Foi de uma reunião entre o então presidente do Brasil Emílio Garrastazu Médici; o então presidente da Petrobras Ernesto Geisel; e seu irmão, Orlando Geisel, na época ministro do Exército, que surgiu a macabra sugestão: e se a usina de cana-de-açúcar de Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro, fosse usada para incinerar corpos de presos políticos da ditadura?
Não houve protestos e, ao longo de todo o ano de 1970, os corpos de 12 presos políticos foram esquartejados e cremados na usina. A prática clandestina era, na visão de Médici e dos irmãos Geisel, uma das melhores formas de combate à luta armada.
“Acontece que, dos 12 presos políticos que foram queimados na Usina de Cambahyba, sete não participavam da luta armada”, destaca o ex-ministro dos Direitos Humanos e atual assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Nilmário Miranda.
Em parceria com o jornalista Carlos Tibúrcio e o poeta Pedro Tierra (também conhecido como Hamilton Pereira), ele escreveu “Por trás das chamas – Da Casa da Morte aos fornos da Cambahyba: práticas nazistas da ditadura e outros relatos sobre memória, verdade e justiça”, que será lançado nesta segunda-feira (29/4), no Museu Abílio Barreto, pela editora Expressão Popular.
Nomes e rostos
Em formato muito próximo ao de um livro-reportagem, “Por trás das chamas” apresenta ao leitor a história de nove dos 12 presos incinerados na chamada Casa da Morte, como ficou conhecida a usina. Mais do que contar esse episódio tétrico da história do país, os autores fizeram questão de dar nomes e rostos dos brasileiros assassinados pelo governo da época e que foram esquecidos com o passar do tempo.
“Nos últimos seis anos, com o pouco tempo do governo (Michel) Temer e depois com este último governo, houve um processo de apagamento da história, principalmente em relação à ditadura militar”, afirma Nilmário.
“O Bolsonaro, por exemplo, deixou um orçamento ridículo para a Comissão de Anistia. E a Damares (Alves, à época titular da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) colocou dentro da Comissão de Anistia um defensor da ditadura, que é o Rocha Paiva”, continua Nilmário, citando o general do Exército que foi amigo pessoal de Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe dos centros de tortura e assassinato de opositores do regime militar.
Novas gerações
Grande parte das histórias que “Por trás das chamas” carrega os autores já conheciam por causa do trabalho que desempenharam na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos políticos e na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Desse trabalho, inclusive, nasceu o livro “Dos filhos deste solo: Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar – A responsabilidade do estado”, de Nilmário e Carlos Tibúrcio.
“Por trás das chamas”, no entanto, chega em momento oportuno, nos 60 anos do golpe. Sem partir do viés político-ideológico, a publicação pretende mostrar, principalmente, às novas gerações as consequências da perda da democracia e os riscos que isso acarreta aos direitos humanos.
Ex-presos políticos – Nilmário, inclusive, perdeu a audição do ouvido esquerdo por causa das torturas sofridas –, os autores não guardam rancor, sentimento de revanchismo e nem alimentam desejos de vingança pelo período que ficaram no cárcere.
“Pelo contrário, o que nós queremos é manter viva essa parte da história para que as pessoas não se esqueçam e isso nunca mais volte a acontecer”, conclui Nilmário.
“POR TRÁS DAS CHAMAS – DA CASA DA MORTE AOS FORNOS DA CAMBAHYBA: PRÁTICAS NAZISTAS DA DITADURA E OUTROS RELATOS SOBRE MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA”
• De Nilmário Miranda, Carlos Tibúrcio e Pedro Tierra
• Editora: Expressão Popular
• 200 páginas
• Preço: R$ 45
• Lançamento nesta segunda-feira (29/4), às 19h, no Museu Abílio Barreto (Av. Prudente de Morais, 202 – Cidade Jardim). Exemplares à venda no local e pelo site expressaopopular.com.br.