Cenas com manobras arriscadas são vistas diariamente na curva fechada da MG-435, em Caeté -  (crédito: alexandre Guzanshe/em/d.a press)

Cenas com manobras arriscadas são vistas diariamente na curva fechada da MG-435, em Caeté

crédito: alexandre Guzanshe/em/d.a press

 

O ruído alto de pneus e motor se aproximando ganha a forma de uma carreta de transporte de minério de ferro repentinamente na curva fechada da MG-435, em Caeté, na Grande BH. A subida íngreme de pista estreita com asfalto desgastado, coberto de lama e molhado de chuva, não comporta em uma só faixa o veículo de carga pesado, mas veloz, que invade alguns metros da contramão para conseguir virar. Em manobra brusca, o caminhoneiro freia e retorna para sua faixa para evitar o atropelamento dos cones postados para dividir os sentidos das pistas de Belo Horizonte e Caeté. Menos de um minuto depois do susto, um ônibus lotado de passageiros desce espremido na pista contrária e faz a mesma curva, por sorte sem encontrar ninguém invadindo a contramão. Na segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024, esse encontro ocorreu levando o motorista de 30 anos à morte e 19 passageiros ao atendimento hospitalar.


As atividades minerárias, agrícolas e industriais precisam escoar seus produtos, mas em vários pontos esse transporte concorre com ônibus repletos de passageiros e carros de passeio em vias apertadas, onde os desastres vêm se repetindo. Sobretudo na Grande BH, onde há vias como a MG-435 em que mais de 16% do tráfego responde por veículos de carga e 7,7% a transportes de passageiros, quase um quarto do movimento, segundo a última estatística divulgada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG), feita em 2020. Em contato com a assessoria do DER-MG e da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Seinfra), os órgão consideraram que as vias recebem manutenção, sobretudo na época das chuvas.


O volume médio diário anual de tráfego (VMDAT) medido pelo departamento responsável pelas estradas mineiras somava 2042 veículos. O percentual de 7,7% de veículos de passageiros é similar ao de rotas ligando centros mais populosos da Grande BH, como a MG-030, entre Nova Lima e Raposos, que é de 9% para um VMDAT de 2.823 veículos, mas em pistas com acostamentos e demarcações.


Já o percentual de 16,1% de veículos de transportes de cargas da MG-435 se aproxima ao de estradas com pistas duplas, terceiras faixas, acostamentos, separações ou que ligam grandes polos, como a AMG-105 na Zona Urbana e industrial de Santa Luzia, no Bairro Frimisa, com 15,4% de caminhões e carretas, ou a MG-020, na altura do Bairro Tupi, na Região Norte de Belo Horizonte, com 15,4%.

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O desastre com uma morte e 19 feridos entre uma carreta e um ônibus da linha 4800 (Belo Horizonte/Caeté) ocorreu por volta de 5h40, sendo que os horários de maior movimento da estrada são entre 5h30 e 7h, de segunda a sexta-feira. Aos fins de semana o movimento de ônibus e carros concorrendo com os veículos de carga se amplia ainda mais devido aos turistas e devotos que precisam seguir pela via para visitar o santuário e as atrações turísticas da Serra da Piedade.


O volume de veículos de cargas na Grande BH é ainda mais consistente na rodovia BR-432, entre o município de Esmeraldas, no entroncamento com a MG-060, e Ribeirão das Neves, com movimento diário médio de 1.649 veículos, sendo 42% deles carretas e caminhões circulando por uma estrada também estreita e sem acostamentos regulares. Um risco maior para os veículos de passeio, que somam 56% do tráfego de acordo com os dados do DER-MG, sendo 2% de veículos de passageiros.

MG-020: ESTREITA E SEM ACOSTAMENTOS

Estreita, sem acostamentos e com mato alto tapando a sua sinalização, a MG-020 tem trechos com circulação diária média de 1.206 (Taquaraçu de Minas a Jaboticatubas) e 1.105 (Santa Luzia a Taquaraçu de Baixo), sendo que os veículos de carga chegam a representar 8,6% do tráfego e os de passageiros 3,4%.


Caminho para o atrativo turístico da Serra do Cipó, mas também para destinos com Conceição do Mato Dentro e Serro, a MG-010 entre Jaboticatubas e Baldim apresentou uma circulação diária de 1.132, sendo 9,7% de carga e praticamente 5% de passageiros. O volume de caminhões e carretas é proporcional ao de vias mais largas e que fazem ligações com outros polos mais populosos, como a BR-356 em Itabirito (9,2%) e a própria MG-010, de Lagoa Santa ao Aeroporto de Confins (9,9%).


O segmento da rota turística MG-010, além de estreito e com sinalização deficiente, ainda tem registros constantes de excesso de velocidade, sobretudo de veículos de carga.


