Chico César viveu uma odisseia para lançar seu disco de estreia, “Aos vivos” (1995). Hoje clássico da MPB, com os hits “À primeira vista” e “Mama África”, o álbum foi rejeitado pelas gravadoras Tinnitus (responsável por lançar Chico Science e Nação Zumbi) e Velas (que posteriormente toparia lançá-lo), porque as faixas haviam sido registradas ao vivo, no formato voz e violão.

“O Ivan Lins (sócio da Velas ao lado de Vítor Martins e Paulinho Albuquerque) ficou muito admirado, mas achava um desperdício lançar as músicas do jeito que foram gravadas. Ele achava que eu tinha de voltar para o estúdio e gravar com banda”, lembra Chico.

O cantautor chega a Belo Horizonte para apresentar o show dos 30 anos de seu primeiro álbum, nesta quinta-feira (4/12), no BeFly Minascentro, ao lado da Nova Orquestra. O espetáculo recria a íntegra do repertório com novos arranjos e será registrado para o projeto audiovisual da turnê.

Lançado em maio de 1995, a história de “Aos vivos” começou muito antes. Antes mesmo da própria gravação, feita no ano anterior, na Funarte de São Paulo.

“É um disco que começa várias vezes”, diz o músico. “Eu me lembro de fazer shows com as músicas do ‘Aos vivos’ antes de 1994. Foi toda uma construção que desaguou no disco. A partir daí, as pessoas começaram a ter um objeto palpável ao qual recorrer”.

Naquele momento, Chico já rodava o país com sólida base de fãs. A ideia era fazer o álbum de estreia no estúdio, com banda e produção de André Abujamra. Mas não deu certo. Sem dinheiro para pagar as sessões de gravação, o paraibano registrou voz, violões e guitarras como pôde. Os primeiros takes foram feitos na casa de André e da então esposa, a cineasta Anna Muylaert. Ali gravaram percussões, guias e loopings em cartucho.

Em determinado momento, o produtor disse que Chico precisava de um estúdio grande, com boa acústica, para registrar voz e violões de forma adequada.

Ele procurou Egídio Conde, dono do estúdio móvel Audiomobile, uma Kombi equipada para gravar shows e festivais. Egídio explicou que não tinha estúdio físico e sugeriu gravar um show, de preferência voz e violão.

“Saí decepcionado, mas acabei entrando na pilha de gravar disco ao vivo. Resolvi testar se o Egídio gravaria mesmo. Consegui um lugar para o show lá na Funarte, voltei a falar com ele. Fiz três apresentações e ele gravou duas, com a plateia composta por amigos que já iam aos shows que eu fazia: Suzana Salles, Ná Ozzetti, Zeca Baleiro, Miriam Maria, Tata Fernandes”, recorda.

Acabou a paciência

Com a gravação pronta, faltava lançá-la. Veio outro capítulo da saga. Até maio de 1995, quando “Aos vivos” finalmente saiu pela Velas, houve de tudo: tentativa da gravadora de refazer o disco no Rio, a ideia de inserir percussão por cima das gravações da Funarte, distribuição de vale-disco para testar a aceitação do formato ao vivo.

Sem dinheiro e já sem paciência, Chico deu o ultimato: “Se vocês não quiserem, vou lançar de maneira independente”. Funcionou. Dois dias depois, a Velas o chamou para assinar contrato.

“Aos vivos” foi bem recebido por público e crítica, que o considerou ousado pela estreia radicalmente autoral no mercado dominado pela lógica das grandes gravadoras.

O outro Nordeste 

Chico resgatou ritmos nordestinos sem folclorizá-los, combinando tradição e modernidade. Revelou uma poesia urbana e ao mesmo tempo profundamente enraizada. Natural de Catolé do Rocha (PB), ele apresentou o Nordeste não como reminiscência, mas como vanguarda popular.

“À primeira vista”, “Mama África” e “Alma não tem cor” (de André Abujamra) permanecem no repertório do artista ainda hoje, são regravadas por diferentes intérpretes e figuram em playlists das plataformas digitais.

Com três décadas de carreira e 23 álbuns, Chico César é um dos compositores mais prolíficos do país. Além de lançamentos praticamente anuais, participa de gravações de outros artistas e mantém projetos com identidade própria, como os discos “Vêtu d'amour”, gravado na França, e “Belezas pra nós”, parceria com os argentinos Maria Rojobarcelo e Esteban Blanca.

“Gilberto Gil me inspira muito nesse sentido. Ele também é artista nordestino, preto, afrodiaspórico, nascido no interior. Em muitos discos dele, o violão está na frente. Em outros, vem com banda. Tem canções mais estranhas e outras que flertam com o pop. Tem música nordestina, africana e jamaicana, além do jeito de tocar violão inspirado em Baden Powell. Não estou me colocando no mesmo patamar dele. Só estou dizendo que o meu estilo é também essa variedade”, afirma.

Lira paraibana

Tal variedade poderá ser vista no primeiro semestre de 2026, quando Chico César lançará o que chama de “A lira dos 20 anos”.

“São canções feitas na época em que eu vivia na Paraíba, tinha entre 18 e 20 anos. Elas nunca entraram em disco nenhum. São muito rebuscadas, meio difíceis de tocar, de cantar e também de ouvir”, brinca.


FAIXA A FAIXA

• “Béradêro”


• “Mama África”


• “À primeira vista”


• “Tambores”


• “Alma não tem cor”


• “Dúvida cruel”


• “A prosa impúrpura do Caicó”


• “Saharienne”


• “Benazir”


• “Mulher eu sei”


• “Clandestino”


• “Templo”


• “Paraíba”


• “Dança”


• “Nato”

 

CHICO CÉSAR E NOVA ORQUESTRA


Show “30 anos de 'Aos vivos'”. Quinta-feira (4/12), às 21h, no BeFly Minascentro (Av. Augusto de Lima, 785, Centro). Ingressos: R$ 460 (setor 1, 3º lote, inteira) e R$ 340 (setor 2, 3º lote, inteira). À venda na plataforma Sympla. Meia-entrada na forma da lei.

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