O médico e professor Apolo Heringer Lisboa, fundador do Projeto Manuelzão, da UFMG, conduziu na manhã dessa quarta-feira (13/11), em Santa Luzia, o lançamento da Meta 2034 – Para a volta do peixe à bacia do Rio das Velhas. O evento, realizado às margens do rio, reuniu ambientalistas, prefeitos, gestores públicos, estudantes e moradores, marcando um passo decisivo para a recuperação ambiental da região. A iniciativa firma um compromisso de longo prazo para que, até 2034, os peixes nativos retornem ao Velhas – indicador máximo da saúde hídrica e da qualidade ambiental. O plano aposta em ações combinadas, fiscalização eficiente e coordenação entre instituições para reverter o quadro de degradação.


Santa Luzia foi escolhida como sede por concentrar o trecho mais crítico do rio, que recebe os esgotos de mais de três milhões de habitantes de Belo Horizonte e Contagem. Para Apolo, o município, historicamente sobrecarregado pela poluição, pode agora liderar a virada ambiental. “O município, historicamente penalizado, precisa ser recompensado e pode liderar a transformação”, afirmou. “Se o peixe voltar a Santa Luzia, volta a toda a bacia.”


Sendo Santa Luzia e Sabará os representantes do Epicentro da Meta 2034, o documento-base da iniciativa estabelece que a recuperação deve priorizar a área drenada pelas fozes dos ribeirões Arrudas, Onça e Mata – região que concentra população, PIB e impactos mais severos da metrópole. Cada município envolvido terá responsabilidades diretas no planejamento integrado, no saneamento, na redução da poluição difusa e na adequação dos planos diretores às diretrizes da bacia. A Meta rompe com a gestão fragmentada e defende um pacto coletivo como única estratégia efetiva.


Ações estruturantes e novo modelo de governança


A Meta 2034 prevê ampliação do saneamento, restauração de matas ciliares, renaturalização de trechos degradados e combate à poluição difusa. A educação ambiental passa a ter caráter transdisciplinar, conectada aos objetivos gerais do plano. Apolo reforça que “a gestão de uma bacia não é a soma de gestões municipais, mas o cumprimento coletivo de um objetivo único”. Ele defende um novo modelo de governança em que municípios, comitês de bacia, órgãos ambientais e sociedade civil atuem de maneira integrada. A iniciativa também se apoia no artigo 225 da Constituição, que assegura o direito ao meio ambiente equilibrado e impõe ao poder público e à sociedade o dever de preservá-lo.


Ao comentar os desafios políticos e técnicos, Apolo destacou que a Meta 2034 exige coragem institucional e o rompimento com práticas protelatórias. “Precisamos de lideranças que assumam o compromisso de recuperar o rio. Há milhões de ribeirinhos sofrendo com a perda de seus rios”, afirmou. Ele chamou atenção, ainda, para os impactos sociais: “Sem rios limpos, os pobres perdem proteína, lazer e renda. Isso é uma injustiça histórica que precisa acabar.”


A proposta também revisa a lógica econômica da bacia. Apolo defende uma nova cobrança pelo uso da água que inclua danos às águas superficiais e subterrâneas. “A escassez hídrica está sendo paga pela população nas tarifas. Não é possível que atividades de grande impacto paguem tão pouco pela água bruta”, disse. Ele propõe a criação do Programa de Aceleração da Renaturalização dos Rios – PARR –, um “PAC ambiental” voltado à recuperação hídrica nacional. Para ele, “hoje as águas estão ao deus-dará, como se privatizadas já fossem”.


Apolo também criticou a atual gestão das bacias, marcada pela presença de agências controladas por interesses privados. “Isso fere a Constituição e precisa ser revisado.” Segundo ele, a Meta 2034 é uma oportunidade de resgatar o sentido público das águas.


Urgência hídrica para a recuperação


Durante o lançamento, Apolo alertou para o risco hídrico crescente na Região Metropolitana. “O abastecimento está por um fio. Se houver um rompimento de barragem a montante, não há plano B”, disse. Ele reforçou que o movimento seguirá firme: “Iremos até as últimas consequências pela volta do peixe e pela cura da bacia do Rio das Velhas.”


O prefeito de Santa Luzia, Paulo Bigodinho, destacou o papel do município como articulador regional. Segundo ele, Santa Luzia assume um compromisso efetivo com o Rio das Velhas e irá cobrar a retirada dos esgotos que ainda chegam ao leito, além da universalização do tratamento. Para o prefeito, a meta também carrega um valor simbólico: “É devolver às pessoas a capacidade de acreditar.” Ele afirma que a cidade está pronta para unir municípios, mobilizar a sociedade e acompanhar cada etapa da reabilitação ambiental. “Recuperar o Rio das Velhas é recuperar a história e o futuro de Minas”, declarou.


Entenda a meta 2034

compromisso ambiental que prevê a volta dos peixes ao Rio das Velhas até 2034, simbolizando a recuperação da qualidade da água em toda a bacia. Idealizada pelo Projeto Manuelzão, da UFMG, a meta envolve municípios, órgãos públicos, sociedade civil e especialistas na construção de ações integradas para reduzir a poluição, restaurar afluentes, ampliar o saneamento e monitorar o ecossistema. O objetivo é transformar o Velhas em um rio vivo, saudável e capaz de sustentar biodiversidade e comunidades ribeirinhas.


Rio vivo

A Meta 2034 busca recuperar o Rio das Velhas garantindo água limpa, peixes de volta e equilíbrio ambiental. Estudos mostram que, ao reduzir esgoto e proteger afluentes, espécies nativas retomam seu ciclo natural. A qualidade da água é decisiva para a vida do rio, para a saúde das comunidades e para a segurança hídrica da região.

 

Revitalização do rio Sena, na França,

AFP


Sena e Tâmisa: planejamento e vontade política


A revitalização dos rios Sena (foto), na França, e Tâmisa, na Inglaterra, tornou-se exemplo mundial de recuperação ambiental. Antes poluídos e sem vida, o Sena e o Tâmisa renasceram após investimentos em saneamento, tratamento de efluentes e controle industrial. Paris já registra o retorno de espécies e planeja liberar banhos no rio. O Tâmisa, considerado “morto” nos anos 1950, foi recuperado com programas de despoluição e restauração de habitats, abrigando hoje grande diversidade aquática. Esses casos comprovam que, com planejamento e vontade política, rios podem renascer.

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