial para a sobrevivência", avaliou Gorleri.

Armas e venda de órgãos

Em várias ocasiões durante a campanha presidencial, Milei afirmou ser a favor de que os argentinos possam comprar armas livremente, justificando para isso o aumento de incidentes de segurança em algumas áreas do país.

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O candidato já defendeu também a facilitação para outro mercado: o da venda de órgãos, atividade atualmente proibida.

"Há 7.500 pessoas sofrendo, esperando por transplantes. Tem alguma coisa que não está funcionando bem. O que proponho é procurar mecanismos de mercado para resolver este problema", disse o candidato ao canal de televisão TN.

A proposta foi categoricamente rejeitada por Carlos Soratti, diretor do Instituto Central Coordenador Nacional de Ablação e Implantação (Incucai), órgão que regulamenta a doação de órgãos no país.

"Essas propostas exóticas, que já eram colocadas há um século, hoje são absurdas", disse Soratti em um comunicado.

Redução da maioridade penal e militarização de presídios

Victoria Villarruel sorrindo contidamente
(Getty Images)
Victoria Villarruel é o segundo nome na chapa de Javier Milei

Na área de segurança, Milei propõe uma agenda de "linha dura" contra a criminalidade, com medidas como a redução da maioridade penal para 14 anos, a criação de um comitê de crise de combate ao narcotráfico, políticas de "tolerância zero" contra a criminalidade urbana e a militarização das prisões.

Ele também inclui nessa agenda o combate à ocupação de terras por povos originários e práticas de luta social, como o fechamento de estradas e piquetes.

Indígenas argentinos têm lutado nos últimos anos contra grandes projetos de exploração de recursos naturais no país, como a prospecção de petróleo em Vaca Muerta e de lítio em Jujuy.

"O objetivo não é criminalizar o protesto. O direito de manifestação é reconhecido pela Constituição. Mas fechar estradas, colocar fogo em pneus, impedir o trânsito e levar crianças a uma manifestação para usá-los como escudo não pode acontecer. Todos devem poder exercer o seu direito sem promover o da livre circulação do resto dos cidadãos", disse Victoria Villarruel, coordenadora de Segurança e Defesa dA Liberdade Avança e vice de Milei, ao jornal La Nación.

As declarações de Villarruel têm sido duramente criticada por organizações indígenas argentinas.

Em um comunicado, a Confederação Mapuche de Neuquén afirmou que "a guerra de Milei contra os povos originários já começou", classificando o candidato como "negacionista, homofóbico, racista e violento".