Mariana – Comunhão entre arte, beleza, espiritualidade, história e cultura, ao som de um instrumento espetacular, o restaurado órgão Arp Schnitger, celebra os 280 anos da Arquidiocese de Mariana, a “Primaz” de Minas, primeira no Brasil fora do litoral e território de monumentos reconhecidos como Patrimônio Mundial. Programação extensa, com missas solenes, concertos e o projeto “Sons do Sagrado”, faz a festa na tricentenária cidade. 

Os primeiros acordes da “Tocata em fá maior”, do compositor alemão Dietrich Buxtehude (1637-1707), preenchem todos os espaços do templo e se integram, de forma sublime, aos elementos artísticos barrocos. Tal comunhão permite uma “elevação espiritual, fazendo todo o ambiente silenciar”, afirma, com um sorriso de alegria pontuada pela emoção, o padre Geraldo Dias Buziani, pároco e reitor da Catedral Basílica Nossa Senhora da Assunção, em Mariana, na Região Central de Minas. Aos sentimentos se junta o alívio pelo término do restauro do órgão Arp Schnitger, construído entre 1700 e 1710 na Alemanha e presente, desde 1753, na chamada Sé de Mariana. “É um momento muito importante, pois o instrumento ficou mudo durante 10 anos”, explica o reitor, ao lado da organista Josinéia Godinho.

O “despertar” do instrumento, o único do seu tipo – e quilate, por se tratar de uma joia rara acústica – fora da Europa, ocorre em momento de grandes comemorações em Mariana, primeira vila, cidade e diocese de Minas. De hoje a sábado que vem (13/12), com destaque para segunda-feira (8/12), às 19h, quando haverá o concerto inaugural no dia de Nossa Senhora da Conceição, há extensa programação para celebrar os 280 anos da Arquidiocese de Mariana. Trata-se da primeira do estado – a Primaz de Minas –, pioneira no interior brasileiro e sexta diocese criada no país. As festividades (veja programação) contemplam também as quatro décadas de ordenação sacerdotal do arcebispo metropolitano de Mariana, dom Airton José dos Santos, e os 277 anos da chegada do primeiro bispo, dom Frei Manoel da Cruz.

 

“A Catedral de Mariana é a ‘mãe’ das igrejas de Minas”, afirma padre Geraldo ao falar sobre a história da arquidiocese, anteriormente diocese, que começa no século 18 e se perpetua ao longo do tempo, com o território formado, hoje, por 79 municípios e população estimada em 1,2 milhão de habitantes. A data do “despertar” do Arp Schnitger, na programação intitulada “Sons do Sagrado”, não poderia ser mais oportuna, e cheia de coincidências envolvendo a data consagrada a Nossa Senhora da Conceição, primeira padroeira do templo antes de ele se tornar catedral. “O órgão silenciou, pela primeira vez, em 8 de dezembro de 1937, foi restaurado em 1978, retornou à catedral em 8 de dezembro de 1984 e agora volta a funcionar em 8 de dezembro de 2025”. 

Ao concluir a frase, os olhos do reitor brilham diante das mãos talentosas, ao teclado, da organista Josinéia Godinho, que apresenta mais um trecho da “Tocata em fá maior” e de outras peças musicais, em momento especial para esta reportagem do Estado de Minas. “Realmente, é um alívio termos o Arp Schnitger em funcionamento depois de tanto tempo, com incertezas, busca de recursos, mais exatamente nove anos e oito meses. É um capítulo nessa história. Instrumentos como esse não podem ficar parados. A maior higienização é que estejam sempre tocando, o que evita poeira, insetos e outros fatores de risco”, observa Josinéia, que já se emocionou antecipadamente. “Outro dia, com a catedral fechada e vazia, toquei um pouco. E chorei”, revela. Os futuros concertos, conforme padre Geraldo, só serão definidos a partir de fevereiro. 

‘PULMÕES’ DO INSTRUMENTO ESTÃO PERFEITOS PARA OS SONS

Em 8 de setembro, após cinco meses na Europa, retornaram a Mariana, restaurados, os dois someiros ou caixas que armazenam e distribuem, para os tubos, o ar produzido pelos foles do instrumento – como se fossem os pulmões do instrumento. Os recursos de R$ 1,2 milhão, para os reparos executados numa oficina na Espanha, a cargo do organeiro francês radicado no país ibérico, Frédéric Desmottes, vieram do Fundo Municipal de Cultura, com aval do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana (Compat), e apoio da prefeitura local, Arquidiocese de Mariana e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A parte de transporte foi acompanhada pela arquiteta e especialista em cultura e arte barroca, Deise Cavalcante Lustosa.

Ao longo da maior parte de sua história, em cerimônias litúrgicas e apresentações artísticas, Mariana teve os dias embalados ao som do monumental Arp Schnitger, com seus sete metros de altura e grande beleza artística. Desde o início, está instalado em pequena “varanda” interna projetada por Manuel Francisco Lisboa, pai do mestre Aleijadinho. Com a reforma dos someiros, que sofreu ataque de cupins, o órgão teve as imagens de anjos que o adornam também restauradas. Impossível não ficar maravilhado com o conjunto da obra (incluindo, no alto, o “Anjo do trompete”) executada pela empresa especializada Nártex.

As restauradoras Keila Lima Oliveira e Lindalva Ferreira de Freitas ficaram encarregadas dos anjos laterais e se disseram encantadas com as peças. E as descobertas. “Verificamos, durante o serviço, no período de quase quatro meses, que o anjo da direita olha para baixo, enquanto o da esquerda, para cima”, diz Lindalva. Keila ressalta que as peças de madeira policromada e com douramentos tinham sua beleza apagada: “As asas, por exemplos, estão cobertas de tinta rosa”. 


