A paternidade é problema estrutural no Brasil. De 2016 a 2025, cerca de 1,4 milhão de crianças foram registradas sem o nome do pai, informa a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Mesmo em famílias com presença paterna, a pressão social que exige comportamento distante e rígido do homem envenena a relação pai e filho. Por vezes, esse comportamento se torna hereditário, mostra o longa “Paterno”, de Marcelo Lordello, em cartaz no UNA Cine Belas Artes.
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Sérgio (Marco Ricca), herdeiro de empreiteira, planeja construir um empreendimento de luxo em Brasília Teimosa, bairro miserável do Recife. Para isso, deve comprar os terrenos da gente pobre que vive ali. O projeto é ilegal, mas a empresa que ele comanda ao lado do irmão Lucas (Nelson Baskerville) subornou autoridades para eliminar entraves.
Herança
Os irmãos controlam a empresa porque o pai (Germano Haiut) está internado, com poucas chances de sobreviver. Com a herança em disputa, Sérgio e Lucas oscilam entre cumplicidade e traição. O protagonista tem espírito criativo e sonhador, que foi obrigado a sufocar, enquanto o irmão quer apenas lucro.
O projeto encontra resistência nas ações combativas da professora de arquitetura Suzana, interpretada pela atriz belo-horizontina Rejane Faria. Ao mesmo tempo, avança com ajuda de Claudio (Thomás Aquino), neto de um dos moradores retirados de Brasília Teimosa, que decide trabalhar em segredo para Sérgio.
Thomás, que participou do filme “Bacurau” (2019), atualmente está no elenco das novelas globais “Vale tudo” (como Mário Sérgio) e “Guerreiros do sol” (Josué).
Enquanto enfrenta dificuldades nos negócios, Sérgio lida com o distanciamento do filho adolescente. O vestibulando Tomás (Gustavo Patriota) supostamente vai cursar arquitetura, como deseja o pai. Entretanto, não demonstra qualquer interesse pela profissão.
Tomás é um reflexo do que o pai parece ter sido na juventude. Defende ideais de esquerda entre os amigos, mas se cala diante do autoritário Sérgio. Ouve discos de MPB e da Tropicália que o pai aparenta ter curtido no passado.
Onipresença
O idealista Sérgio se perdeu no tempo. A autoridade paterna sobre ele é onipresente. Isso se revela de forma sutil no decorrer da trama, pois o filme começa com o patriarca inerte no hospital.
No presente, Sérgio é um homem sério que veste cores sóbrias – preto, cinza e azul-escuro. Marco Ricca constrói o personagem com gestos mínimos no olhar e na boca. Sem alterar a expressão fechada daquele homem frustrado, impedido de se expressar.
“Paterno” percorreu um longo caminho até chegar às salas de cinema. Idealizado em 2013, foi rodado em 2017. Com o corte de verbas para a cultura durante o governo Bolsonaro, o lançamento foi adiado. Ele estreou em 2022, no Festival Internacional Olhar de Cinema de Curitiba, e só chegou agora a Belo Horizonte.
“PATERNO”
Brasil, 2022, 110min. De Marcelo Lordello, com Marco Ricca, Rejane Faria e Thomás Aquino. Em cartaz às 18h20, na sala 3 do UNA Cine Belas Artes.
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
