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Siga noEla é a primeira mulher a ocupar a presidência da Academia Mineira de Medicina, um universo em que a presença masculina é maioria. Elizabeth Costa Dias tomou posse em março e é exemplo de uma vida dedicada à medicina do trabalho, área que a fascinou desde o início da carreira.
Sobre ela se debruçou de tal forma que é difícil nominar os títulos e cargos acumulados no currículo, uma vasta demonstração de aprofundamento em estudos e pesquisas constantes. Saúde pública e coletiva, trabalhadores, construção social, são palavras que fazem parte do seu dicionário particular ao longo de mais de 50 anos.
Essa história começa com a formatura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1970, passa por várias instituições relevantes, como a Universidade de São Paulo (USP); Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde fez o doutorado, e Johns Hopkins University, em Baltimore, nos Estados Unidos, local em que concluiu o pós-doutorado. Elizabeth é também autora e organizadora de livros e textos técnico-científicos no seu campo de atuação.
O fato de ser a primeira mulher a ocupar esse cargo na história da AMM é destaque, não apenas pelo ineditismo, mas pela oportunidade de reforçar a importância da medicina do trabalho no cenário médico mineiro, evidenciando sua relevância para a proteção da saúde dos profissionais em diversas áreas.
O que valoriza mais a conquista, levando-se em conta que a especialidade ainda é olhada de revés pela sociedade, como uma opção fácil e menos qualificada. “Esta é uma percepção que vigora, mas vem perdendo força diante de uma dura realidade, que é o aumento do adoecimento dos trabalhadores nas empresas”, observa Elizabeth.
Entre os fatores que contribuíram para isto, no Brasil, ela cita a Reforma Trabalhista de 2017, que trouxe diversas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o objetivo de flexibilizar as relações profissionais e adequar a legislação aos novos modelos.
A reforma impactou diversas áreas, como jornada de trabalho, remuneração, plano de carreira, entre outras. “Isso trouxe a precarização dos vínculos e tornou o trabalhador mais vulnerável à exigência do setor produtivo e menos protegido pelos mecanismos de proteção social”, considera.
Ela aponta também, como agravantes desse quadro, a pandemia e as mudanças do mundo, responsáveis por aumentar os riscos comportamentais e psicossociais relacionados ao trabalho.
Eles são tão expressivos, que, a partir deste mês, entra em vigor a NR1 – Norma Reguladora nº 1, que é a base das normas de segurança e saúde no trabalho no Brasil, define diretrizes gerais, responsabilidades e obrigações de empregados e empregadores –, e determina que as empresas identifiquem e façam gestão dos riscos psicossociais no ambiente laboral. Na avaliação de Elizabeth, a NR1 não é perfeita, mas traz para a discussão a responsabilização dos empregadores diante desses fatores, responsáveis por sofrimentos, embora eles sejam simplesmente medicalizados.
Na conversa com o Caderno Feminino, a médica aponta outro dado alarmante: apenas 30% da força de trabalho é coberta pela legislação trabalhista e previdenciária, o que deixa os outros 70% completamente vulneráveis. A substituição dos contratos de trabalho (CLT) dos empregados em contratos de Pessoas Física, ou PJ, é um exemplo do que vem acontecendo no mercado. É a conhecida “pejotização” e seus desdobramentos.
Ela ressalta que o rearranjo das forças produtivas orientado pela maximização dos lucros e mediado pela tecnologia, da robótica à Inteligência Artificial, trouxeram novas formas de gestão. “Mesmo nos países conhecidos pelas políticas de bem-estar social, direitos adquiridos vêm sendo cortados”.
Oportunidades
Mineira de Juiz de Fora, mãe de três filhos – a mais nova médica como ela –, Elizabeth, mesmo aposentada, ainda mantém atividades de ensino, pesquisa e orientação de alunos de pós-graduação e residência em medicina do trabalho na UFMG, onde foi professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social. Assim como atividades junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Ministério da Saúde. “Não estou mais na linha de frente, assumi meu lugar no backstage. Os bailarinos fazem esse movimento o tempo todo”, brinca.
Ela confessa que é grata às oportunidades, como, por exemplo, a possibilidade de fazer um processo formativo completo e a de estar em uma grande universidade e poder criar um serviço de saúde do trabalhador, com atendimento 100% SUS, no Hospital das Clínicas, há 40 anos. Um projeto coletivo, com muita gente colocando tijolinhos, mas que resultou em um serviço voltado exclusivamente para os cuidados desse público.
Citando a expressão “a quem muito foi dado, muito será cobrado", Elizabeth comenta que sempre teve o desejo de contribuir para a construção de um mundo diferente e concretizado nas microações. “Minha trajetória profissional é uma tentativa de dar um retorno para a sociedade. O campo da saúde do trabalhador favoreceu isso, a contribuição para a formação de pessoas inspiradoras”.
A história com a Academia Mineira de Medicina começa em 2012. Convidada para participar da instituição, ela se submeteu aos processos internos e foi aprovada. Para se ter uma ideia, entre os 100 membros da agremiação, há apenas 16 mulheres. “Fiquei muito feliz, na época, pela oportunidade de conviver com a elite intelectual da medicina de Minas Gerais e, agora, estou honrada com o fato de ser eleita para a presidência, a primeira mulher nesse cargo”, ressalta.
Sua cadeira, a de número 10 na academia, tem como patrono Carlos Chagas, médico e cientista nascido em Minas Gerais, responsável pela descoberta da doença de Chagas, também muito conhecido por suas pesquisas sobre a malária. Elizabeth não esconde a admiração e afinidade profissional com o patrono. “Ele também foi médico do trabalho, grande sanitarista, teve grande papel no combate às epidemias, com atuação, inclusive, no saneamento da Baixada Fluminense”.
“Minha trajetória profissional é uma tentativa de dar um retorno para a sociedade. O campo da saúde do trabalhador favoreceu isso, a contribuição para a formação de pessoas inspiradoras”.
Elizabeth Costa Dias
presidente da Academia
Mineira de Medicina