Fatini Forbeck, Rafa Xavier e Filipe Thales falam sobre desafios que empreendedores negros enfrentam no Brasil
 -  (crédito: Mannu Meg e Denys Lacerda/EM/D.A Press)

Fatini Forbeck, Rafa Xavier e Filipe Thales falam sobre desafios que empreendedores negros enfrentam no Brasil

crédito: Mannu Meg e Denys Lacerda/EM/D.A Press

O empreendedorismo negro no Brasil é caracterizado pela luta de um povo que ainda enfrenta a desvalorização e falta de oportunidade no mercado de trabalho. Dos 29 milhões donos de negócios no país, 51,8% se auto classificam como negros. Ainda que formando maioria, essa é a parte da população que mais sofre com a desigualdade de renda. Os empresários negros têm um rendimento médio 32% inferior ao dos brancos, segundo estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

À procura de entender como empresários negros enfrentam essas e outras entraves, o Estado de Minas acompanhou três donos de negócios, de diferentes segmentos de atuação, para mostrar os reflexos do racismo estrutural no empreendedorismo brasileiro e como iniciativas de sucesso têm criado oportunidades de profissionalização para futuros empreendedores.


Dificuldade de reconhecer-se

“Achava que teria um espacinho onde eu trançaria cabelos e faria uma grana mensal tranquila para pagar minhas contas. Nunca pensei que poderia me tornar empresária, ter múltiplas empresas e ser referência para milhares de outras profissionais.”

A empresária Rafa Xavier, de 26 anos, demorou para se reconhecer como dona de negócio no início de sua trajetória. Uma sensação comum entre a parcela da população que se torna empreendedora por necessidade de aumentar a renda devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho.

Em 2018, a jovem nascida no Bairro Serrano, Região da Pampulha de Belo Horizonte, começou a trançar cabelos, sem nenhum conhecimento prévio, com o objetivo de conquistar renda extra para pagar as despesas e se formar historiadora. Hoje, emprega oito pessoas no projeto digital e conta com 14 colaboradoras no salão de tranças Casa Nagô e no spa Maalum.

“Historicamente, existem desafios estruturais que precisam ser vencidos. Hoje, o empreendedorismo de pessoas pretas e pardas acontece muitas vezes como alternativa à dificuldade de inserção no mercado de trabalho”, afirma a consultora de negócios do Sebrae em Minas Gerais, Nilda Viana.

No entanto, segundo a analista de mercado, é necessário que as pessoas vejam as atividades que exercem com finalidade financeira como negócio e pensem em gestão. Caso contrário, colocam em risco o sustento delas.

 

Empreendedora, sim!

Essa virada de chave foi essencial na trajetória de Rafa Xavier. Após muito aprendizado e aprimoramento, novas oportunidades surgiram e, em 2020, ela fundou a Casa Nagô. Com a alta demanda pelos serviços de beleza, o espaço de tranças tornou-se também um local de formação, em que a trancista conciliou sua influência digital com sua formação de professora e passou a dar aulas ensinando como trançar cabelos. Um serviço que chamou de Trancista Academy .

“Já levava essas reflexões relacionadas às pautas raciais, socioeconômicas e do nosso trabalho para os meus seguidores. Essas coisas foram tomando proporções e outras mulheres de outros estados começaram a me seguir pela referência do trabalho em si e também pelas discussões que eu estava pautando”, comenta a historiadora.

Com a experiência à frente da Casa Nagô, Rafa começou a observar uma carência das mulheres pretas por lugares onde poderiam se arrumar para grandes eventos, com segurança e identidade, o que a levou a criar um novo negócio: a Maalum, um serviço de spa afro-referenciado.

A empresária Rafa Xavier, de 26 anos, demorou para se reconhecer como dona de negócio no início de sua trajetória.

A empresária Rafa Xavier, de 26 anos, demorou para se reconhecer como dona de negócio no início de sua trajetória.

