O cenário deveria ser de festa, mas é de apreensão. Nesta terça-feira (16/12), o Galpão Cine Horto recebe a pré-estreia do documentário que revisita seus 27 anos de história. Ao mesmo tempo, o centro cultural vive a ameaça de despejo. Após quase três décadas de aluguel, o imóvel no Bairro Horto foi colocado à venda pelo proprietário.
Chico Pelúcio, um dos fundadores do Grupo Galpão, diz que a situação é crítica. “Estamos prestes a ser despejados. A gente precisa comprar este prédio”, afirma.
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O grupo aguarda resposta do poder público para viabilizar a aquisição. “Estamos esperando a sensibilidade da prefeitura para encaminhar essa possibilidade. Espero que ela se mobilize para buscar uma solução.”
Cine Horto, em 1993: imóvel degradado antes da reforma realizada pelo Galpão, que transformou o prédio no Centro Cultural Galpão Cine Horto
De acordo com Pelúcio, já existe uma entidade disposta a aportar recursos para que a Prefeitura de Belo Horizonte compre o imóvel, que seria repassado ao Galpão por meio de comodato. O impasse está na falta de posicionamento oficial. “O dinheiro existe. O que falta agora é a decisão da prefeitura”, diz.
Eduardo Coutinho veio a BH gravar documentário com o Grupo Galpão
“Sair do aluguel significaria a reforma e a ampliação do Cine Horto, mais segurança e menor custo de manutenção. Significa a nossa continuidade. Caso contrário, corremos o risco de virar mais um morador de rua de Belo Horizonte”, alerta.
Plateia lotada do Festival Cenas Curtas, no Galpão Cine Horto
Em março de 1998, o Galpão Cine Horto nasceu da transformação do antigo cinema da década de 1950 no centro cultural que hoje ocupa o prédio azul e laranja da Rua Pitangui. Idealizado como espaço de formação, encontro e apresentações, o local recebeu 3 mil apresentações e cerca de 250 mil espectadores.
Documentário conta a história do Galpão Cine Horto
Em meio ao imbróglio, o documentário “Como atravessar paredes: a história do Centro Cultural Galpão Cine Horto”, de 70 minutos, percorre a história do espaço, com depoimentos de artistas, técnicos, ex-funcionários e integrantes da equipe atual, além de imagens de arquivo preservadas pelo Centro de Pesquisa e Memória do Teatro, que completa 20 anos em 2025.
O aniversário do centro motivou a realização do filme, que integra uma série de ações de preservação desenvolvidas pelo Galpão Cine Horto. Este é o quarto documentário produzido lá. Os anteriores abordaram os primórdios do teatro em Belo Horizonte, o Festival de Cenas Curtas e o Oficinão.
Chico Pelúcio assina direção e roteiro ao lado de Henrique Vertchenko, Marcos Coletta e Rodolfo Magalhães. “Sou, talvez, o dinossauro quase tombado dessa história. Fui ajudando a lembrar pessoas, imagens, situações. Foi um exercício de memória”, diz.
Buraco e ruína
O documentário revela o estado precário do imóvel no início das atividades. “Aqui era um buraco. Tudo preto, escuro, arrebentado. Era uma ruína”, lembra Pelúcio. O prédio abandonado, sem estrutura elétrica, era tomado por sujeira e pragas. Se o contrato com o Galpão não fosse assinado, o espaço se tornaria sede de uma igreja.
Atores do Grupo Galpão ensaiam a peça '(Um) Ensaio sobre a cegueira', no palco do Galpão Cine Horto, em abril de 2025
A reforma, conduzida a partir do projeto de Raul Belém Machado, marcou o início da transformação do espaço. Imagens de arquivo resgatam a festa de inauguração do Galpão Cine Horto, revelando a precariedade dos primeiros dias. O prédio estava praticamente vazio, com apenas as paredes erguidas. A abertura ocorreu em março, em pleno calor, sem ar-condicionado. Para driblar o desconforto, o grupo produziu leques com a frase “o espetáculo não pode deixar de começar”.
No verso, os leques traziam a lista do que faltava para o funcionamento básico do espaço, como piso de madeira nas salas de aula, mesa de luz, mesa de som e refletores. A estratégia incluía também o convite a autoridades de Belo Horizonte para a inauguração, na esperança de que alguém se sensibilizasse e decidisse colaborar com doações.
Espaço de experimentação
Naquele período, Belo Horizonte contava com poucos teatros multimeios, especialmente espaços que fugissem do modelo italiano tradicional. O Cine Horto surgiu para ocupar essa lacuna. Até hoje segue aberto à experimentação, onde artistas e diretores podem reorganizar as arquibancadas com rodinhas, desmontando e remontando o espaço conforme a proposta de cada trabalho.
Chico Pelúcio diz que boa parte das novas gerações do teatro belo-horizontino passou, de alguma forma, pelo Cine Horto. Condensar quase três décadas de história em pouco mais de uma hora de filme, segundo ele, foi um dos maiores desafios do documentário.
Teatro Candango, grupo de Brasília, se apresenta no projeto Galpão Convida, em 2008
“São tantas pessoas que colocar isso num filme de uma hora e dez minutos é um exercício de sofrimento. Quem você vai cortar, que história vai deixar de fora, de que projeto vai falar menos ou mais? É muita coisa, mas acho que a gente conseguiu passar a ideia geral de tudo o que foi feito”, afirma.
Continuidade
Para Pelúcio, manter o Cine Horto em funcionamento é uma questão de continuidade. Segundo ele, projetos ligados à arte, à cultura e à educação não se constroem no curto prazo e dependem de permanência.
“É preciso dar sequência, criar hábitos, calendário, dados. Isso fortalece o campo cultural e também a economia criativa”, afirma. Sem a garantia de um espaço, acrescenta, todo esse percurso fica ameaçado.
“COMO ATRAVESSAR PAREDES”
Documentário sobre a história do Centro Cultural Galpão Cine Horto. Direção e roteiro de Chico Pelúcio, Henrique Vertchenko, Marcos Coletta e Rodolfo Magalhães. Exibição nesta terça-feira (16/12), às 19h30, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto)
