"Tannat é par ideal para carnes gordurosas, imagino que deve funcionar até com um corte de porco com mais gordura. Fiz uma costela de tira Angus, carne marmorizada, que casou perfeitamente", Agnes Farkasvölgyi, Chef do bistrô A Casa da Agnes

crédito: arquivo pessoal

 

Influências europeias e indígenas são marcantes na culinária uruguaia. Os pratos têm simplicidade e alta qualidade dos ingredientes. A carne bovina é a paixão nacional. Quem não conhece a parrilhada? A morcilla, a linguiça de sangue temperada ou o pancho, a versão uruguaia do cachorro-quente. Quanto às bebidas, entre as típicas e que revelam a alma uruguaia estão a erva (semelhança com o chimarrão no Brasil), o medio y medio (mistura de espumante e vinho seco), cleticot (variação da sangria espanhola), o fernet (composto de ervas, bebida escura, amarga e 40% de teor alcoólico), a grappmamiel (mistura de mel e grappa, doce) e, claro, o vinho tannat. A chef Agnes Farkasvölgyi, do bistrô A Casa da Agnes, criou um menu de degustação para celebrar um jantar com a variação de vinhos do Uruguai.


“Não sou especialista, mas ‘bebedoura’ dos vinhos uruguaios, que têm semelhança com os produzidos no Sul do Brasil e Norte da Argentina por causa do clima, sem falar da cordilheira. São vinhos especiais. E confesso que o Sauvignon Gris me surpreendeu, é um vinho branco leve, agradável para o clima do Brasil, com esse calorão. Tem ainda blends interessantes como o cabernet franc com tannat que, realmente é emblemático e uma uva que vai evoluir, estranha e legal”

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Quanto à harmonização, Agnes destaca que não é complicada: “O blend tannat mais o rosé é ideal para comida tailandesa, picante. Como é uva branca, até realça a pimenta, mas diferente do tinto. Como cozinheira, os brancos em geral, o Sauvignon Gris e o Sauvignon Blanc são interessantes, perfeitos com os queijos mineiros. Já para a comida mineira, gordurosa, aceita bem os tintos e potentes. O tannat é par ideal para carnes gordurosas, imagino que deve funcionar até com um corte de porco com mais gordura. Fiz uma costela de tira Angus, carne marmorizada, que casou perfeitamente. Enfim, tenho testado as combinações com o vinho uruguaio e resolvi colocar no Bistrô e tem tido saída”, explica a chef.


Ao falar da sobremesa, Agnes recomenda a harmonização do doce de leite com o sauvignon gris pela leveza: “Para o doce, o ideal é vinho branco suave, refrescante ou o frutado que não vai brigar. Por isso, o espumante é muito lembrado na hora da sobremesa”. Agnes destaca ainda que cada vez mais o mineiro se torna apreciador do vinho: “Percebo que existe este desejo de tomar mais vinho, e melhor, de qualidade. E do Uruguai há várias opções elegantes. Para quem está começando, indico iniciar pela taça para acompanhar o prato. O aprendizado vem com o tempo, sentindo o vinho na boca, o que combina e não combina. É sentir. A palavra final é da sua língua”, ensina.


17 RÓTULOS

A Wine foi fundada em 2008. A empresa, que já nasceu online há 15 anos, ousou investir em vinho no país da cerveja e atualmente é o maior clube de assinatura de vinhos do mundo. E tem 17 lojas físicas no Brasil, incluindo uma em BH, que foi a primeira unidade aberta pela marca. Daniele Santos, supervisora da loja Wine BH, destaca que há portfólio diversificado de vinhos uruguaios que trazem a uva tannat em diferentes versões e níveis de complexidade, além de outras castas que também se desenvolvem bem no país, como a merlot, a marselan e a viognier, capazes de agradar os paladares mais curiosos e exigentes.


“A seleção de vinhos é feita pelos nossos Winehunters por meio das vinícolas parceiras, como Finca Traversa e Pueblo del Sol. Além de trabalharmos com vinhos do portfólio dessas vinícolas, temos exemplares desenvolvidos exclusivamente para nossos sócios no Clube Wine, que também integram o portfólio das lojas. Na Loja de BH, cerca de 17 dos quase 570 rótulos são uruguaios. Destacam-se as linhas Finca Traversa e Pueblo del Sol, além da Viña Salort”.


