O filme "Conto de fadas", com seu purgatório em preto e branco, foi realizado sem recorrer à inteligência artificial
 -  (crédito: Imovision/divulgação)

O filme "Conto de fadas", com seu purgatório em preto e branco, foi realizado sem recorrer à inteligência artificial

crédito: Imovision/divulgação

 

 

Josef Stalin, Winston Churchill, Benito Mussolini e Adolf Hitler, os quatro líderes da Segunda Guerra Mundial, já estiveram em situação melhor. Afinal, nem vivos mais estão. Esperam, ansiosamente, que as portas do céu se abram.

 


Parece piada, mas não é. Com estreia nesta quinta-feira (23/5) no UNA Cine Belas Artes, “Conto de fadas”, novo longa-metragem do cineasta Aleksandr Sokurov, coloca o russo, o britânico, o italiano e o alemão em pé de igualdade no purgatório.

 

 


“Conto de fadas” é composto quase inteiramente por imagens de arquivo levemente animadas – foram gastos dois anos apenas para assistir a todo o material que havia sobre os personagens históricos. Os quatro personagens são dublados por atores nas respectivas línguas originais. Ou seja, temos diálogos em russo e respondidos em inglês, italiano, alemão, e por aí vai.

 

 


Um dos nomes mais relevantes da produção cinematográfica da Rússia, Sokurov, de 72 anos, ganhou o mundo com “Arca russa” (2002), aquele filme rodado em um só plano-sequência no Museu Hermitage, em São Petersburgo. Mas “Conto de fadas” pode ser relacionado com outras produções do cineasta.

 


“Biógrafo” do poder

 

Graduado em história, Sokurov realizou cinebiografias de homens do poder: Hitler (“Moloch”, de 1999), Lênin (“Taurus”, de 2001) e Hirohito (“O sol”, de 2006). Dessa maneira, “Conto de fadas” pisa em terreno conhecido do realizador. Só que a relação da animação com as produções anteriores termina por aí. O filme é desconcertante tanto pelo tema quanto por sua realização.

 


Coprodução com a Bélgica, o longa começa com o aviso de que não foram utilizados recursos de deepfake e inteligência artificial. O processo pelo qual o filme foi realizado não fica claro – “ele continua sendo um segredo profissional de nossa equipe”, chegou a afirmar Sokurov. O diretor escreveu que a obra resulta do “trabalho meticuloso e estritamente manual”.


Pinturas e fotos

 

O purgatório criado por Sokurov é em preto e branco. No ambiente monocromático, nuvens ondulam sem parar. O cenário foi criado a partir de pinturas e fotografias do século 20. O primeiro personagem que aparece é Stalin, que reclama para seu interlocutor. É um Jesus Cristo cansado de tudo, que parece aguardar seu destino final e surge em pequenas participações.

 


Pouco depois, chegam os “colegas” de limbo. Hitler lamenta não ter queimado Londres quando teve a chance. Mussolini, fanfarrão, caminha pelo local com seus diferentes avatares. Churchill sente a falta de sua Clementine, mas o que o preocupa mesmo são as ligações telefônicas que deve fazer para a rainha da Inglaterra.


À espera de Deus

 

“Jovem, quem arruma seu cabelo?”, pergunta Napoleão a Stalin (assim como Cristo, o imperador francês é coadjuvante na história). As implicâncias continuam: “Não seja atrevido, gordo”, Hitler repreende Churchill em alemão.

 


Nada acontece neste purgatório. Literalmente no limbo, os quatro passam o tempo trocando farpas – por vezes, refletem sobre a própria grandeza. A espera por Deus será longa – e só um deles vai conseguir chegar até ele. Não é preciso ser nenhum gênio para saber qual dos quatro não queimará no fogo dos infernos.


Proibido na Rússia

 

Em outubro de 2023, “Conto de fadas” foi proibido na Rússia. Chegou a passar em festivais daquele país, como o de São Petersburgo, mas quando estrearia em Moscou, foi cancelado sem explicação. Para que um filme seja exibido na Rússia, é necessário o certificado de habilitação. “Conto de fadas” não o tinha, mas o status internacional do festival do qual participaria permitiu a exibição. Ele encerraria, em 15 de outubro, o Karo Arte, que também havia programado um encontro com o realizador.

 

Ao receber a notícia do cancelamento, Sokurov afirmou: “Há grandes problemas pela frente na vida – tal como nos tempos soviéticos, quando todas as minhas obras foram proibidas de serem exibidas. O tempo da minha vida parou novamente.”

 


“CONTO DE FADAS”


(Bélgica/Rússia, 2022, 79min., de Aleksandr Sokurov) O filme estreia nesta quinta (23/5), às 15h30 e 19h10, na Sala 1 do UNA Cine Belas Artes