Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, todas as formas de violência contra a mulher aumentaram no Brasil durante o ano de 2022 -  (crédito: Freepik/Reprodução)

Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, todas as formas de violência contra a mulher aumentaram no Brasil durante o ano de 2022

crédito: Freepik/Reprodução

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para a advogada Fayda Belo, a estrutura patriarcal sobre a qual o Brasil foi construído faz com que mulheres, sejam elas negras, brancas, ricas, pobres, cis ou trans, não sejam capazes de identificar quando são vítimas de um crime.

 

"Não é questão de status, mas sobre uma herança histórica violenta, que oprime e mata as mulheres", diz ela em entrevista à reportagem.

 

 

Autora do livro "Justiça para Todas", ela considera que a sociedade brasileira foi criada com base na dominação masculina. Legitimada ao longo de séculos por instituições como a Igreja Católica, a polícia e a Justiça, ela coloca a mulher como inferior e indigna dos mesmo direitos que o homem.

 

Especializada em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídio, a advogada de 41 anos teve seu trabalho popularizado na internet durante a pandemia.

 

"Com o fórum fechado, eu comecei a ver mais vídeos online. Um dia, num ato de impulso, eu vi uma moça que falou algo errado, abri a câmera e falei: Epa! Não pode, não! Aí é crime!", conta, aos risos. O vídeo viralizou e a frase se tornou jargão.

 

Foi quando a advogada percebeu o interesse do público no direito, cuja linguagem é pouco acessível. Ela passou a traduzir seu conhecimento técnico para o cotidiano, e isso a levou a aparecer em rede nacional, explicando crimes em telejornais.

 

A mesma premissa é seguida em seu livro, lançado agora pela editora Planeta. É uma espécie de manual ou guia, que reúne o contexto das leis no Brasil, explica por que mulheres não sabem identificar quando são vítimas de um crime e aponta o papel do Estado nessa construção.

 

Os capítulos também apresentam violências das quais mulheres são vítimas cotidianamente. Não são raros os casos de mulheres apelidadas de forma depreciativa por seus cônjuges, que recebem avisos sobre o risco de apanhar caso desagradem um homem, ou que são elogiadas de forma desrespeitosa por um suposto admirador.

 

Muitas vezes banalizadas, essas violências são crimes contra a honra, a liberdade e a saúde, por exemplo.

 

"Escrevi para que as mulheres que não têm nenhuma relação com o direito pudessem compreender as leis e os crimes cometidos contra elas. Eu não falo para uma mulher pobre ou uma mulher rica, para uma branca ou negra, eu falo para todas as mulheres que não entendem a lei e precisam de ajuda", afirma Belo.

 

Para cada forma de violência apresentada no livro, a escritora cita o que diz a lei e identifica o artigo em que ele se insere, com apoio de ilustrações.

 

"Eu cresci vendo mulheres sendo violentadas", diz a autora. "Minha mãe foi, eu fui, mulheres do meu entorno foram, e isso fez com que eu sonhasse em ser uma advogada que defende mulheres. Só que, quando eu entrei para esse mundo da advocacia, vi que a gente fala inglês para o Brasil."

 

Belo conta ter amigas que vivem relações abusivas e sofrem violências como socos, tapas ou estupro, mas relevam ou têm medo de denunciar. "Elas foram educadas a dizer que o homem às vezes explode, mas amanhã passa. Que a prioridade tem que ser a família e é feio ser uma mulher largada pelo marido."

 

 

Isso se deve a uma cultura enraizada desde o período imperial, quando, para o Código Penal, um homem que estuprasse uma mulher só seria culpado de um crime se ela fosse virgem. Nesse caso, ele seria expulso de sua cidade, mas, se optasse por se caso se casar com ela, não sofreria nenhuma consequência. "Ou seja, a mulher recebia a pena de ter que viver pelo resto da vida com o algoz que invadiu seu corpo."

 

Na publicação, Belo conversa com as leitoras e rebate pensamentos frequentes que impedem a denúncia de agressões. A autora brinca que destacou partes do livro para que uma de suas amigas lesse, já que ela não a escutava.

 

Para a escritora, uma mulher que denuncia o companheiro não coloca em risco sua família, mas a protege. "Quando uma menina cresce em um lar onde a mãe é violentada, cresce achando que aquilo é o normal. E o menino acha que aquilo que o pai faz é normal dentro da relação. Ao denunciar, de alguma forma, a mãe vai estar ajudando seus filhos."

 

Por outro lado, completa a escritora, essa mulher cuidará de si mesma e garantirá a saúde emocional e financeira da família ao prevenir que as violências das quais é vítima prejudiquem seu desenvolvimento profissional.

 

JUSTIÇA PARA TODAS

 

- Preço R$ 54,90 (176 págs.)

 

- Autoria Fayda Belo

 

- Editora Planeta