Temos um representante da cidade que é o berço da legítima muçarela de búfala em Minas Gerais. Vincenzo Santaniello, fundador da queijaria Di Vincenzo, em Ibertioga, na Zona da Mata, é o entrevistado do podcast Degusta desta semana. Nascido e criado em Caserta, ao Sul da Itália, ele conta como foi crescer entre búfalas, a decisão de seguir a tradição centenária da família e o trabalho de mostrar a versatilidade da sua matéria-prima.
O pai de Vincenzo nasceu em Nápoles, em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, em um cenário de completa destruição. Por questão de sobrevivência, nonno Vincenzo, seu avô, mudou-se com toda a família para Caserta, a convite de parentes. E o que eles encontraram? Búfalas, leite, muçarela e um trabalho que se mantinha desde 1903. “Isso que deu a possibilidade ao meu pai de criar uma família.”
Desde cedo, Vincenzo aprendeu a fazer queijos. Não exatamente por interesse, era necessidade. Todos da família sempre guiam o mesmo caminho. Mas, incentivado pela mãe, holandesa, ele saiu de casa aos 18 anos para estudar economia de turismo e passou a viajar o mundo trabalhando em uma rede de resorts. Em 2013, veio parar em Porto Alegre (RS), onde conheceu sua esposa, Thais, que hoje é sua sócia na queijaria.
“Quando cheguei ao Brasil, como trabalhei especificamente na parte de alimentos e bebidas, tinha que me preocupar em procurar fornecedor e claro que ia procurar muçarela de búfala. Mas eu tinha dificuldade em ficar satisfeito. Então, isso ficou na minha cabeça, essa ideia de fazer a muçarela aqui.”
Como a vida dá voltas, em 2016, eles voltaram para a Itália. A mãe de Vincenzo estava doente e ele viveu um período “de experiência sabática” com a muçarela de búfala, trabalhando lado a lado com os tios. Naquele instante, voltou a sentir o prazer de comer o produto fresco.
“Na nossa região, o hábito de consumir muçarela de búfala fresca, de alguma forma, é muito parecido com o hábito de comer pão fresco. Um caseificio (queijaria) trabalha exatamente do mesmo jeito que uma padaria. Onze horas da noite chega o leite, meia-noite começa o processo. Lá pelas seis horas da manhã tem que estar tudo pronto. Você abre a sua lojinha e vende a muçarela que acabou de produzir.”
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De volta a BH
Em 2018, Thais recebeu uma proposta de trabalho de um hotel em Belo Horizonte e a família se mudou novamente. Vincenzo já não tinha mais vontade de voltar para a hotelaria. Fazer queijos, no entanto, nem parecia ser uma possibilidade.
Vincenzo Santaniello nasceu e cresceu em Caserta, ao Sul da Itália
Só que, no dia da inauguração do hotel, ele se sentou na mesa do chef, um italiano. Conversa vai, conversa vem, foi “descoberto”. “Peraí, mas você é do caseificio do nonno Vincenzo?”, foi questionado. “Quando ele era novo, fez estágio em um restaurante com não sei quantas estrelas Michelin, na Costa Amalfitana, e comeu todos os dias a nossa muçarela fresca”, explica.
Logo, veio o incentivo: não quer tentar fazer a muçarela em Minas? Vincenzo ligou para o tio na Itália, que passou o telefone de um pesquisador de búfalos da UFMG, que indicou um fazendeiro com queijaria em Fortuna de Minas, na Região Central. Ele tinha leite fresco de búfala todos os dias, e em excesso. Sua primeira muçarela surgiu depois de quatro meses de testes.
“Demorou porque o meu propósito é preparar a muçarela de búfala como se faz na nossa região, que é através do uso de soro-fermento. E o soro-fermento é um ingrediente muito complicado, é muito difícil de lidar com ele.” Soro-fermento é o pingo do nosso Queijo Minas Artesanal (QMA).
Acolhidos pela natureza
O primeiro cliente, claro, foi o chef do hotel. A notícia de que havia muçarela de búfala fresca em BH se espalhou, as vendas só cresciam – primeiramente, dentro da comunidade italiana – e Vincenzo decidiu apostar na queijaria, resgatando a tradição da família. Foram dois anos até encontrar uma pequena fazenda em Ibertioga, a 287km da capital.
“Foi amor à primeira vista”, conta. “Era muito mais longe do que a gente estava planejando, só que aprendi que não é você que escolhe o terreno, é a terra que te acolhe, que te abraça. Fomos acolhidos e abraçados pela beleza da natureza.”
A queijaria começou a funcionar em março de 2023. Vincenzo participa pessoalmente da produção, que ocorre durante a madrugada, e traz de carro para BH as encomendas. Hoje, ele já tem uma criação experimental de búfalas e a expectativa é migrar para o leite próprio até o fim do ano que vem.
Muitas bocadas
Como é de se esperar, a muçarela de búfala fresca é a rainha do cardápio da Di Vincenzo. O nome em italiano, bocconcino, vem de boccone, que literalmente se traduz como bocado, já que é moldada em bolinhas. Como identificar seu frescor? Ela deve ser lisa, brilhante e elástica.
Dos frescos aos defumados e curados, a queijaria Di Vincenzo mostra que o leite de búfala pode assumir diferentes personalidades, dependendo da receita
“A muçarela de búfala fresca, por características próprias do leite, é mais chicletosa. Quando você morde, ela faz um barulho entre os dentes. Mas, à medida que o tempo passa, ela ganha cremosidade. Continua gostosa, mas isso é sinônimo de uma muçarela que não é mais fresca”, acrescenta.
Além da muçarela fresca, a queijaria produz outros nove tipos de queijos, mostrando que uma única matéria-prima pode assumir diferentes personalidades, dependendo da receita. Entre as criações, muçarela em barra (curada por, no mínima, 14 dias), próvola (defumada na palha de trigo), provolino (clássico provolone) e caciocavallo (“irmão” do cabacinha mineiro).
Também estão na lista a amada burrata e sua versão defumada. Do lado de fora, uma “bexiga” de muçarela. Por dentro, creme de leite de búfala integral fresco com fiapos de muçarela. O recheio, que se chama stracciatella, pode ser vendido separadamente.
Vincenzo faz uma homenagem a Minas com o queijo frescal – na sua região é chamado de “primo sale”. Completa o cardápio a ricota, bem suculenta e com um sabor extremamente suave.
Serviço
O programa é quinzenal e vai ao ar sempre às segundas. Acesse o canal do Portal UAI no YouTube ou o Spotify para assistir ao episódio completo.
