Raquel Pinheiro, gerente de loja, foi alvo de furto com apenas três semanas de inauguração do ponto

 -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)

Raquel Pinheiro, gerente de loja, foi alvo de furto com apenas três semanas de inauguração do ponto

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press

Alarmes e câmeras não têm sido suficientes para conter a ação de criminosos, que continuam a furtar lojas em plena luz do dia ou arrombar comércios à noite. Apesar dos lojistas redobrarem os cuidados com a segurança, Belo Horizonte enfrenta uma média alarmante de 24 furtos a estabelecimentos comerciais por dia, conforme dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) do ano passado. Nem mesmo áreas antes consideradas tranquilas, como o bairro Belvedere, na Região Centro-Sul, estão imunes à audácia dos criminosos. Em um intervalo de apenas uma semana, a Avenida Luiz Paulo Franco, uma das principais do bairro, registrou três ocorrências de furto a lojas, tendência preocupante que se repete em toda a cidade.

 

No último domingo (28/4), ladrões furaram a parede de três comércios para acessar uma joalheria na Rua Espírito Santo, no Centro de BH. Eles levaram relógios e jóias de ouro, avaliados em mais de meio milhão de reais. Uma padaria estava entre os imóveis invadidos pelos bandidos. À Polícia Militar, a proprietária relatou ter sofrido um prejuízo de R$ 6 mil em espécie, além de pães e bebidas, como refrigerantes e uísque terem sido furtados. Um buraco de cerca de 1 metro de diâmetro foi aberto em uma das paredes do estabelecimento, por onde os criminosos tiveram acesso à outra loja, até chegarem na joalheria. Todas elas tinham câmeras de segurança e apenas uma estava com o alarme desativado, segundo a PM. Agora, a Polícia Civil investiga o caso e segue à procura dos suspeitos.

 

No Belvedere, ao contrário, os furtos aconteceram em pleno horário de expediente. Por volta das 9h, em 12 de abril, um jovem entrou em uma unidade da Drogaria Araújo, na Avenida Luiz Paulo Franco e, sem hesitação, furtou um pacote de fraldas, fugindo pela movimentada avenida e deixando pedestres atônitos. Na semana anterior, a mesma loja, que conta com segurança, foi alvo de um arrastão praticado por um grupo de adolescentes. No horário de almoço (cerca de 12h), eles entraram no local, pegaram pacotes de fralda e saíram correndo. Ninguém foi detido. Também no início de abril, em 9/4, três jovens invadiram uma filial da Droga Raia, na esquina com a Rua Jornalista Djalma de Andrade, ameaçaram funcionários e saíram carregando produtos de perfumaria.

 

Esses casos recentes se somam aos de 2.197 estabelecimentos comerciais invadidos e furtados nos três primeiros meses deste ano, número pouco abaixo dos 2.522 registrados no mesmo período do ano passado. Em 2023, foram realizados um total de 9.811 crimes do tipo.

A mesma realidade se repete em toda Minas Gerais. O estado computa uma média de 86 furtos em comércios por dia. Só neste ano, foram 7.805 casos até março. Os dados não têm informações específicas, como a divisão por bairros ou regiões. A justificativa da Sejusp para não destrinchar os dados é evitar a estigmatização de um local em detrimento de outro, mas diz que o registro pode ser conferido via Lei de Acesso à Informação.

 

Ousadia sem alegria

 

A sensação de insegurança virou rotina no Belvedere e o que mais assusta, segundo lojistas ouvidos pelo Estado de Minas, é a ousadia dos criminosos. Aberta há três semanas, na Avenida Luiz Paulo Franco, a loja da gerente Raquel Pinheiro, de 27 anos, já foi alvo de um furto. O suspeito aproveitou o momento em que ela e os outros dois vendedores estavam em atendimento para pegar uma mochila e saiu andando, tranquilamente, com o acessório. “Eu ainda fui atrás dele, pedi para devolver, e ele falou que não. Mas acabei deixando pra lá, porque eu não sabia se ele estava armado ou não”, contou.

 

Impotente diante da audácia do criminoso, restou a Raquel o medo de que, em uma próxima ocasião, a atitude do assaltante seja mais violenta. Agora, a equipe teme pela própria segurança até na hora do fechamento da loja, que funciona de segunda a sábado, até às 18h. O temor se justifica inclusive porque o suspeito já é conhecido pelos lojistas da região por pequenos delitos. “A gente ainda fica receoso, porque ele pegou com uma facilidade e saiu andando como se não fosse nada, como se fosse comum. Até para fechar a loja a gente fica com medo, porque não sabemos o que pode acontecer”, lamentou.

 

O sentimento de Raquel é reiterado por Wanda Niza, gerente de um restaurante na mesma avenida que, há quatro meses, decidiu fechar o estabelecimento meia hora mais cedo por medo da violência na região. Nem mesmo o alarme e a câmera de segurança impediram que seu restaurante fosse arrombado em dezembro do ano passado. O caso aconteceu de madrugada e os criminosos levaram o caixa e o celular da loja. “A gente não sabe quem é que está na rua, se vai entrar com a loja aberta e vai assaltar”, afirma. Há 18 anos trabalhando no mesmo local, Wanda testemunhou um aumento significativo desse tipo de crime nos últimos meses. “Antes não tinha arrombamento, mas desde o fim do ano passado os crimes têm sido recorrentes. Entraram em todas as lojas desse quarteirão”, disse.