CARRETAS DE MINERAÇÃO COMPLICAM O FLUXO

A morte do motorista de ônibus da linha 4800 (BH/Caeté), Thiago Felipe Pereira, 30 anos, e os 19 passageiros feridos na batida de frente do veículo de transporte com uma carreta, no dia 19 de fevereiro, deixaram consternada a comunidade de Caeté.
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O rapaz que faleceu era nosso conhecido. Estava sempre no ônibus levando a gente, ganhando o pão dele do dia a dia. Isso traz ainda mais preocupações para a gente, não só quando precisamos ir de ônibus para Caeté, mas também por causa dos escolares que levam nossos filhos. O meu de 10 anos passa todos os dias nessa estrada e a gente pega com Deus para não ter nenhum acidente, mas a preocupação só passa quando ele chega. Até o dia seguinte", disse a microempresária Rosália Brum, de 45 anos, moradora de Caeté.


De acordo com os passageiros, o motorista não teve como escapar da carreta que invadiu a pista e bateu de frente. Ele ainda ficou preso às ferragens e precisou ser transportado para o atendimento de emergência da Santa Casa de Caeté.


"Essa é uma pista muito estreita e de um tempo para cá aumentou demais o trânsito de carretas da mineração. A estrada não tem condições para isso", avalia a moradora, que teme pela vida sua e de sua família quando precisam circular pela MG-435.


Segundo ela, a pista não tem condições de ter caminhões em velocidade mais alta, sobretudo porque muitos dos motoristas vêm de fora e não têm experiência naquelas condições. "Quem não conhece dirige muito rápido e não consegue fazer a curva dentro da pista", conta Rosália.


A mulher sugere que o governo amplie a estrada ou traga medidas de segurança, mesmo que em conjunto com as mineradoras e transportadoras. “Todo mundo precisa tirar seu sustento, só que as mineradoras e o governo poderiam dar algum suporte para essa pista: ou alargar a pista, ou tivesse algum controle de velocidade para as carretas e fiscalização durante a semana para diminuir a velocidade. Não acho que radar adianta, porque a gente sabe que tem gente que depois que passa do radar, acelera de novo”, sugere.


Em alguns pontos da rodovia, o asfalto já precisa de recuperação devido a buracos e abatimentos causados pelo tráfego pesado intenso. Longos segmentos já estão desgastados e precisam ser novamente pavimentados. O resíduo dos pneus dos veículos que acessam a estrada por vias vicinais ou que cai das carrocerias dos caminhões também se acumula e torna a pista escorregadia. Boa parte da sinalização se encontra encoberta pelo mato e precisa de capina.


No trecho próximo à área de recuperação ambiental e a uma mineradora, a saída e chegada das carretas é monitorada por operadores com bandeiras e rádios nos dois sentidos.


GOVERNO DE MINAS RESPONDE

O Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) e a Secretaria de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra) afirmam serem os responsáveis pela expansão e melhoria da malha rodoviária com o PROVIAS, o maior programa de obras da última década.


Para atingir os objetivos de implantação, pavimentação, recuperação funcional, correção de pontos críticos, construção e recuperação de pontes, o PROVIAS tem, no momento, 124 empreendimentos, que representam 3.618 quilômetros, sendo 56 já concluídos (1.530 km), 46 em andamento (1.559 km) e 22 a iniciar (529 km) em todas as regiões do estado, representando um investimento de R$ 4,1 bilhões.


"Na microrregião Metropolitana de Belo Horizonte - onde se localizam os municípios de Caeté, Ribeirão das Neves, Esmeraldas, Santa Luzia e Taquaraçu de Minas - o PROVIAS tem um investimento de R$ 361,2 milhões, com doze trechos, com 142,6 quilômetros, 6 trechos concluídos (54,2 km), três em andamento (45,1 km) e três a iniciar (43,3 km)", informaram os órgãos.


"Atualmente, para as rodovias MG-435, MG-020 e MG-432, o DER-MG monitora as condições de segurança viária, com radares instalados para controlar o excesso de velocidade. As condições de tráfego das rodovias são asseguradas por contratos de manutenção rotineira que compreendem a realização de operação tapa-buracos, roçada e capina da faixa de domínio, limpeza do sistema de drenagem, conferência da sinalização e monitoramento durante o período chuvoso", informaram.


Sobre o movimento nas estradas destacado pela reportagem, o DER-MG e a Seinfra consideram outro levantamento, o Boletim Rodoviário, com dados de 2019, para medir o movimento das estradas, sendo: na MG-435, do entroncamento da BR-381 a Caeté, com extensão de 19,4 km (sendo 5,2 no perímetro urbano), o volume médio de tráfego é de 4.276 veículos, sendo 712 motos, 3.304 veículos de passeio, 114 de médio porte e 116 veículos pesados.


A MG-020, no trecho de Santa Luzia a Taquaraçu de Minas, com extensão de 21 quilômetros, o volume médio de tráfego é de 18.812 veículos, sendo 2.752 motos, 14.362 de passeio, 602 de médio porte e 1.096 pesados. E a MG-432, do entroncamento da BR-040 (Ribeirão das Neves) ao entroncamento com a LMG-808 (povoado de Caracóis), com extensão de 14 quilômetros, o volume médio de tráfego é de 14.119 veículos, sendo 964 motos, 12.062 de passeio, 393 de médio porte e 700 pesados.