Grávidas enfrentam desafios nos presídios de Minas
Levantamento do Núcleo de Dados do Estado de Minas revela que 87% das unidades prisionais mistas e femininas não têm celas adequadas para gestantes
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Siga noGestantes, lactantes e puérperas encaram a falta de estrutura adequada no sistema carcerário de Minas Gerais. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, segmentados pelo Núcleo de Dados do Estado de Minas, 87% dos presídios mistos e femininos do estado não têm cela adequada ou dormitório para gestantes. O número representa 36 das 41 unidades que recebem mulheres privadas de liberdade em Minas.
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A Lei de Execução Penal obriga que as unidades tenham uma seção para gestantes e parturientes, uma creche para crianças de 6 meses a 7 anos incompletos e, em caso de condenação, a presa gestante pode ser recolhida em regime aberto domiciliar.
Além disso, a legislação proíbe o uso de algemas no momento do parto e no pós-parto imediato. No entanto, a legislação estadual de Minas não avança desde 2021. Atualmente, não há projetos de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que se relacionem com gestantes privadas de liberdade.
Segundo a apuração do Núcleo de Dados do EM, o primeiro projeto de lei que envolve os direitos de gestantes encarceradas foi registrado nos dados abertos da Casa em 2015. A deputada Ione Pinheiro (União) apresentou o PL que criou a Política de Saúde da Mulher Detenta. A proposta passou e virou lei, que alterou outro texto de 1993.
Já em 2018, o deputado estadual Doutor Jean Freire (PT) apresentou o PL que proíbe o uso de algemas durante o parto, direito que já estava assegurado pelo Tratado Internacional de Bangkok. O texto se tornou lei em 2021.
A cofundadora da Assessoria Jurídica Maria Filipa e advogada que atua pelo desencarceramento de gestantes Isabela Corby afirma que a legislação atual pode ser eficiente, desde que atinja efetividade. No entanto, ela critica a ausência da pauta no debate do Legislativo.
“Essa legislação veio para confirmar o que já existe, a realidade está muito distante. É extremamente precário o acesso à ginecologia, planejamento familiar, prevenção de doenças de saúde mental. Tudo isso já fazia parte do direito internacional quando virou lei estadual”, explica.
“É preciso pressionar os políticos. Essa falta de legislação para as mulheres gestantes encarceradas é mais que um sintoma. Legislar para esse público não atrai voto, porque vivemos em uma sociedade punitivista e escravocrata que quer torturar as pessoas privadas de liberdade. O sistema prisional, portanto, não está em debate”, afirma.
Para Corby, essa visão impede que o debate ocorra e que detentas possam se ressocializar. “Quando eu prendo uma mulher gestante, eu estou prendendo um filho, estou prendendo uma família inteira, porque essas mulheres costumam ter mais de um filho. Estou prendendo um pai, uma mãe, uma irmã mais próxima. É preciso garantir o mínimo de condições para que ela se desenvolva”, questiona a advogada.
Unidade específica
Minas Gerais conta com um Centro de Referência às Gestantes Privadas de Liberdade, em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A unidade tem 30% da lotação, com 10 gestantes e 18 lactantes. Entre as crianças que vivem encarceradas junto às mães, 13 têm até seis meses e cinco entre seis meses e um ano. Quando constatada a gestação, as condenadas são transferidas para a unidade.
Segundo Isabela Corby, o centro de referência deveria ser um local com alimentação diferenciada e melhores condições de acesso à saúde para essas grávidas ou com filhos pequenos. “O centro é uma conquista que está constantemente ameaçada. Mas só ele não basta. Por que essas mulheres não têm opção a não ser ficarem longe de suas famílias, quando são do interior e não conseguem visitá-las em Vespasiano”, afirma.
Esse é o caso de Flávia (nome fictício). Aos 30 anos, estava grávida de quatro meses quando foi condenada por tráfico de drogas. “Nunca fui dessa vida, mas tenho seis filhos, estava desesperada. E foi aí que um conhecido me convidou para um esquema e eu tive a infelicidade de participar”, disse à reportagem.
Ela passou 15 dias detida em uma unidade prisional próxima a Santa Maria do Suaçuí, no Vale do Rio Doce, sem estrutura para gestantes. Quando a gravidez foi confirmada por exames médicos, Flávia foi encaminhada para o centro em Vespasiano, onde trabalhou cuidando de outras crianças durante a gestação para garantir a diminuição da pena.
“Foi muito difícil estar longe da minha família. Eu não tenho irmãos, meu pai é deficiente auditivo e minha mãe também tem necessidades especiais. Eles não podiam vir. Passei pela gestação sozinha. Quando eu sentia dores, me davam analgésico. O médico só vinha quando muitas mulheres precisavam de atendimento. Até lá, ficavámos esperando”, conta.
Em liberdade e com o filho caçula prestes a completar três anos de idade, Flávia ainda não conseguiu se reinserir no mercado de trabalho e perdeu a guarda dos seis filhos. Sobre a ausência de celas especiais em outros presídios, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sejusp) foi procurada e não se manifestou até o fechamento da reportagem.
O que diz a Sejusp
Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que a unidade de Vespasiano (Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade) “é formatada dentro do entendimento da necessidade da convivência e fortalecimento do vínculo entre mãe e filho, para atender suas demandas afetivas e físicas, em especial do aleitamento materno, essencial no primeiro ano de vida, além de garantir dignidade, segurança física e psíquica.”
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Sobre a estrutura do centro de referências, a secretaria afirmou que “a unidade é composta por alojamentos e não celas, onde os berços dos bebês ficam ao lado da cama da mãe; a unidade possui brinquedoteca e área de convivência. Todo atendimento médico específico para mãe e bebê também é realizado”, diz por meio da nota.
O texto destaca ainda que “na unidade a mulher pode permanecer com o seu bebê até ele completar um ano de vida. Importante destacar que até que se conclua o trâmite da transferência, a mulher aguarda em uma cela que possa lhe conferir mais segurança. Ressalta-se que há sempre o pleito junto ao Poder Judiciário no sentido de solicitar a prisão domiciliar à gestante, para que se busque a melhor qualidade do contato materno e dos cuidados que a criança exige em idade tão tenra.”