Mensagens racistas e homofóbicas foram enviadas depois que a enteada de mineiro reagiu a uma transmissão ao vivo feita por Rafael Ilha  -  (crédito: Redes Sociais / Reprodução - Arquivo Pessoal )

Mensagens racistas e homofóbicas foram enviadas depois que a enteada de mineiro reagiu a uma transmissão ao vivo feita por Rafael Ilha

crédito: Redes Sociais / Reprodução - Arquivo Pessoal

O ex-integrante do grupo Polegar, boyband brasileira da década de 1990, Rafael Ilha foi condenado a pagar R$ 20 mil de danos morais a um belo-horizontino por injúria racial e difamação. O crime aconteceu em abril de 2020, mas os desembargadores da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiram pela sentença, em segunda instância, na última terça-feira (9/4).

 

 

Conforme a sentença, a que o Estado de Minas teve acesso, o vencedor do reality show “A Fazenda”, da Record TV, de 2018, enviou mensagens à vítima o chamando de “negão viado” e outros termos de baixo calão e de cunho homofóbico e racista. Thiago Gurgel, do escritório Gonçalves Gurgel e advogado do belo-horizontino, conta que os xingamentos foram proferidos depois que a enteada de seu cliente, Cristiano de Andrade, reagiu a uma transmissão ao vivo feita por Ilha. Ele afirma que a jovem encaminhou emojis de palmas, com objetivo de demonstrar satisfação com o conteúdo oferecido pelo, agora, apresentador.

Mensagens de cunho racista e homofóbico enviadas por Rafael Ilha a mineiro, em abril 2020

Mensagens de cunho racista e homofóbico enviadas por Rafael Ilha a mineiro, em abril 2020

Arquivo Pessoal

“Na época, nós tentamos contato com a assessoria do Rafael Ilha, para saber se eles podiam se pronunciar, antes que entrássemos com a ação, e eles falaram que como tinha muito tempo do ocorrido, uma vez que aconteceu em abril, eles não iam se pronunciar sobre [...] A todo tempo a defesa do Rafael tentou destituir o crime de injúria racial alegando que as ofensas foram proferidas contra a enteada dele, mas ela é loira de olhos verdes. É impossível você ofender uma mulher loira de 'negão' e 'viado'”, explica Gurgel.

 

Andrade relata que quem viu as mensagens primeiro foi sua esposa, que na época estava grávida. Ele afirma que, com a decisão da Justiça, espera que o apresentador aprenda com os erros.

 

“Ela (a esposa) ficou extremamente abalada. Eu também fiquei abalado e extremamente sem graça, porque nunca sofri esse tipo de assédio, esse tipo de xingamento. Achei um absurdo ele tratar as pessoas desse jeito. Ele fala que quer ser um novo homem, mas tem atitudes de um cara primitivo com esse negócio de racismo. Mas agora é bola para frente”, diz.


Contestada, a defesa do ex-Polegar alegou que supostas ofensas foram proferidas contra a enteada do belo-horizontino e não a ele. Na visão dos advogados de Rafael Ilha, por esse motivo não haveria motivo para o autor do processo ser indenizado. Além disso, os representantes legais de Rafael contestaram que, devido ao fato de as mensagens terem sido enviadas após uma reação ao ser perfil nas redes sociais, estavam protegidas por “sua faculdade constitucional de livre manifestação do pensamento”.

Condenação por danos morais

 

Apesar das manifestações da defesa do artista, o juiz Igor Queiroz, da 21ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, condenou Ilha a pagar R$ 20 mil à vítima por danos morais. Em sua decisão, o magistrado afirmou que as provas apresentadas pela acusação, com a imagem das mensagens enviadas pelo réu, “comprovam que o comentário e a foto por ele publicados na conta do autor violaram os direitos de personalidade do requerente, ultrapassando o mero exercício de direito de liberdade de expressão”.

 

“Não há dúvidas, pela simples análise do texto e da foto publicados pelo requerido, que sua conduta ultrapassou, em muito, os limites do direito de manifestação livre de pensamento, alcançando a esfera da ilegalidade”, escreveu o juiz.

 

A reportagem tentou contato com a empresa responsável pela assessoria de imprensa do cantor Rafael Ilha, mas até a publicação desta matéria não obteve resposta.

 

Recurso

 

A decisão da 21ª Vara Cível de BH foi contestada pela defesa de Ilha. Entre os argumentos enviados ao TJMG, os advogados alegaram que o processo não deveria estar sendo julgado no estado, uma vez que o acusado mora em São Paulo. Além disso, os representantes voltaram a afirmar o que foi dito em primeira instância: do verdadeiro “alvo” dos xingamentos, da autoria das mensagens e o direito à livre expressão.

 

 

Segundo os desembargadores de 9ª Câmara Cível, as mensagens foram enviadas através de um perfil verificado nas redes sociais. Na época do crime, a empresa Meta, responsável pelo Instagram, não vendia os selos de confirmação de identidade – até então, para obter o “ícone azul”, era necessário passar por processo de autenticação do usuário, com fornecimento de nome completo, documento pessoal e esclarecimentos sobre a notoriedade da conta.

 

“Desse modo, não cabe ao réu, a fim de se esvair do ato danoso, a alegação genérica de que não ficou demonstrada que a mensagem partiu de seu próprio perfil, sobretudo quando não apresentou qualquer documento que impugnasse a legitimidade das provas apresentadas pelo autor”, afirmou desembargador Luiz Artur Hilário, relator da ação.

 

A respeito das argumentações da defesa de Rafael Ilha, de que os comentários enviados à vítima estavam respaldados pelo “direito constitucional de livre manifestação do pensamento”, tendo em vista que o conteúdo da postagem se deu na internet, o magistrado declarou que não há “qualquer amparo jurídico”. “A liberdade de expressar opiniões e pensamentos, embora prevista no art. 5, IV, da CRFB/88, deve ser interpretada em conjunto com a ordem jurídica vigente, consubstanciada nos valores e princípios da Constituição. Assim, a injúria racial não pode ser vista como mera expressão do pensamento livre, pois tal conduta viola a dignidade humana.”