Denys Lacerda/EM/D.A Press


Beleza e tecnologia

O próximo passo da empreendedora é transformar a Trancista Academy em startup e criar uma plataforma com o objetivo de ajudar na divulgação no mercado de trabalho, não só trancistas, mas de tantas outras profissões voltadas para a comunidade negra. Empreendimentos com o mesmo objetivo: equilibrar o econômico com a missão social.

De acordo com Nohoa Arcanjo, especialista em marketing, co-fundadora e líder de crescimento da Creators, instituição que potencializa a presença de criadores e marcas no mercado tecnológico, é ideal que o negócio do empreendedor digital esteja baseado na tecnologia.

“O ideal é que não seja um negócio que use tecnologia, mas que a tecnologia seja o negócio. Assim, tem mais chance de escalar, atender maiores clientes e ajudar na usabilidade, até na autonomia do usuário com o produto”, explica Nohoa.

Ainda segundo a comunicadora da empresa que atende grandes empresas como Google, PicPay, Mercado Livre, Carrefours, Nubank, o mercado tecnológico se caracteriza com bastante dificuldade para pessoas minoritárias. Pois, além de entender sobre códigos, algoritmos e desenvolvimento de software, é necessário ter acesso à tecnologias e equipamentos.


Cultura como ferramenta de transformação social

Ao falar de negócios com missão social, a assistente social e produtora cultural Fatini Forbeck e sua sócia, a produtora e publicitária Nathalia Trajano, procuram promover o compromisso com a casa Aquilombar. Inaugurada em novembro de 2023, no Bairro Lagoinha, Região Noroeste de Belo Horizonte, o espaço para eventos culturais tem como objetivo prezar pelo respeito à diversidade e acolher a cultura negra, periférica e LGBTQIAPN+.

Antes de ser um espaço de shows, Aquilombar é uma produtora cultural, fundada durante a pandemia de COVID-19, com foco em fomentar o setor voltado à comunidade negra. Mas com o fim do surto da doença, as donas perceberam na cidade a falta de um lugar convidativo para realizarem seus projetos. Assim surge a casa de eventos.

Empresárias e empresários de BH falam sobre o impacto do racismo nos negócios e como trabalham na construção de um futuro mais diverso.

Empresárias e empresários de BH falam sobre o impacto do racismo nos negócios e como trabalham na construção de um futuro mais diverso.

Mannu Meg/EM/D.A Press

“A gente não tinha uma casa onde pudéssemos realizar nossos eventos, era sempre alugando e os aluguéis em Belo Horizonte são muito altos. E, quando a gente propõe um evento, principalmente com recorte racial, esbarramos no racismo, porque dependendo da casa, existe uma revista truculenta, uma segurança truculenta, um olhar de que nós somos perigosos e no final as casas oferecem uma estrutura diferente do que oferece para outros eventos”, afirma Fatini.

Apesar da falta de referências com negócios na família, Fatini carrega um longo histórico e hoje se reconhece enquanto uma pessoa que empreende desde os 15 anos, quando produzia eventos na comunidade onde cresceu, no Bairro Ressaca, em Contagem. Mas teve certeza do poder da cultura como instrumento de transformação na faculdade de serviço social por formação teóloga.


A dor do racismo na pele

O caminho de Fatini, mulher preta, é cruzado constantemente pelo racismo estrutural. “Sinto isso na pele. Tanto que a minha sócia, que de acordo com os padrões da sociedade é uma mulher não preta, às vezes toma a frente das burocracias. Senti em todo o processo da obra, como os homens se comportavam, quando os fornecedores conversando comigo pediam para falar com o dono. Existe um espanto social”, relata.

Contudo, a assistente social não se deixa abalar e gosta de repetir um lema: “tenho corrido e vivido para que o meu teto seja o chão daqueles que estão por vir”. Essa resistência é essencial para incentivar o aquilombamento, ação de se juntar, se organizar e pertencer a um movimento. No setor de negócios não é diferente.

Apesar da falta de referências com negócios na família, Fatini carrega um longo histórico e hoje se reconhece enquanto uma pessoa que empreende desde os 15 anos.

