De cada 5 vítimas de homicídios nos últimos 10 anos em Minas Gerais (2014 a 2024) uma era identificada como sendo negra, segundo a classificação da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
Neste Dia da Consciência Negra, a reportagem do Estado de Minas levantou dados sobre a violência racial a partir de estatísticas do governo do estado e também do Instituto Sou da Paz, que lançou o estudo "Violência Armada e Racismo", com informações de 2000 a 2023.
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Em uma análise mais recente, entre janeiro e outubro de 2025, foram registradas pela Sejusp 588 mortes de pessoas negras em Minas Gerais, um número que representa redução de 1,8% em comparação com as 599 mortes no mesmo período de 2024, indicando uma tendência que beira a estabilidade.
De 2014 a 2024, a Sejusp destacou que 6.765 (19,4%) mortos eram negros, entre os 34.781 mineiros de todas as definições raciais – incluindo a não definição - que perderam suas vidas em ações violentas.
Dos sexos identificados pelos registros da Sejusp, 5.910 (87,3%) eram homens e 519 (7,6%) mulheres.
Mais de dois terços das mortes se deram por disparos de armas de fogo, com 4.501 (66,5%) registros, seguido pelo uso de armas de contusão, perfuração ou cortes (armas brancas), com 1.362 casos (20,1%) e 61 agressões físicas sem emprego de instrumentos (0,9%).
Somente 3.340 (49,3%) das mortes tiveram causas presumidas relacionadas nas estatísticas. Destas minimamente apuradas, 1.047 (31,3%) foram registradas como motivadas por questões de entorpecentes, 614 (18,3%) foram brigas ou atritos que terminaram em assassinato, 554 (16,5%) mortes por vingança, 422 (13,2%) ações do tráfico ou facções criminosas e 333 (9,9%) crimes passionais (desencadeados por momento de intensa emoção).
Ao todo, 365 (43%) municípios mineiros não registraram nenhuma morte de pessoa caracterizada como negra nos últimos 10 anos.
Entre os municípios mineiros com mais de 50 mortes nos últimos 10 anos, há 20 cidades listadas, sendo Belo Horizonte e a a região da Grande BH onde mais óbitos foram registrados.
A capital é o município de maior mortalidade absoluta, com 794 óbitos, seguida de Juiz de Fora, na Zona da Mata, com 298, e Contagem, com 291, Betim, com 226, e Ribeirão das Neves, com 212, ambos na Região Metropolitana de BH.
Em termos percentuais, entre estes 20 municípios a Zona da mata tem mais destaque, com Juiz de Fora sendo onde mais negros terminaram vitimados, com 298 óbitos (34%) dos 879 totais do período.
Em seguida vêm Viçosa, na mesma região, com 74 assassinatos (26%) dos 286 totais, Timóteo, no Vale do Rio Doce, com 54 homicídios (24,3%) de negros entre 222, Sabará, na Grande BH, com 84 negros (23,9%) dos 351 mortos e Ubá, na Zona da Mata, com 53 (23,1%) das 229 vítimas de crimes.
Na avaliação do estudo do Instituto Sou da Paz, a desigualdade racial se mantém inabalada no país, onde a taxa de homicídios de homens negros é sistematicamente três vezes superior à de homens não negros.
A violência armada tem o homem negro como vítima principal. Em 2023, dos 32,7 mil homicídios cometidos com armas de fogo no Brasil, 80% eram homens negros. A persistente vitimização da população negra, sobretudo jovem e masculina, é um dos principais desafios de segurança pública no país.
O cenário nacional revela que a disparidade racial é ainda mais acentuada nas taxas, com homens negros sendo alvos prioritários. Esse padrão de violência, aponta o estudo, reflete as desigualdades estruturais envolvendo raça, gênero e classe, que demarcam o perfil das vítimas no Brasil.
O racismo que perpassa a naturalização da violência armada contribui para a invisibilização social dos homens negros e, por outro lado, delimita o perfil do "sujeito criminoso".
Nacionalmente, a arma de fogo foi o meio utilizado em 72% dos homicídios ocorridos em 2023. A prevalência do uso de armas de fogo em crimes contra homens chega a 74%.
A rua e as estradas são os principais locais de ocorrência da agressão armada letal (homicídios masculinos com armas de fogo), representando 49,3% dos registros em 2023.
Embora o Sudeste seja a região menos violenta do país (taxa de 15,3 óbitos masculinos por 100 mil homens), Minas Gerais, através de sua capital Belo Horizonte, apresenta taxas de homicídio de homens negros (20,4 por 100 mil) superiores às de homens não-negros (10,1 por 100 mil), evidenciando a desigualdade racial mesmo em um contexto regional de menor violência geral, segundo o Instituto Sou da Paz.
Os estados que possuem as mais altas taxas de homicídios por agressão armada tendem a apresentar maior desigualdade racial na vitimização.
