Como filmar a história de grandes artistas e as imagens que produziram? Como colocar em movimento obras de arte originalmente estáticas? Ainda: é possível preservar o encanto de um objeto artístico quando ele passa a ser observado através de um filme? Cineastas importantes, de Maurice Pialat a Tim Burton, passando por Straub e Huillet e Michelangelo Antonioni, vêm esboçando, com seus filmes, respostas para essas questões.
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O documentário “Maldito Modigliani”, de Valeria Parisi, oferece uma visão original sobre essas questões. Instigante, o retrato do artista italiano Amedeo Modigliani é estruturado por relatos da pintora Jeanne Hébuterne, última companheira de Modigliani, e inclui cenas com atores e atrizes caracterizados como o artista e suas amantes – além de Hébuterne, a poeta russa Anna Akhmátova e a jornalista e poeta britânica Beatrice Hastings, abundantemente retratadas por ele.
A realizadora se apoia em pesquisas e entrevistas com especialistas para imaginar situações e sentimentos de Hébuterne diante de diferentes passagens da vida do artista, desde que deixou sua Itália natal, em 1906, para se instalar em Paris, onde se conheceram.
Imagens do cinema dos primeiros tempos acompanham todo o filme, que reconstitui a cena artística do início do século 20, quando a obra de Modigliani floresceu.
Rostos ovais
Autor de retratos inconfundíveis, com rostos ovais, longos pescoços e olhos vazados, Modigliani teve uma vida pobre – e curta – em Paris. O título do filme retoma o apelido, “Modi”, que, em francês, soa como “maldito”, “maudit”.
O artista viveu na pobreza e fez raras vendas em vida. Os poucos francos que recebia contrastam com os valores que suas telas atingem em leilões recentes, mais de US$ 100 milhões.
Modi conviveu com Picasso, Brancusi, Soutine e outros artistas que reinventavam a arte do século passado. Na comparação com o cubista espanhol, mais impulsivo e instintivo, Modigliani é visto como um intelectual de gestos bem pensados. Sem material para pintar nos anos de guerra, Picasso teria usado uma tela de Modigliani como base para uma criação sua. Depois da morte do amigo, comprou de um marchand uma obra sua, como provável reparação.
Por meio de Modigliani, o filme descortina personagens saborosos do mundo das artes, que renderiam novos filmes. Um deles é o britânico John Myatt. Entrevistado por Parisi, ele conta como falsificou telas do italiano, vendidas com sucesso. “Eu precisava ser cuidadoso com os contornos e depois preencher tudo em poucas horas”, diz ele. Myatt foi preso pela Scotland Yard nos anos 1990 e hoje vive como artista.
Em determinado momento, Modigliani aproximou-se de Brancusi e começou a trabalhar a escultura. Mas o pó do mármore e do gesso logo enfraqueceu os pulmões de Modi, depois acometido pela tuberculose, que lhe faria sucumbir aos 35 anos.
Tantas vezes retratada pelo companheiro, com os olhos desprovidos de pupila, como se seu rosto fosse uma máscara, Hébuterne aparece, no fim do filme, como uma pintora por inteiro, autora de uma obra promissora.
Ela morreu aos 21 anos. No filme de Valeria Parisi, a história de Modigliani é também a da mulher que queria aprender a pintar junto com os homens – e que não sobreviveu à perda do amor de sua vida. (Lúcia Monteiro)
“MALDITO MODIGLIANI”
(Itália, 2020, 90 min.) Direção: Valeria Parisi. Documentário. Classificação: 14 anos. Em cartaz no Cineart Ponteio (Sala 4, 18h20, dom., seg. ter., quin., sex. e sáb.; 15h, quarta).
