'O futuro é cooperativo', diz Márcio Port, liderança da Sicredi Sul/Sudeste
Presidente diz que percepção que as pessoas têm do impacto das cooperativas em suas cidades é um dos fatores que explicam o crescimento dessas instituições
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O impacto das cooperativas nas comunidades, principalmente no pós-pandemia, é um dos motivos para acreditar que o futuro é do cooperativismo. É o que afirma Márcio Port, presidente da Sicredi Sul/Sudeste. O gestor foi o entrevistado desta semana do programa EM Minas, exibido pela TV Alterosa em parceria com o ‘Portal Uai e o jornal Estado de Minas.
Com mais de 30 anos dedicados ao cooperativismo financeiro — trajetória que começou como caixa e o levou à presidência da instituição —, Port falou sobre a expansão do setor no Brasil e o papel das cooperativas no desenvolvimento econômico e social de pequenas e médias cidades. Ele também destacou que o cooperativismo tem hoje 22 milhões de brasileiros associados e que as cooperativas de crédito já representam cerca de 10% do mercado financeiro nacional, sendo a Sicredi a sexta maior instituição de varejo do país. “O cooperativismo tem um grande concorrente, que é o desconhecimento. Poucas pessoas entendem de fato o que é uma cooperativa, como ela funciona e quais são os seus diferenciais”, disse.
Para Port, o futuro do setor está na capacidade de equilibrar propósito e eficiência econômica, mantendo a proximidade com o associado — algo que, segundo ele, o público valoriza cada vez mais em meio à impessoalidade do sistema financeiro tradicional. “O cooperativismo busca equilibrar o econômico com o social. Não basta oferecer produtos se a população está endividada ou desempregada. A cooperativa precisa ajudar a desenvolver a região em que atua”, frisou.
A cooperativa Sicredi é a sexta maior instituição financeira do Brasil. O que faz da Sicredi hoje ter tamanha expressividade no Brasil?
Hoje o cooperativismo tem uma importância muito grande no Brasil. Sicredi é a sexta maior instituição de varejo do país, e o segundo maior operador de crédito rural do país. Temos vários feitos diferenciados em vários estados. Inclusive, é a principal instituição financeira do estado. O cooperativismo aqui no Brasil surgiu em Minas Gerais, em 1889. A primeira cooperativa foi em Ouro Preto. Mas quando a gente fala em cooperativa de crédito, a primeira surgiu no Rio Grande do Sul, e surgiu a partir da necessidade de migrantes alemães e italianos, na época, de terem apoio para se estruturarem, para ocuparem as terras que haviam sido destinadas para eles naquele momento. E, por conta disso, o cooperativismo se enraizou justamente no interior dos estados, e hoje é muito forte ainda no interior, em pequenas e médias cidades. As cooperativas atuam de forma muito intensa no crédito rural e também com micro e pequenas empresas, e isso faz com que elas sejam muito fortes, porque a economia do interior é bastante expressiva. As cooperativas hoje têm uma rede de atendimento muito grande — não só o Sicredi, mas outras instituições financeiras também —, uma rede de atendimento muito grande no interior dos estados.
Qualquer pessoa pode ser cliente da Sicredi ou são só cooperativas? Como é que funciona?
Uma cooperativa pode ser criada, ou pode ser a instituição financeira de pessoas comuns. Eu diria assim: pessoas físicas, pessoas jurídicas, que trabalham no agronegócio, trabalham no meio empresarial, no meio urbano. Não existe hoje uma restrição para ser associado a uma cooperativa, a não ser em casos em que a cooperativa é criada para um nicho específico. Mas a grande maioria das cooperativas que existem no Brasil são cooperativas abertas, onde qualquer pessoa pode se associar. Hoje nós temos no país algo em torno de 22 milhões de brasileiros associados a cooperativas de crédito.
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Onde é que o propósito entra dentro do cooperativismo?
Uma cooperativa de crédito não é uma instituição que oferece apenas produtos e serviços. O objetivo de uma cooperativa é dar melhores condições de vida para as pessoas. A cooperativa busca equilibrar o econômico com o social. Não basta apenas oferecer produtos e serviços se eventualmente a população estiver endividada, com dificuldades financeiras, desempregada. As cooperativas buscam esse equilíbrio, buscam trazer aspectos sociais para o dia a dia também. As cooperativas trabalham muito em questões ligadas à saúde, educação, cultura, esporte e inclusão, desenvolvimento local. A gente fala muito em fortalecer a economia das regiões. Esse equilíbrio, quando a gente olha do econômico com o social, se traduz em propósito, em DNA, em uma causa maior por trás de ser apenas uma instituição financeira. É o que nós fazemos no dia a dia para desenvolver as regiões ou as cidades em que o cooperativismo está presente.
É verdade que o senhor foi caixa, passou por funções administrativas dentro das agências da instituição?
Iniciei minha trajetória em 92, na cooperativa que é a mais antiga cooperativa de crédito da América Latina, sediada em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. Trabalhei na cooperativa como caixa, depois passei por outras funções, como gerente de agência, encarregado de crédito, e fui galgando posições. Acabou acontecendo que, em 2011, fui eleito presidente daquela cooperativa, que é a Sicredi Pioneira, sediada lá em Nova Petrópolis. Hoje estou na central das cooperativas, que atua no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas e Espírito Santo. Por conta disso, tem uma recorrência de vindas também aqui para Minas Gerais.
Há mais de 30 anos dentro do cooperativismo, da instituição financeira, como que passar por essas funções — desde lá de trás, como caixa, gerente de agência e outras dentro do conselho administrativo — ajudou o senhor a estar hoje onde o senhor está? O senhor acha que fez diferença na gestão atual?