Em nível nacional (2012 a 2023), 91,9% das vítimas de homicídio eram homens. Em 2023, 94% das vítimas eram homens. Os jovens e adultos na faixa de 20 a 39 anos representam 67% das vítimas masculinas. A maior taxa de mortalidade masculina por arma de fogo ocorre entre jovens de 20 a 29 anos (81,2 por 100 mil homens), o que é 2,7 vezes maior que a taxa masculina nacional.
O perfil da vítima de homicídio armado é claramente masculino e jovem, tanto em Minas Gerais quanto no Brasil. A análise nacional aponta que a alta exposição à violência durante o ciclo de vida masculino (10 a 39 anos) é um fator de grande vulnerabilidade.
A violência, em muitos casos, está relacionada à tentativa de homens se desassociarem de expressões afetivas, reforçando estereótipos de masculinidade que contribuem para a agressão. Ao contrário da violência letal, os casos de violência armada não-letal têm apresentado crescimento expressivo nos últimos anos.
Entre 2012 e 2024, foram registradas 58.549 notificações de violência armada contra homens. Em 2024, o Nordeste (8,8 por 100 mil homens) e o Norte (5,5 por 100 mil homens) apresentaram as maiores taxas de notificação.
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A desigualdade racial se repete no campo não-letal: 73% dos brasileiros atendidos por violência armada não-letal são homens negros. A taxa de vitimização de homens negros é mais de duas vezes superior à de homens não-negros. O tipo de violência mais comum é a física (93%). A rua é o local principal da agressão armada não-letal, onde ocorreram 52% dos incidentes contra homens negros.
Marcha da Consciência Negra
A 16ª Marcha da Consciência Negra tomou as ruas de Belo Horizonte na tarde desta quinta-feira (20) em um percurso que começou na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul, e seguiu pela Avenida João Pinheiro, Rua dos Timbiras e Avenida Carandaí, até chegar ao Monumento a Zumbi, localizado na Avenida Brasil.
O ato, que integra as mobilizações do Dia da Consciência Negra, reuniu movimentos sociais, coletivos, organizações e cidadãos que reivindicam equidade racial e valorização da população negra.
Organizada pelo Quilombo Família Mattias, pelo Selo Akoma N’toso e pela Unidade Afroindígena, a marcha também evidencia a força do movimento negro na cidade. A data, marcada nacionalmente como momento de reflexão e denúncia, mais uma vez leva às ruas pautas que atravessam memória, território e continuidade de luta.
Lucas Moreira é de Teófilo Otoni e participou do ato. Ele ressaltou o preconceito sentido na pele. "O racismo existe. A gente sabe como é. Se o preto não andar arrumado, já viu. Eu agradeço por ter algo para vestir", mencionou.
O pesquisador e mestre em História Marcos Cardoso também destacou que a luta contra a violência contra o povo negro é uma bandeira histórica. "Tivemos conquistas institucionais. Mas as condições de vida da população negra, em sua grande maioria, sofreram pouca alteração. Essa questão da violência é bem específica e direcionada à juventude negra. A pauta pela vida é básica. Queremos viver. A luta continua. Que os movimentos continuem colocando em pauta suas bandeiras", analisou.
Raio-x da violência racial e armada em Minas
- Total de vítimas em uma década em MG: 6.765 pessoas negras mortas entre 2014 e 2024
- Gênero predominante: homens representam 87,3% dos óbitos registrados pela Sejusp
- Mulheres vitimadas: 519 registros (7,6%) no período analisado
- Arma utilizada: disparos de arma de fogo causaram 66,5% das mortes
- Uso de armas brancas: instrumentos perfurocortantes foram usados em 20,1% dos casos
- Motivação principal: tráfico de drogas e entorpecentes (31,3% dos casos apurados)
- Conflitos interpessoais: brigas e atritos motivaram 18,3% dos assassinatos
- Vingança: apontada como causa em 16,5% das ocorrências
- Maior mortalidade absoluta: Belo Horizonte lidera com 794 mortes
- Juiz de Fora: segundo lugar em números absolutos (298) e líder proporcional (34%)
- Contagem e Betim: 291 e 226 mortes de negros registradas, respectivamente
- Ribeirão das Neves: 212 vítimas negras na última década
- Zona da Mata crítica: além de Juiz de Fora, Viçosa (26%) e Ubá (23,1%) têm altas taxas proporcionais
- Timóteo: destaque negativo no Vale do Rio Doce com 24,3% de vitimização negra
- Cidades sem registros: 365 municípios (43%) não tiveram homicídios de negros no período
- Desigualdade na capital: taxa de homicídios de negros é o dobro da de não negros em BH
- Faixa etária de risco: homens jovens entre 20 e 29 anos são os principais alvos
- Local da violência: ruas e estradas concentram quase metade das agressões letais
- Comparativo nacional: risco de homicídio para homens negros é 3 vezes maior no Brasil
- Violência não letal: 73% dos atendimentos por ferimento de arma de fogo são de homens negros
Fontes: Sejusp e Sou da Paz
