Maria da Luz é uma atriz que está viajando sozinha de carro, voltando do interior para Belo Horizonte, onde está prestes a estrear uma peça teatral ao lado do marido. Em determinado ponto da estrada, o veículo apresenta um problema.
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Ela procura o local mais próximo para telefonar para o companheiro e acaba encontrando um hospital psiquiátrico. Ao chegar lá, é confundida com uma paciente e trancafiada, passando a enfrentar insalubridade, ausência de médicos e sessões de eletrochoque.
Esse é o mote de “Ligação perdida”, que a Vinci Teatro Inventivo estreia nesta sexta-feira (21/11), na Funarte, onde permanece em cartaz até a próxima terça-feira. Criada por Cíntia Badaró e Vinicius Alves, com apoio de Raquel Castro, a montagem se propõe a ser um espetáculo imersivo, no qual o público entra fisicamente na cena e altera os rumos da narrativa.
Em cena, Cíntia Badaró interpreta Maria da Luz, a atriz confundida com a paciente do hospital psiquiátrico e submetida a várias formas de maus-tratos. Ela, no entanto, não contracena com outros atores, e sim com 35 caixas de som espalhadas pela plateia.
Caixas de som
“Todos os outros personagens que participam dessa história estão nessas caixas de som”, explica. “Eu converso com todos esses sons. E isso tem várias leituras. Podem ser personagens que atravessam a vida da protagonista, ou vozes da cabeça dela – ou até mesmo da cabeça do público. Porque a gente não tem certeza se ela tem ou não alguma questão psiquiátrica”, afirma.
Os dispositivos não reproduzem apenas vozes. Ruídos e músicas também são emitidos por eles, ajudando a costurar a trama e a criar atmosferas. “Se é dia, tem um som específico que sugere isso. Se é noite, outro. Tem passarinhos cantando, barulho de construção… um monte de coisa”, comenta a atriz.
A peça é livremente inspirada no conto “Só vim telefonar”, de Gabriel García Márquez, que acompanha o drama de uma mulher confundida com uma paciente psiquiátrica. No entanto, incorpora relatos reais de maus-tratos e abandono ocorridos no Hospital Colônia, em Barbacena, documentados no livro-reportagem “Holocausto brasileiro”, de Daniela Arbex.
Sessões de eletrochoque
Uma vez internada, a Maria da Luz é lançada em um ambiente completamente hostil a ela e às demais internas. No dormitório, não há camas suficientes para todas. Faltam cobertores e roupas de frio para enfrentar as temperaturas baixíssimas. Para agravar a situação, a protagonista passa por constantes sessões de eletrochoque e toma injeções cujo propósito desconhece.
“É uma verdadeira prisão”, diz Cíntia. “E tentamos construir esse cenário com diferentes elementos.” Além da dramaturgia sonora e dos recursos cênicos que reforçam a ambientação, os cheiros também são utilizados, como o odor de chuva e o cheiro desagradável do hospital.
“Durante a pesquisa, nos deparamos várias vezes com relatos sobre o cheiro horrível desses espaços. Não havia limpeza. Era abandono absoluto. Então, quisemos reproduzir isso pelo cheiro também”, conta a atriz. “Mas nada que vá fazer o espectador querer ir embora”, pondera.
O desfecho fica nas mãos da plateia. Existem quatro possibilidades de final que se desenham a partir das escolhas feitas pelo público ao longo do espetáculo. “O mais legal é que isso permite às pessoas voltarem para assistir a uma outra peça, com um final completamente diferente”, comenta Cíntia.
“LIGAÇÃO PERDIDA”
De Cíntia Badaró, Vinicius Alves e Raquel Castro. Com Cíntia Badaró e as vozes de Danielle Sendin, Diogo Horta, Eberth Guimarães, Gláucia Vandeveld, Isabela Arvelos, Natália Moreira, Raquel Castro e Vinicius Alves. Desta sexta-feira (21/11) a terça, sempre às 20h30, na Funarte (Rua Januária, 68, Centro). Ingressos à venda por R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia), na bilheteria do teatro e pelo Sympla.
