Família alemã vive comodamente ao lado de campo de concentração no filme que levou o Oscar de melhor som este ano -  (crédito: Diamond Filmes/divulgação)

Família alemã vive comodamente ao lado de campo de concentração no filme que levou o Oscar de melhor som este ano

crédito: Diamond Filmes/divulgação

 

Os dois Oscars recebidos (dos cinco a que havia sido indicado) por “Zona de interesse”, de Jonathan Glazer, são corretíssimos. O primeiro, de melhor filme internacional, era a barbada da categoria. Mas é o segundo, de melhor som (para Tarn Willers e Johnnie Burn), que deve ser atentado agora, quando o longa chega ao streaming.

 

Ainda em cartaz em três cinemas de Belo Horizonte, a produção britânica estreia neste domingo (31/3) no Prime Video. O som é parte crucial da narrativa. Para aqueles que preferem o conforto do sofá de casa, o ideal, para a experiência proposta por Glazer, é um bom sistema de som – se não, assistir ao filme com fones de ouvido.

 

 

Adaptação livre do romance “A zona de interesse” (Companhia das Letras), do escritor britânico Martin Amis, o filme traz para o centro da história a vida privada de Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante do campo de Auschwitz, Polônia, no verão de 1942.


Horror onipresente

 

O público acompanha o cotidiano dele, da mulher, Hedwig (Sandra Hüller), e dos cinco filhos na casa contígua àquele que é, reconhecidamente, o maior campo de extermínio do regime nazista. Não assistimos a nenhuma execução, tampouco vemos as filas de judeus levados para as câmaras de gás.

 


Mas os horrores são onipresentes por meio de imagens (como a da fumaça dos fornos crematórios que saía dia e noite, e podia ser observada do jardim impecável dos Höss) e, principalmente, por meio do som.

 

 

O filme começa com uma tela preta – sem a visão, só acompanhamos as sirenes, que vão surgir em outros momentos da narrativa. Há ainda sons à distância, seja o de um trem chegando, seja de um motor de moto, colocada próxima da casa da família para abafar os gritos que vinham do campo.

 


Glazer filmou seus personagens também com a devida distância. O cineasta espalhou pela casa e pelo jardim 10 câmeras fixas, controladas remotamente. Também houve em torno de 30 microfones espalhados. Desta maneira, o elenco pode se mover com mais naturalidade – tanto por isto, as sequências foram registradas em planos abertos, quase sem closes.

 

Ainda que tratem do mesmo tema – a banalidade do mal que pregou Hannah Arendt –, filme e livro são bem distintos. Amis, que não chegou a ver o reconhecimento do filme – morreu aos 73 anos em maio de 2023, em decorrência de câncer no esôfago, justamente quando o longa teve sua première no Festival de Cannes –, criou uma história com três narradores.

 

Zona de interesse era a triagem pela qual os judeus passavam ao chegar no campo. Neste processo, realizado logo após o desembarque dos trens, era definido quem seria levado para as câmaras de gás e quem iria para os trabalhos forçados.

 

O romance de Amis acompanha este cenário por meio de três personagens/narradores ficcionais. Paul Doll é o comandante de Auschwitz, homem desprezado por seus subordinados (que o chamavam Velho Bebum) e pela mulher, Hannah. Angelus (Golo) Thomsen, o perfeito ariano, é oficial de média patente, sobrinho de Martin Bormann (secretário particular de Hitler) que conquista todas as mulheres da região, mas sonha mesmo é ficar com Hannah, a mulher do chefe. A relação, obviamente, está condenada desde o início.

 

Trágico ofício

 

O terceiro personagem/narrador é Szmul, o chefe do Sonderkommando, “os homens mais tristes do mundo”, como ele próprio define. Os Sonder eram grupos de prisioneiros judeus que, uma vez recrutados na zona de interesse, tinham como tarefa enterrar os corpos, limpar as câmaras de gás, recolher as roupas e arrancar os dentes de ouro daqueles que se foram. Trabalhavam à exaustão, portanto, só viviam poucos meses quando assumiam a função.

 

Tanto Amis quanto Glazer visitaram Auschwitz várias vezes para poderem dar cabo de seus respectivos “Zona de interesse”. O romance é mais duro, com um senso de humor que por vezes beira o grotesco.
Mas o impacto desta obra, tanto quanto o de sua adaptação cinematográfica, vai de encontro ao polêmico discurso de agradecimento de Glazer no Oscar: “Nossas escolhas foram feitas para refletir e nos confrontar no presente, não para dizer olhem o que eles fizeram naquela época, mas sim olhem o que fazemos agora. A desumanização leva ao pior cenário, moldando nosso passado e nosso presente”. 

 

“ZONA DE INTERESSE”

O filme estreia neste domingo (31/3), no Prime Video. Em cartaz nos cines Pátio Savassi, às 15h30; UNA Belas Artes, às 15h10; e Centro Cultural Unimed-BH Minas, às 20h30 (exceto na próxima quarta-feira, 3 de abril)

 

 

Detalhe do cartaz de "Oppenheimer" no Japão

Detalhe do cartaz de "Oppenheimer" no Japão

Reprodução

 

"Oppenheimer" causa polêmica no Japão

 

Grande vencedor do Oscar deste ano, com sete estatuetas, “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, chega no próximo domingo (7/4) ao Prime Video. O filme, que estreou na maior parte do mundo em julho de 2023, só começou a ser exibido nos cinemas do Japão na última sexta-feira (29/3).

 

Nenhuma explicação oficial foi apresentada, o que alimentou as especulações de que o filme seria muito polêmico para ser exibido naquele país, o único que foi vítima da bomba concebida pelo projeto liderado por Robert Oppenheimer.

 

“Poderia ter havido muito mais descrição e representação do horror das armas atômicas”, disse Takashi Hiraoka, de 96 anos, sobrevivente da bomba e ex-prefeito de Hiroshima. Quase 140 mil pessoas morreram em Hiroshima e 74 mil em Nagasaki quando os EUA lançaram bombas atômicas sobre estas cidades em 1945, poucos dias antes do fim da Segunda Guerra Mundial. (AFP)