Daniele Santos assegura que os vinhos do Uruguai têm grande procura na loja de BH, não apenas pelo preço, que é acessível, mas também pela qualidade que entregam: “Os clientes procuram a tannat, uva emblemática da região, mas têm interesse em outros rótulos, principalmente, vinhos brancos. O carro-chefe é o pueblo del sol viognier, que caiu no gosto dos mineiros, seguido do pueblo del sol tinto, na uva marselan”. Ela ressalta que os rótulos uruguaios do portfólio da Wine compreendem uma faixa mais voltada para os vinhos de entrada, com preço médio de R$ 69,90.


Rafael Lima, que também é pesquisador de vinho, diz que o produzido no Uruguai não teve entrada tão forte no Brasil, mas é reconhecido e tem potencial para alçar patamares elevados: “O vinho uruguaio bate de frente com concorrentes de vinícolas argentinas e europeias. Faltam marketing, conhecimento e cultura que impulsionem venda e consumo. Em BH, temos uma base boa de clientes e estamos certo da mudança. E não é só o vinho com a uva tannat, a emblemática, mas a cabernet sauvignon, cabernet franc, sauvignon blanc e a sauvignon gris, rara e muito saborosa, é natural, não é enxerto e ocupa 1% da nossa produção”, ressalta.


Ele frisa que o mineiro é consumidor de vinho, ao contrário do que muitos imaginam: “Consome bem. No entanto, reconheço que no Brasil, de maneira geral, o vinho ainda está relacionado com ocasiões especiais, celebrações e não no dia a dia. No entanto, esse cenário tem mudado e uma taça de vinho tem entrado na rotina de muitos”, destaca.


“BH e Minas são mercados fortes para testes, ainda que cada região tenha sua particularidade. Com a abordagem certa, o vinho uruguaio cada vez mais terá seu espaço. Hoje, fabricamos 700 mil litros/ano com a nossa capacidade de produção e podemos atender o mercado brasileiro perfeitamente”, emenda.


VINHO E CHURRASCO


O CEO da Zuur Corp destaca ainda que, atualmente, de 70 a 80% da produção de vinhos do Uruguai têm como destino os Estados Unidos, ao menos os produzidos nas maiores vinícolas do país, as mais conhecidas: “São voltados para o paladar americano”. Então, há um paladar de vinho para cada país? Rafael Lima afirma que sim e, então, qual seria o brasileiro? “Diante da diversidade do Brasil, regiões, climas, cidades, há diferentes paladares, também influenciado pela culinária local. No Nordeste, por exemplo, o branco e o rosé têm mais saída; no Sul e Sudeste, o tinto tem mais espaço”, conta.


“Há combinações para todos os paladares e acredito que logo o consumo do vinho vai ser tornar um hábito para o brasileiro de todas as partes do país. Tomar uma taça de vinho no almoço. É um processo. No churrasco, em vez da cerveja gelada, saibam que o vinho tannat é uma combinação perfeita”, segundo ele.


Para Rafael Lima, o desafio “é mostrar que vinho uruguaio não quer dizer vinho inferior. A qualidade é equivalente aos melhores rótulos, com vinícolas com mais de 100, 200 anos. Pela extensão do país, a produção é menor, falta melhor divulgação, muitos só associam ao tannat, acham pesado, mas há outras maravilhas para experimentar”, recomenda.

 

HARMONIZAÇÃO NA COZINHA

José Carlos Junior, diretor da Associação Brasileira de Sommeliers Minas (ABS Minas), sommelier, professor de viticultura do Uruguai e fundador do Doutores do Vinho, reforça que a tannat é a uva emblemática dos uruguaios, com gosto potente por causa do alto teor de tanino, que dá a “sensação de banana verde”: “Por anos, o Uruguai teve dificuldade com essa uva, de origem francesa. No entanto, conseguiram um bom desenvolvimento na madeira tornando o vinho mais gostoso, palatável do que o produzido na França. Assim, se destacou e adotou a tannat como referência no país”, conta.