Apesar da falta de referências com negócios na família, Fatini carrega um longo histórico e hoje se reconhece enquanto uma pessoa que empreende desde os 15 anos.

Denys Lacerda/EM/D.A Press

Para o jornalista, empreendedor e especialista em diversidade e inclusão Arthur Bugre, a dinâmica é primordial ao enfrentar as dificuldades na esfera empresarial.

“Não ficar isolado é muito importante, porque só quem sabe a dor que você passa para empreender sendo uma pessoa negra é outra pessoa negra. Talvez, algum colega não negro vai te ajudar, algum parente não negro vai vai colaborar, mas sentir o que você sente é só uma outra pessoa negra que também está tentando empreender e pagar as contas e também até escalar ali um negócio, enfim, crescer. Então, utilizar as redes sociais para isso. Não só para divulgar o seu trabalho, mas também para criar vínculos com a comunidade negra que já empreende”, afirma.

 

Negócios estabelecidos

Pensar em um modelo de negócios não é uma tarefa fácil. Nilda Viana, consultora do Sebrae, diz que ser inovador é essencial para conseguir sair do chamado estágio inicial.

O relatório executivo Empreendedorismo no Brasil em 2022, publicado pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), maior estudo sobre empreendedorismo no mundo, revelou que houve uma redução de 26% na taxa de abertura de empreendimentos em relação a 2021.

O recorte por cor mostra que a taxa de empreendedores brancos dentro da categoria novos (até 3 meses) subiu 27% entre 2021 e 2022. Entre os pretos e pardos, o índice foi de 7%. Porém, entre os estabelecidos (acima de 3 anos e meio), houve crescimento de 18% de empreendimentos comandados por pretos e pardos. Entre os brancos, a taxa caiu 17%.

O projeto Viva Lagoinha atua há 13 anos em BH, com ações que propõem a revitalização do Bairro Lagoinha e estratégias para mudar a imagem que as pessoas têm a respeito do local.

O projeto Viva Lagoinha atua há 13 anos em BH, com ações que propõem a revitalização do Bairro Lagoinha e estratégias para mudar a imagem que as pessoas têm a respeito do local.

Mannu Meg/EM/D.A Press

 

Economia criativa

O publicitário Filipe Thales, dono da empresa de economia criativa Viva Lagoinha, faz parte da taxa de empreendedores negros estabelecidos no mercado. O projeto atua há 13 anos em BH, com ações que propõem a revitalização do Bairro Lagoinha e estratégias para mudar a imagem que as pessoas têm a respeito do local.

A virada de chave para Felipe ocorreu quando chegou no bairro e entendeu o significado daquele espaço para os moradores, além da relação da região com a história de Belo Horizonte. Com isso, viu a oportunidade de se tornar um agente de mudança local.

O empreendedor detectou uma carência estrutural e de espaços culturais no bairro, o que abriu espaço para criar a Viva Lagoinha. A instituição alcança atualmente a capital a partir dos serviços prestados, como relações comunitárias, consultoria em comunicação, produção de eventos e colaborações.

Filipe Thales, publicitário e dono da empresa de economia criativa Viva Lagoinha, faz parte da taxa de empreendedores negros estabelecidos no mercado.

Filipe Thales, publicitário e dono da empresa de economia criativa Viva Lagoinha, faz parte da taxa de empreendedores negros estabelecidos no mercado.

Mannu Meg/EM/D.A Press

Enegrecer para mudar

Mesmo à frente de um negócio de sucesso na capital mineira, o caminho não foi fácil. Segundo Filipe, ter acesso a tecnologias e entender a linguagem empresarial foram os maiores obstáculos, que esbarraram novamente no racismo estrutural. “Tudo engloba uma única coisa, o racismo estrutural. Não existe outra explicação para o que subalterniza o negro e coloca ele sempre em posição de servidão”, afirma.

O empreendedor completa destacando a importância de discutir a cidade a partir da perspectiva preta, já que esses povos seguem em constante disputa por espaço: “Temos que enegrecer a política, os espaços de poder, os espaços de tomada de decisão, mais pretos e mulheres no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para gente mudar a estrutura.”