Artista mineiro Will abre hoje a individual "Após a chegada"
Mostra em cartaz na Casa Fiat a partir de terça (11/3) reúne obras inspiradas pelo provérbio iorubá "Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou só hoje"
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Siga noUm acidente doméstico, cinco anos atrás, tirou Will de circulação. O pé quebrado fez com que ele ficasse de molho em casa. No entanto, foi por meio deste episódio que ele passou a viver única e exclusivamente da arte. “Eu me considerava um artista, mas não esperava que fosse ter carreira”, afirma Will, que abre nesta terça-feira (11/3), na Piccola Galleria, da Casa Fiat, a individual “Após a chegada”.
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São 22 obras, pinturas e colagens em telas e objetos de madeira, tanto figurativas quanto geométricas, que tratam do território. Seus caminhos passam por espaços afro-indígenas, pela Bahia, pelo sertão e até pelo Egito antigo (Kemet, ou terra negra, nome original do território no Nordeste africano) onde pessoas negras foram apagadas ou expulsas.
As obras foram produzidas nos últimos três anos, depois de viagem que Will fez a partir de Cumuruxatiba, no Sul da Bahia. Na época, estava produzindo um curta-metragem inspirado no provérbio iorubá "Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou só hoje" – um convite para pensar o tempo de uma maneira diferente.
Da Bahia, Will também foi para o interior de Minas, em especial áreas remanescentes de quilombos no estado. “A pesquisa, que começou por causa de um filme, me levou para outros trabalhos. É como se minha obra de hoje estivesse vigiando a chegada dos colonizadores. É um trabalho anticolonial de afrofuturismo, como se passado e presente estivessem interligados.”
Ancestralidade
Para além de pensar o racismo, a obra de Will coloca “pessoas pretas que são protagonistas de sua própria história”. Uma das referências é o músico e pensador baiano Mateus Aleluia, de 81 anos. “A ancestralidade é viva, então não tenho que falar de alguém só quando morre”, acrescenta ele.
Nascido em Belo Horizonte, Will, de 40 anos, foi um “virador” antes de se tornar artista. Filho de um mestre de obras, trabalhou com o pai, com quem também aprendeu marcenaria. Pagou as contas ainda fazendo manutenção de computador, administrando restaurante, manobrando carros. Também foi motorista particular, segurança, professor de arte e de defesa pessoal.
Descobriu a pichação em 2011. No mesmo período, passou a integrar o coletivo de música Roodboss Soundsystem. Três anos mais tarde, passou a colar lambes nas ruas. “Eu tinha uns pensamentos anarquistas, e a rua era um lugar muito subversivo, que questionava a história da arte.” Já inserido no meio da arte de rua, foi sócio, entre 2014 e 2016, do bar e galeria Piolho Nababo, no Maletta.
Somente depois de ter iniciado sua produção regular, Will começou a ter um estudo formal. No final deste ano, conclui a licenciatura em Artes Visuais, na Famarte. A academia mudou sua maneira de ver a arte? “Sim e não”, ele diz.
“Como sou autodidata, fiz tudo na marra. Me falavam: ‘Isto parece com Basquiat’. Então tinha que estudar, pois não sabia mais o que estava fazendo. Pesquisei muito a história da arte, estudei composição, teoria da cor, escala tonal. O trabalho foi se afinando e eu me entendendo como ser humano, um homem preto. A partir disso criei uma narrativa bem antirracista, tanto que, hoje, nem diferencio mais o homem do artista”, afirma.
Outras mostras
Will abre outra exposição na próxima terça (18/3), às 19h, na Hogar (Rua Alagoas, 735, Savassi). Sobre a mostra “Atlântico”, a curadora Alinne Damasceno observou: “Apropriar-se da geometria enquanto conhecimento ancestral africano permite que a comunicação conceitual se dê através de linhas, cores e ângulos”. Em 28/3, no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador, será aberta “Encruzilhadas da arte afro-brasileira”. Já exibida no CCBB-BH, a mostra reúne 150 trabalhos de 61 artistas negros do país. Will está entre os oito mineiros cujas obras foram selecionadas pelo curador Deri Andrade.
“APÓS A CHEGADA”
Exposição de Will. Abertura nesta terça (11/3), às 10h, na Piccola Galleria da Casa Fiat (Praça da Liberdade, 10, Funcionários). Também hoje, às 19h30, haverá visita mediada pelo artista. Inscrições gratuitas pelo site Sympla. Visitação de terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Até 27 de abril. Mais informações no site da Casa Fiat.