O tema das horas extras não pagas voltou ao centro das discussões trabalhistas em 2025, especialmente após decisões recentes da Justiça do Trabalho que reforçaram um ponto sensível para empregados e empregadores: deixar de pagar horas extras pode ser considerado falta grave e abrir caminho para a rescisão indireta do contrato, permitindo que o trabalhador saia do emprego e receba todos os direitos como se tivesse sido demitido sem justa causa.
O que é o não pagar horas extras?

O não pagamento de horas extras não se limita à ausência total de remuneração adicional. A irregularidade pode ocorrer em cálculos abaixo do valor correto, na falta de reflexos em férias, 13º salário e FGTS ou na desconsideração de minutos extras trabalhados diariamente.
A legislação trabalhista prevê que qualquer período que ultrapasse a jornada normal, dentro dos limites legais, deve ser remunerado com adicional de no mínimo 50% em dias úteis, salvo normas coletivas mais benéficas. Em 2025, com registros eletrônicos e aplicativos de ponto, a prova das horas extras se tornou mais precisa, porém mais complexa, exigindo maior cuidado das empresas na guarda e na veracidade dos dados.
Também é comum o uso de “banco de horas” sem observância das regras legais ou convencionais, como ausência de acordo formal escrito, não compensação dentro do prazo ou compensações fictícias apenas para mascarar a sobrejornada. Nesses casos, a Justiça costuma converter as horas em extras devidas, com os devidos adicionais e reflexos.
Outro problema recorrente é o chamado “ponto britânico”, quando o sistema registra sempre os mesmos horários de entrada e saída, o que pode indicar manipulação. Há ainda situações em que o empregado é orientado a “apenas ficar à disposição” após o expediente, respondendo mensagens, e-mails ou usando aplicativos corporativos, sem nenhum controle de jornada e sem pagamento.
Como isso gera rescisão indireta?
O pagamento incorreto ou a ausência de pagamento de horas extras, quando contínuo e relevante, é entendido pela Justiça do Trabalho como falta grave do empregador. Nesses casos, pode fundamentar o pedido de rescisão indireta, prevista no artigo 483 da CLT, com os mesmos efeitos de uma demissão sem justa causa.
A rescisão indireta costuma ser reconhecida diante de violações sérias do contrato, como atrasos salariais frequentes, assédio, alterações lesivas de função ou o não pagamento habitual das horas extras prestadas. Entende-se que a confiança entre empregado e empregador foi rompida, tornando impossível a continuidade saudável da relação.
Para caracterizar a falta grave, os tribunais analisam se o descumprimento é reiterado, se afeta parte relevante da remuneração do empregado e se houve oportunidade de correção por parte da empresa. Mensagens, e-mails internos, prints de conversas, relatórios de acesso remoto e reclamações formais costumam ser utilizados como prova de que o empregador tinha ciência da irregularidade e nada fez para saná-la.
Nem toda falha isolada no pagamento leva à rescisão indireta. A Justiça avalia a gravidade, a frequência e o impacto econômico das irregularidades, verificando se a diferença entre o que é trabalhado e o que é pago é habitual e significativa ao longo do tempo. Em muitas situações, o juiz reconhece apenas as diferenças de horas extras, sem romper o vínculo, quando a falta não é considerada suficientemente grave.
Quais direitos na rescisão indireta e como reunir provas?
Quando a Justiça reconhece a rescisão indireta por falta de pagamento de horas extras, o trabalhador passa a ter direito a praticamente todas as verbas de uma dispensa sem justa causa, além das próprias diferenças de horas extras.
- Saldo de salário dos dias trabalhados;
- Aviso-prévio indenizado, proporcional ao tempo de serviço;
- Férias vencidas e proporcionais, com adicional de 1/3;
- 13º salário proporcional sobre o período trabalhado;
- Liberação do FGTS com multa de 40% sobre o saldo;
- Guia para saque do FGTS e acesso ao seguro-desemprego, se preenchidos os requisitos;
- Diferenças de horas extras não pagas, com reflexos em férias, 13º, FGTS e aviso-prévio.
Além disso, podem ser reconhecidos juros, correção monetária e, em casos mais graves (como fraudes deliberadas nos controles de ponto, exigência de jornadas exaustivas ou exposição do trabalhador a constrangimentos), indenização por danos morais, a ser analisada caso a caso.
Para demonstrar o descumprimento, é importante organizar documentos como holerites, cartões ou relatórios de ponto, contrato de trabalho, aditivos, políticas internas, escalas, prints de aplicativos corporativos e e-mails. Anotações pessoais com horários de entrada e saída também podem ser úteis, sobretudo quando houver divergência com o registro oficial.
É relevante observar se há jornadas prolongadas recorrentes, distorções nos registros, orientações para “não bater o ponto”, trabalho em home office sem controle e se o empregador ignora reclamações internas. Tentativas de “forçar” acordos para renúncia de direitos ou de fazer o empregado assinar documentos com informações falsas sobre jornada também costumam ser analisadas pelo Judiciário.
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Quando buscar apoio jurídico e por que agir rápido?
A orientação jurídica deve ser buscada assim que o trabalhador perceber que o não pagamento de horas extras se tornou prática constante. A demora pode acarretar perda de valores pela prescrição: em regra, apenas as verbas dos últimos cinco anos podem ser cobradas na Justiça, e o direito de ajuizar ação termina dois anos após o fim do contrato.
Com a ajuda de um profissional especializado, é possível avaliar se o caso é apenas de cobrança de diferenças ou se há espaço para discutir a rescisão indireta. Podem ser estudadas estratégias como tentativa de solução interna, negociação assistida, acordo extrajudicial homologado em juízo ou o ajuizamento de reclamação trabalhista com pedido de rescisão indireta.
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Agir quanto antes é a chave
A rescisão indireta é medida forte e depende de decisão judicial, sem garantia de êxito. Em determinadas situações, pode ser mais vantajoso permanecer no emprego e apenas buscar a correção dos valores, especialmente quando há expectativa de promoção, estabilidade provisória ou dificuldade de recolocação imediata. A escolha deve ser feita com base em provas concretas, impacto financeiro e perspectivas profissionais.
Esperar demais diante de jornadas prolongadas e horas extras não remuneradas significa perder renda e qualidade de vida, com reflexos na saúde física, mental e na convivência familiar. A cada mês de inércia, consolidam-se prejuízos que nem sempre são plenamente recuperáveis. Agir com informação e apoio técnico contribui para proteger a carreira, a renda da família e para coibir práticas abusivas no ambiente de trabalho.