 

 

A pouco mais de 200 metros do restaurante, próxima à Avenida Luiz Paulo Franco, fica uma base móvel comunitária da Polícia Militar. Mesmo assim, segundo Wanda, a sensação de vulnerabilidade persiste devido à demora no retorno do policiamento diante das ocorrências. “A gente liga para a polícia e eles não vêm, ou demoram mais de 40 minutos para chegar. Aí os bandidos vêem isso e sentem que podem fazer o que quiserem”, reclama.

 

Procurada pela reportagem, a PM disse que mantém policiamento ostensivo, 24 horas por di, na região, e aponta um declínio da criminalidade, especialmente nos casos envolvendo atos contra o patrimônio. “A participação da comunidade com a adoção de condutas preventivas, conjugada às ações dos policiais em serviço na localidade, têm produzido resultados mais efetivos e positivos com a redução nos crimes de furto e, dentro dessa modalidade, no furto qualificado pelo arrombamento”, destacou a corporação por meio de nota.

 

Dinâmicas do crime preocupam

 

O problema não é só à noite, quando as lojas já estão fechadas. A percepção é de que o número de roubos e furtos de pedestres nas ruas também aumentou. Além dos comerciantes, os moradores também estão alarmados com a situação, como é o caso do engenheiro civil José Eduardo Caetano Correa, residente da Rua Desembargador Jorge Fontana, há mais de cinco anos. Diante desse cenário de insegurança, ele diz que prefere sair nos horários mais movimentados, optando por utilizar o carro em vez de se locomover a pé nos momentos de menor circulação de pessoas. “Ali é mais vazio, principalmente de manhã cedinho e no final da tarde. Vejo que está todo mundo preocupado - quem sai para fazer caminhada ou trabalhar já fica em alerta”, disse à reportagem.

 

A advogada Alessandra Alves de Vasconcelos, de 45 anos, leva seu filho de 10 anos duas vezes por semana para as aulas particulares em uma escola na Avenida Luiz Paulo Franco e revela seu temor em deixá-lo ir sozinho. Ela compara a situação à área central de BH que, conforme levantamento exclusivo da reportagem do Estado de Minas, divulgado em 2022, concentra nível de ocorrências muito superior ao de outras áreas. “Aqui está parecendo o Centro da cidade. Eu estaciono e venho com ele (o filho), porque está ficando perigoso. Tenho medo”, conta. Ela relatou um incidente recente que presenciou na via, quando uma jovem teve seu celular furtado enquanto falava ao telefone.

 

Na avaliação do advogado criminalista e pesquisador em segurança pública, Jorge Tassi, a escalada de ocorrências no Belvedere reflete uma mudança no padrão desse tipo de crime ao longo do tempo, com um declínio no furto de eletrônicos à medida que a popularização dos celulares reduziu seu valor no mercado. “O mercado de troca de celular se esgotou, está muito poluído, tem muita gente fazendo e, por consequência, o valor baixou. Com um celular furtado valendo R$ 30, R$ 50, o foco passou a ser outro. Quem está na rua para furtar e vive desse tipo de delito, procura algo que vá fazer sentido financeiro e com baixo risco de identificação”, explica o especialista ao Estado de Minas. Além disso, a última revisão do plano diretor de BH, há cinco anos, contribuiu para a expansão comercial acelerada no bairro nobre da Região Centro-Sul, o que, segundo Tassi, é associado a um aumento da criminalidade.

 

Com a inauguração de lojas e construção de galerias, que trazem, principalmente, marcas de luxo e de alto padrão, as lojas se tornaram alvos de danos e furtos constantes no Belvedere. “Eles começaram a voltar seus olhares para um bairro em que à noite, por exemplo, as pessoas se esquecem dele, pois é simplesmente vazio”, aponta. O especialista enfatiza a necessidade de investimentos em sistemas de segurança ativa e integração entre segurança pública e privada. “A câmera e o alarme são sistemas passivos. Primeiro tem o furto e depois a polícia é acionada. O que vai ser preciso em uma região como o Belvedere, onde os riscos são mais específicos, é complementar os esforços da polícia com a segurança privada”, avalia. 

 

Residências trancadas e criminosos na mira

 

Os crimes de invasão e furtos a domicílio também têm uma média alarmante em BH: são quase 15 ocorrências por dia, segundo a Sejusp. Só neste ano, já foram registrados 1.233 casos. Anteontem (30/4), a Polícia Civil desarticulou uma quadrilha especializada em furtos e roubos a casas de luxo da capital mineira e Grande BH. O prejuízo já soma mais de R$ 2 milhões. Os crimes ocorreram de junho de 2023 até abril deste ano. Do total de furtos, 20 foram registrados nos bairros Cidade Nova, Mangabeiras, Sion, Comiteco e Pampulha, em Belo Horizonte.