HISTÓRIA FEITA DE MÚSICA, ARTE BARROCA E MARAVILHAS

Considerado um dos instrumentos mais valiosos do Brasil, com projeção internacional, o órgão da Sé, tem o nome Arp Schnitger (1648-1719), alemão radicado em Hamburgo e um dos construtores desse tipo de instrumento mais celebrados de sua época. Faz parte de um pequeno acervo de pouco mais de 30 instrumentos da manufatura do grande organeiro estabelecido na cidade alemã.

A história do instrumento-símbolo da Catedral da Sé causa tanto fascínio como seu som angélico agrada os sentidos. Após construído em Hamburgo, entre 1700 e 1710, foi instalado provavelmente em uma igreja franciscana portuguesa, e, na sequência, colocado à venda em 1748. Adquirido pelo rei de Portugal dom João V (1689-1759), das mãos do organeiro João da Cunha para atender a uma solicitação do primeiro bispo de Mariana, dom Frei Manoel da Cruz (1690-1764), foi enviado de presente à diocese por dom José I (1714-1777, filho de dom João V).

“Pela estada em Mariana, o instrumento foi protegido de desastres naturais e guerras, o que fez dele também um dos órgãos com grande porcentagem de material original do século 18, diferente da maioria dos outros restantes na Europa. Importante lembrar que ele veio com um manual, com todos os detalhes para montagem”, informa o pároco e reitor Geraldo Buziani.  

Criada em 6 de dezembro de 1745, pela bula papal ‘Candor lucis aeternae’, de Bento XIV (1675-1758), a Arquidiocese de Mariana “nasceu” juntamente com a Diocese de São Paulo e as prelazias de Cuiabá e Goiás em momento de intensa atividade e riqueza na região de Minas Gerais. Na organização feita pela Igreja Católica no interior do Brasil, o local escolhido para o primeiro bispado foi a Vila do Carmo, atual Mariana. A diocese foi elevada à categoria de arquidiocese em 1906.

O primeiro bispo, dom Frei Manoel da Cruz, chegou e se instalou em 17 de dezembro de 1748. Conforme divulgado pela Arquidiocese de Mariana, o clero, ao longo dos séculos, se dedicou à evangelização, à cultura sacra, e à promoção das artes, sendo sede de importantes obras e instituições. Há nomes de destaque nessa história, entre eles Antônio José Ferreira Viçoso, o Dom Viçoso (1787-1875), sétimo bispo de Mariana e em processo de canonização, e dom Luciano Mendes de Almeida (1930-2006), natural do Rio de Janeiro e eleito, em 1979, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Fundamental destacar o Seminário São José, de 1750, que formou centenas de padres, e a Faculdade Dom Luciano (filosofia), e, claro, os bens culturais como o Museu da Música e o Museu de Arte Sacra, entre outros. 

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No território que engloba 79 municípios, 137 paróquias, 1,8 mil igrejas e capelas (919 comunidades urbanas e 571 rurais), cinco basílicas e 18 santuários, se encontra parte valiosa do patrimônio cultural de Minas, atrativo para visitantes do mundo inteiro.


Estão nesse universo de arte e esplendor Ouro Preto, primeira cidade reconhecida como Patrimônio Mundial (1980) e o Santuário Basílica Senhor Bom Jesus de Matosinhos (1985), com os 12 profetas esculpidos por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), patrono das artes no Brasil. Ainda em Ouro Preto, brasileiros e estrangeiros podem visitar a Igreja São Francisco de Assis, uma das “Sete maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo”, e, em Mariana, a Praça Minas Gerais, uma das “Sete Maravilhas da Estrada Real”. 

PROGRAMAÇÃO

Celebração dos 280 anos da Arquidiocese de Mariana 

Hoje (dia 6), na Praça da Sé, no Centro Histórico

10h – Missa solene em ação de graças pelos 280 anos de criação da Diocese de Mariana e 277 anos da chegada do primeiro bispo, dom frei Manoel da Cruz. Participação do Coro do Seminário

Segunda-feira (dia 8)

10h – ‘‘Despertar e bênção” do Órgão Arp Schnitger e missa solene, na catedral, em honra à Imaculada Conceição de Maria e em ação de graças pelos 40 anos de ordenação sacerdotal do arcebispo metropolitano dom Airton José dos Santos – Reinauguração do Órgão da Catedral. Participação do Coro do Seminário, Coral Canarinhos de Itabirito e Orquestra Padre Simões. Regência: Eric Lana.

19h – Abertura do Projeto “Sons do Sagrado” – Concerto inaugural do órgão Arp Schnitger com a apresentação de ‘‘Música festiva para trompetes e órgão’’. Nos trompetes, Érico Fonseca e José Vítor Assis, e no órgão Arp Schnitger, Josinéia Godinho.

Terça-feira (dia 9)

20h – Concerto pelo órgão e ‘‘Coral Cidade dos Profetas e Orquestra’’, de Congonhas, com regência de Herculano Amâncio

Quarta-feira (dia 10)

20h – ‘‘Memórias da Fé’’ – Concerto pelo órgão com o Coro de Sacerdotes, apresentando peças do Novenário de Nossa Senhora da Conceição, seguido de concerto por um grupo de músicos marianenses e convidados

Quinta-feira (dia 11)

20h – Concerto pelo órgão e Orquestra Ouro Preto, com regência do maestro Rodrigo Toffolo

Sábado (dia 13)

18h30 – Missa na catedral com participação de Coro Paroquial, acompanhado pelo órgão Arp Schnitger

20h – Concerto pelo órgão e Coral Ars Antiqua, de Belo Horizonte, com a apresentação da ‘‘Messe Aux Cathedrales’’. Regência de Ângela Pinto Coelho

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