Com certeza. Porque uma cooperativa de crédito, o grande diferencial dela é a atuação local e regional, ou seja, olhar o associado no olho, entender as dificuldades, também entender as oportunidades. E ter passado por esse atendimento do associado lá no dia a dia, muitas vezes em pequenos municípios também, faz toda a diferença. É entender a origem, as necessidades, as carências também para que hoje a gente possa, juntos, com o conjunto de cooperativas do Sicredi, atuar em nível nacional. Hoje a Sicredi é formada por 102 cooperativas no país, atuando em mais de 2.100 municípios. Isso significa que está em 40% dos municípios brasileiros já com agência física.
Como é que o senhor vê o futuro do próprio cooperativismo, já que hoje nós estamos vivendo tanto uma era de individualismo?
É interessante porque hoje as pessoas buscam muito mais o digital. Todos nós usamos o digital no nosso dia a dia, é um aplicativo de uma instituição financeira. Mas, muitas vezes, quando alguém é informado que o seu gerente deixou de ser aquela pessoa que era e, a partir de agora, a pessoa vai ser atendida por uma plataforma que fica eventualmente até em outro estado é horrível. Eu me pergunto: “Poxa! Mas a pessoa estava tão feliz com o digital, mas, ao mesmo tempo, a gente quer o presencial, a gente quer o olho no olho em alguns momentos. A gente quer saber quem é a pessoa que está nos atendendo”. E quando a gente olha o que o cooperativismo prega, é justamente essa proximidade. As cooperativas atuam em regiões geralmente de uma certa quantidade de municípios, justamente para entender aquela região, aquele município. Não é uma gestão que acontece a partir de São Paulo, ou de Brasília, ou a partir de alguma capital brasileira. O cooperativismo acontece no dia a dia, localmente, a partir de pessoas que vivem a comunidade, vivem a região onde a cooperativa está atuando. Então esse é o grande diferencial. Quando a gente olha em termos de futuro do cooperativismo, é o que cada vez mais as pessoas estão querendo: serem entendidas, compreendidas nas suas necessidades, nos seus sonhos também. Então teremos muito futuro para o cooperativismo.
O que é a cooperativa e como funciona? Quais são os serviços prestados pela cooperativa de crédito?
Uma cooperativa é uma espécie de condomínio: todos os meses contribuímos com a nossa cota condominial, diria assim, mas temos acesso a todos os benefícios do condomínio. Assim é numa cooperativa também. A pessoa, ao entrar na cooperativa, passa a ter acesso a todos os produtos e serviços e usufrui dos benefícios de estar no ambiente dela, da cooperativa. Ao final do ano, quando a cooperativa tem resultado positivo, a gente não chama de lucro, chama de resultado positivo ou de sobras, e este resultado volta para os condôminos. Não existe a figura de um único dono, e sim um conjunto de pessoas que são os associados da cooperativa. A cooperativa tem todos os produtos e serviços que o mercado financeiro oferece, com a vantagem de ser nossa — e não sermos clientes de alguém.
Preocupa a juventude de hoje para o futuro do cooperativismo?
Ao contrário, porque a juventude hoje tem falado muito de propósito de vida, vínculo com as marcas, de comprar produtos de marcas que tenham responsabilidade social, que estejam preocupadas com sustentabilidade — e esses são todos aspectos que as cooperativas fazem. O nosso trabalho, enquanto administradores das cooperativas, é fazer com que os jovens percebam que aquilo que eles querem de futuro melhor, eles conseguem encontrar numa cooperativa.
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A Sicredi chegar em cidades tão pequenas, oferecendo esses serviços financeiros, ajuda no reconhecimento do cooperativismo. O que a Sicredi representa hoje como instituição financeira?
Sim. No Brasil são 5.500 municípios, desses, 500 têm nas cooperativas a única instituição financeira. Já é uma realidade hoje de vários municípios que, se não fosse o cooperativismo, não teriam nenhuma instituição financeira — gerariam um vazio de bancarização, como a gente chama. Pessoas que, ao não terem uma instituição financeira no seu município, teriam que ir ao município vizinho, fariam compras no município vizinho, gastariam na economia do município vizinho. Quando a cooperativa se instala em pequenos municípios, é por entender que o comércio local é uma grande fortaleza que a gente tem e que a gente precisa promover essa valorização local.
Como o senhor vê o futuro tanto da cooperativa quanto da Sicredi?
Nós estamos num ritmo muito intenso de crescimento desde a pandemia. As pessoas perceberam, pós-pandemia, o diferencial de uma cooperativa de crédito. Porque, enquanto muitas instituições financeiras fechavam suas portas, atendendo aos requisitos e restrições que haviam na pandemia, as cooperativas continuaram atendendo — claro que seguindo o regramento, seguindo regras de segurança, mas de outras formas. As cooperativas lideraram as linhas de crédito pós-Covid para o restabelecimento das empresas. Pega o exemplo também do Rio Grande do Sul, com as enchentes do ano passado: as cooperativas foram as primeiras a atuarem no enfrentamento dos impactos da enchente. Isso a gente tem visto em várias situações que acontecem não só no Brasil, mas no mundo, o quanto as cooperativas são mais rápidas em um período de adversidade. A Sicredi, como exemplo, em 2006 comemorou 1 milhão de associados. Hoje nós estamos quase com 10 milhões de associados, sendo que a primeira cooperativa surgiu em 1902. Então, de 1902 até 2006 comemorou-se 1 milhão de associados — e de 2006 pra cá, já foram outros 9 milhões. É uma velocidade muito superior do que era no passado, justamente por esse nível de consciência que as pessoas estão tendo e percebendo o impacto das cooperativas lá nas suas cidades. O futuro é cooperativo. n