Mostra "Sopro", Niura Bellavinha -  (crédito: Jomar Bragança/Divulgação)

Mostra "Sopro", Niura Bellavinha

crédito: Jomar Bragança/Divulgação

A arte de Niura Bellavinha começa na pré-história e seu vínculo com a expressão artística remonta à infância, quando pintava com terra dissolvida em água uma parede externa da casa de chácara onde foi criada. A partir de quando entrou para a Escola Guignard, com 16 anos, passou a desenvolver uma pesquisa que envolve pigmentos de origem vegetal e mineral e formas de aplicação sobre superfícies que prescindem do pincel.

 


Assim, desde sempre seu trabalho orbita o que os psicanalistas chamam de “mão negativa”, o que, no campo das artes, implica a substituição do gesto, da pincelada, pela aspersão e a pulverização. Isso é o que explica o título “Sopro”, que batiza a exposição em cartaz na AM Galeria de Arte até o próximo dia 25 e que reúne 15 obras – algumas compostas por mais de um plano, como dípticos.

 


“Me interessa muito a pesquisa arqueológica, das grutas, do início da expressão humana, já nos desenhos e pinturas nas cavernas. Também venho estudando há anos a história da arte e fui encontrar em Kandinsky (1866-1944), artista fundador da abstração, interesses que convergem com os meus. Ele também estava olhando para essa coisa da arqueologia”, diz a artista.

 

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Niura lembra que, apesar de ter nascido em Moscou, Kandinsky lecionou na Bauhaus, célebre escola de arte vanguardista na Alemanha. Logo no início do movimento gerado a partir daquele polo, ele quis trabalhar, valendo-se de compressores usados para pintar automóveis, com a questão do sopro, da forma como o Homo Sapiens imprimia imagens nas rochas.

 


“Foi o início da arte abstrata. Eu já vinha trabalhando com isso, a questão da pulverização, e o interessante é que, depois de Kandinsky, a partir dos anos 1950 e 1960, começou a surgir o grafite, que também se vale do sopro para trabalhar as cores numa superfície. Fiz uma ligação disso tudo, pensando em como é atual essa coisa que começa com o homem pré-histórico”, afirma.


Pigmentos

As tintas que Niura emprega em sua arte são feitas em seu ateliê, a partir de pigmentos recolhidos no interior de Minas Gerais, em outros lugares do Brasil e até na Cordilheira dos Andes e em outros países. Ela diz que também se vale de pigmentos cósmicos, de meteoritos, a partir da trituração desses corpos celestes quando caem na Terra, e da aplicação do material resultante em base de carbono colocada sobre uma seda.

 

“Quando criança, nas datas comemorativas, eu falava que queria uma luneta e um microscópio de presente. Essa coisa do micro e do macro sempre me interessou muito, e a exposição 'Sopro' está relacionada a tudo isso, pensando no pigmento soprado como uma metáfora da aglutinação de átomos que forma nosso corpo e todas as coisas”

Niura Bellavinha, artista


“Agora resolvi juntar as duas coisas, os pigmentos do céu, com que trabalhei pela primeira vez em 2000, e os da Terra. Quando criança, nas datas comemorativas, eu falava que queria uma luneta e um microscópio de presente. Essa coisa do micro e do macro sempre me interessou muito, e a exposição 'Sopro' está relacionada a tudo isso, pensando no pigmento soprado como uma metáfora da aglutinação de átomos que forma nosso corpo e todas as coisas”, ressalta.

 


Ela observa que, a despeito da prevalência das cores terrosas, alguns trabalhos na mostra têm um certo tom de verde, que vem da espirulina, matéria de origem vegetal das mais antigas do planeta. “O tempo é tão pequeno. Quando você vai estudar paleontologia, vê que 2 mil anos não significam nada. A existência é muito curta”, diz.


Efemeridade

“Não uso a mão e não uso pincel. Vários trabalhos dessa exposição foram feitos com sopro, desde o mais antigo, com pigmento de meteorito, até o mais recente, que batizei 'Cave Kandinsky', em homenagem a ele”, diz, chamando a atenção para o fato de que outras questões atravessam o conjunto de sua obra, como a ideia de efemeridade.

 


“Eu fazia desenhos na parede da casa da chácara onde morava e, quando chovia, aquilo era apagado, aí a gente ia fazer de novo. Tem essa coisa do apagamento também, muito presente no início do meu trabalho, quando comecei a fazer exposições, nos anos 1990. Ali eu já não estava muito ligada no pincel; aplicava uma massa de tinta na parte superior da tela e ia jogando jatos d'água e ar comprimido. Aquilo ia se apagando, escorrendo. 'Repetir nunca é repetir' é uma frase maravilhosa, de que gosto muito”, diz.

 

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Ela define o que faz como “performer painting”. “Pintura não se faz só com tinta e tela, isso é muito antigo para mim. Fiz um filme que tem um garoto soltando uma pipa que, num dado momento, entra na nuvem. Quando esse garoto recolhe o fio, a pipa tinge a mão dele de vermelho. Aconteceu isso comigo quando eu era criança. Trata-se não de pintar a paisagem, mas pintar com a paisagem; é o que chamo de performatizar a pintura, o que tem tudo a ver com experimentação.”