A exposição “Estilingue: Estados da pintura” reúne artistas em início de carreira e propõe um olhar sensível sobre o mundo e a experiência contemporânea. Participam Abraão Veloso, Alanis Margarita, Bárbara Elizei, Bárbara Ferreira, Cavi Brandão, Fernanda Gontijo, Fernando Moreira, Gabriela Carvalho, Heitor Fernandes, Iago Marques, Lucas Matoso e Riel. Com curadoria de Alan Fontes, a mostra foi pensada para arremessar, jogar, lançar e apresentar uma nova geração de artistas.


Quando escutamos falar em “nova geração”, pensamos automaticamente em juventude. Mas o que isso significa hoje?

Tempos atuais


Os trabalhos reunidos em “Estilingue” apresentam percepções múltiplas sobre os tempos atuais, investigações que, por vezes, retratam apenas um período da vida e, em outras, transformam-se em pesquisas de uma vida inteira.


Os títulos das obras já anunciam as inquietações do grupo: “Nagô”, “Pequeno paraíso”, “Sala de espera”, “Encostas”, “Ardósia”, “Colina”, “Reflexo”, “Ninguém avisa que a nuvem pesa”, “Quando a tela desliga”, “Caminhar olhando pro céu”, “Caminhar olhando pro chão”, “O soldado e o poeta”, “Paisagem em fragmento”, “Casos de corais”, “Enchente”, “O benefício da dúvida”, “Política da dispersão”, “Solidãodesejo”, “Essa noite encontrei ouro puro”, “Que beijo macio”, “Um emaranhado é conectado por muitos nós”.


São títulos que evocam o desconhecido, o improvável, o imponderável, a incompletude, a dúvida, o percurso, a travessia, o ponto, a parada, a separação, o desamparo, o disseminado. Ao mesmo tempo, revelam a presença marcante das ancestralidades, conciliando o estar em devir com a atenção aos pequenos fragmentos da natureza: uma gota de orvalho, uma lente do instante, a força das ruas em tensão política.

Gesto arqueológico

A partir desses títulos, é possível perceber que a exposição investiga tempo, memória, cidade e natureza por meio de remontagens e colagens feitas de cores e restos de papéis, livros e revistas rasgados e recompostos. Caminhar pelas ruas da cidade e olhar para o chão torna-se um gesto arqueológico: ali estão vestígios aparentemente inúteis da humanidade, como sugeria Manoel de Barros, numa leitura do presente que insiste na resistência poética.

Obras ficarão expostas até 8 de novembro na Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte

Alan Fontes/Divulgação

As obras convidam à reflexão sobre as impossibilidades, entre quem pode matar e quem pode sonhar, entre quem pode morrer e quem ousa fantasiar.


Esses trabalhos também abordam lutas e existências, refletindo sobre barricadas, movimentos sociais e manifestações. A vida contemporânea, marcada pela captura constante da atenção pelas telas, deixa fluir aquilo que certamente será esquecido. A pintura faz a pausa, o intervalo, a afluência; torna-se ponto e eixo.

Em uma sala de espera, é possível lidar com assombros, fantasmas, delírios e o inevitável. Entre cenas aparentemente delicadas, surgem filtros, máscaras e devaneios que revelam o contraste entre o trivial e o violento, o íntimo e o coletivo.

O olhar para o céu, entre prédios, janelas e tons neutros como preto, branco e cinza, revela a intimidade de jovens que desejam se conhecer. Há uma delicadeza que ilustra as possibilidades de ser quem se é, na intimidade do quarto, na cama, na fotografia ou no autorretrato.

Instalação em 'Estilingue' ressignifica o universo doméstico

Alan Fontes/divulgação

Da janela para a rua, a poesia visual se mantém: cores, frases de efeito, vozes do tempo presente e a urgência de continuar caminhando, tecendo e trançando a cultura nagô, criando assim seus pequenos paraísos. Retratar pessoas negras com leveza, cuidado e dignidade também é um gesto político.

Fragilidade e força

“Estilingue” reúne fragilidade e força, atenção aos detalhes e aos resíduos do mundo, memória, ancestralidade e potência poética da vida urbana. A pintura, historicamente situada em seu contexto sociocultural, atualiza em nosso imaginário as perguntas dos anos 2020, oferecendo recortes de um exercício de presença, permanência e demora.


Se tudo às vezes parece um emaranhado, é preciso paciência e espera para desfazer os nós e criar laços. Descobrir afinidades com a cidade, fazer amizades e romper com o efeito marcante do isolamento ainda recente. Talvez esse seja o gesto do estilingue: tensionar e lançar, unir o impulso do novo à memória do que permanece.


Há uma estrada. Onde há encostas, há espaço para o repouso do olhar. Diante de tantas urgências, velocidades, acelerações, múltiplas atenções e do excesso de imagens, como as juventudes entendem o papel da criação das imagens? Como aprender a ver diante de tantas imagens que atravessam nossos dias? Podemos, diante de uma pintura, nos fazer presentes, prestando atenção ao que as juventudes nos ensinam a olhar.

“ESTILINGUE: ESTADOS DA PINTURA”


Exposição coletiva. Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte (Rua Antônio de Albuquerque 885, Savassi). Abre de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 13h30. Até 8 de novembro. Informações: contato@albuquerquecontemporanea.com e (31) 97221-8037.


* Carolina Ruoso é doutora em história da arte pela Universidade de Paris Panthéon-Sorbonne e professora de teoria, crítica e história da arte na Escola de Belas Artes da UFMG.

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