Ao pensar na gastronomia, José Carlos Junior explica que a parrilha uruguaia é fato fundamental no vinho: “A parrilha do Uruguai é feita na lenha, diferentemente da do Rio Grande do Sul, por exemplo, que é no carvão. E fica bom com o vinho, que tem passagem por madeira, em barris de carvalho francês e americano. O barril dá um gosto defumado, um toque de fumaça, que tem tudo a ver com a parrilha a lenha, que solta fumaça e resulta na harmonização por semelhança, perfeita. Temos duas harmonizações, por semelhança, neste caso, e a por contraste, caso do sal com o doce, o queijo com a goiabada”.


José Carlos destaca ainda que o vinho com a uva tannat casa bem com prato com potência de sabor e acidez. Ele sugere a feijoada, massas com molhos condimentados, pratos com bacon, cordeiro, picanha, carnes mais gordurosas: “O alerta é para ter cuidado com a pimenta. Esse vinho irá realçar, potencializar a pimenta na boca. Então, cuidado com prato apimentados, com a culinária baiana, mexicana. Casa bem com pratos da comida mineira, como o torresmo de barriga. O tanino, com a sensação de banana verde como já destaquei, combina bem com proteínas, carnes, cogumelos e, pela acidez natural, limpa o paladar no caso das carnes gordurosas”.


O sommelier ressalta ainda que a harmonização também é questão de ajustes na temperatura do vinho: “Não a ambiente, mas entre 14 e 18 graus pensando no tannat. Mas o consumidor não precisa se prender a detalhes. Explico: em um churrasco, por exemplo, a carne quente com cerveja gelada, entre menos 4 ou menos 5 graus, congela as papilas e, portanto, a pessoa vai sentir menos o sabor tanto da carne quanto da cerveja. Já com o tannat, a presença do tanino vai limpar o paladar e sentirá todos os sabores, vai perceber melhor os temperos.”

 


EXPORTAÇÃO PARA O BRASIL

De acordo com José Carlos, “cerca de 70% da exportação do Uruguai vêm para o Brasil. Muitas pessoas buscam novidades e o vinho uruguaio é um investimento. E não só o rótulo com tannat, há outros bons destaques, como o Cabernet Franc, alguns produzidos ao norte do Uruguai, quase divisa com o Brasil”. Por causa da produção pequena, José Carlos aponta que os vinhos uruguaios não são baratos, o que pode afastar um consumidor iniciante, diante da variedade de rótulos dos argentinos e chilenos: “O posicionamento do vinho do Uruguai começa em R$ 100 e o céu o limite, pode chegar a R$ 2 mil “.

O Uruguai tem o clima ideal, com a intensidade de sol, mas um pouco mais frio e marítimo por ser influenciado pelo Oceano Atlântico, pelas correntes e ventos frios da Antártida. Banhado pelo Rio da Prata e pelo Atlântico, a maior parte da atividade vinícola está ao sul do país. Montevidéu e Canelones são as regiões de maior destaque, mas San José e Colônia del Sacramento são também centros vinicultores importantes. Aliás, as plantações de uvas viníferas estão em praticamente toda a extensão do Uruguai, ou seja, em 16 dos 19 estados há áreas de cultivo.


O diretor da ABS Minas fez uma seleção e ressalta: “As uvas que selecionei são focadas no Uruguai, na verdade, em países de clima quente e temperado, porque variaram em potência, cor, acidez e tanino conforme a região em que estão plantadas por conta do solo, mas principalmente por causa do clima. Em regiões mais quentes, como Mendoza, na Argentina, fazem vinhos malbec de cor, potência e álcool maiores do que o malbec produzido em Cahors, na França”, conta.


“Da mesma forma, o vinho com tannat do Uruguai vai ter mais cor, potência e álcool do que o produzido em outras partes mais frias do planeta. Quanto mais sol e quente o lugar, mais a uva amadurece e ela terá mais açúcar e fará vinhos diferentes. E a casca também vai ter características desta luminosidade e calor”, completa José Carlos.