Devoção às águas
A Cila completa 50 anos e continua encantando as novas gerações com suas coleções contemporâneas
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Siga noQuantas lembranças estão contidas na trajetória de uma marca cinquentenária? No caso da mineira Cila são muitas as histórias para contar. É meio com incredulidade que Maria Cecília Borges, sua fundadora, olha para trás. “Jamais imaginei que a gente pudesse chegar tão longe. O tempo voou, mas o lado bom é que continuo com o mesmo entusiasmo pelo meu trabalho”, ela ressalta
A história da adolescente que desafiou o código moral do Minas Tênis Clube, criando uma versão de biquíni - um modelo estilo engana-mamãe com um paninho na frente para esconder o umbigo – é conhecida por muita gente. Enquanto a nova moda inundava as praias do Rio de Janeiro, o tradicional clube de Belo Horizonte proibia a peça em suas piscinas.
Coleção Movimento, em 2019
Cila arriscou e nem é preciso dizer que a invenção despertou o desejo das amigas, o que deu um início a uma produção doméstica, na casa dos pais. “Era uma maneira de ganhar um dinheirinho, sem maiores pretensões”, conta a empresária. Autodidata, mesmo porque naquela época, metade da década de 1970, não havia escolas de moda, ela tinha a seu favor a habilidade de modelar e costurar.
E foi com essa ferramenta que se tornou expert no assunto. Ainda hoje o lugar em que se sente realizada é no chão de fábrica. “É lá que enfrento os desafios das modelagens, experimento os novos tecidos, acompanho o desenvolvimento das peças. Ver tudo tomando forma e se tornando uma coleção, nas araras da loja, é um prazer enorme, me dá uma sensação de renovação”, afirma a empresária.
O seu sentimento é legítimo, porque a marca vem atravessando o tempo e as gerações e segue firme e atual, renovada pela entrada da filha, Tetê Vasconcelos, no estilo. Sangue novo para dar gás no negócio familiar, sempre de olho nas novas ondas que cruzam o universo do beachwear.
“Quando eu criava os modelos, minha pesquisa mais frequente eram as praias de Ipanema, local em que apareciam as novidades”, diz Cila. E, olhem, não foram poucas as tendências ao longo de 50 verões. Do sutiã cortininha e calcinha com laços laterais ao fio dental; dos modelos asa delta aos bumerangues e enroladinhos no quadril; dos maiôs aos bodies fashion. Sem contar o aparecimento do sunkini e a onda do topless.
Com a evolução do mercado, a moda praia também se tornou mais sofisticada, adotou o conceito de coleção, temas específicos e estampas exclusivas. “A tecnologia têxtil foi outra conquista do setor. As indústrias especializadas começaram a investir em tecidos confortáveis e sustentáveis nessa área”, observa Mara Borges, responsável pela área de comunicação, marketing e relacionamento com o cliente da Cila.
Primeiro desfile da marca, na extinta boate Jambalaia, em 1979
Ela é fiel depositária dos arquivos da marca, agrupados cronologicamente em pastas. Por eles, é possível observar a movimentação de um negócio que conquistou o coração dos belo-horizontinos. “Durante muito tempo, não tive concorrentes, absorvia a clientela que queria comprar maiô ou biquíni na cidade”, relata Cila.
Por esse acervo, percebe-se também que, depois da fase caseira, veio a necessidade de levar o negócio mais a sério. “Minha família estava incomodada com o vai e vem das pessoas, que iam fazer suas encomendas, e decidi alugar um imóvel, em 1974”, conta. Era uma garagem na rua Pernambuco com rua Cláudio Manoel, mas ela já levou consigo os clientes fiéis. A loja, que ganhou o nome da proprietária, funcionava na frente com fábrica nos fundos e marcou o início da profissionalização.
Registro interessante desse período foi a participação da Cila em um memorável desfile realizado no Jambalaya Disco Clube, primeira discoteca de BH, sob o comando de Neneca Moreira, dona da agência de modelos homônima. Inaugurado no final dos anos 1970, o local concentrava a força da juventude dourada da época, mas, nesse dia, recebeu um público diferente e atento em conhecer as novidades.
Coleção Amazônia, 2023
Consolidação
Na sequência, a empresa passou por alguns endereços até chegar no que ela funciona, atualmente, na avenida Contorno, na Savassi. O imóvel foi comprado em 1983 e a inauguração aconteceu um ano mais tarde. Cila sempre teve um olhar pragmático: ao notar a febre das academias, o advento da aeróbica e seus campeonatos mundo afora, entrou no nicho fitness.
“Eu já confeccionava malhas para a prática de ioga e ginástica e uniformes de balé. Então, em 1993, resolvi lançar a Jump, com coleções de roupas femininas e masculinas, bem coloridas, para a aeróbica, além de atender também o público que andava de bicicleta".
Entre vários planos econômicos e reinvenções, durante muito tempo a empresa se direcionou para o varejo e atacado. Teve representantes em várias regiões do país, participou de salões de negócios, como a Minas Mostra Mulher, Minas Trend, Fashion Business.
“Nessa trajetória de 50 anos, houve momentos relevantes. Fomos convidados para participar de feiras em Munique, Nova York e Paris, aparecemos nos editoriais de moda das principais revistas”, conta Mara Borges. Sob sua tutela, surgiram campanhas ousadas, como a da coleção que homenageou Belo Horizonte pela passagem dos seus 90 anos, cujas fotos foram feitas nos principais pontos turísticos da cidade.
Em um outro passo arrojado, em 2011, Cila resolveu construir uma fábrica de cinco pavimentos em uma área de 1.800 metros quadrados, no bairro São Lucas, um belo projeto de João Diniz, que integrava o interior com as árvores e vegetação do exterior. Porém, no início da pandemia, tomou duas decisões drásticas: fechou a loja do BH Shopping, alugou a fábrica e concentrou as operações na Savassi.
“Já há bastante tempo operávamos somente no varejo, nosso produto é específico, e vi o momento como reestruturação, investimento nas vendas online. Na verdade, o comércio ainda não se recuperou completamente dos prejuízos causados pela pandemia”, sinaliza.
Amor ao mar
Graduada em design de moda, Tetê Vasconcelos assumiu a direção artística da Cila, em 2007. Foi um refresh tanto na parte criativa quanto em diferentes processos e conceituação de moda para a marca. “Uma revitalização com um olhar novo para o beachwear, sem deixar de lado a trajetória que já existia”, explica a estilista.
Em seu trabalho, as principais referências das coleções são as rotas de viagens que fez ao redor do mundo, imersões em culturas fascinantes de vários países, sem deixar de lado o Brasil. Mas na coleção verão 2024 Água, resolveu homenagear as águas e seus ciclos, com as quais a Cila flerta desde que nasceu. "Afinal, são 50 verões em torno do sol, 50 anos olhando para as águas", reflete.
A colaboração de artistas na elaboração dos prints, nos quais ela é craque, também se tornou uma característica do trabalho de Tetê que, além do mais, incrementou a linha resort da Cila, criando peças versáteis, que vão da praia às ruas.
“Desde muito nova, tenho uma relação simbiótica não só com a praia, mas com todo lyfestyle que a vida beira mar oferece. Apesar das minhas origens estarem nas águas doces, minha conexão é de alma e coração com as águas salgadas”, afirma.