"É hora da onça beber água" (2020), instalação em forma de mesa de sinuca tem 13 metros de comprimento e microfones nas 14 caçapas

crédito: Jade Liz/Divulgação

 


Basicamente toda a produção do artista plástico Froiid ao longo dos últimos 10 anos é baseada em jogos. Sinuca, jogo do bicho, futebol… não importa. Se é uma atividade que conta com regras e jogadores, lá está Froiid analisando e pensando em como incorporar aquilo à sua arte.

 


“Mundaréu”, mostra individual do artista belo-horizontino em cartaz na Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte, não poderia ter temática diferente. São aproximadamente 30 obras que repassam a carreira do artista que traz para o campo artístico diferentes jogos no intuito de desvirtuar suas regras originais, criando um ambiente de convívio e lazer, no qual o visitante é quem dita as normas de cada dinâmica.

 


Logo na entrada, há 20 bandeiras de times de várzea produzidas em varas de bambu com aproximadamente cinco metros de altura. Elas fizeram parte da mostra “Sapo de fora não ronca” (2022), na qual Froiid mergulhou em pesquisas para descobrir a maneira como os jogos se constituíram na sociedade, mais especificamente na periferia.

 

 


Com essa pesquisa, ele descobriu a influência do futebol amador, que conta com circuito próprio em Belo Horizonte e Região Metropolitana, e tem tradição centenária. São alguns desses times que estão representados nas bandeiras que dão as boas-vindas aos visitantes de “Mundaréu”.

 


A mostra continua com uma caixa de som que reproduz gravações desses jogos de futebol de várzea e cantos de torcidas organizadas. Em seguida, três jogos de tabuleiro que também aludem a uma partida de futebol estão dispostos, prontos para serem usados da maneira como os visitantes acharem conveniente.

 

Gol de mão

 


Fechando a área da entrada da galeria, há imagens do gol de mão de Maradona na Copa do Mundo de 1986 e Do famigerado “gol que Pelé não fez” na Copa de 1970.

 


“O título dessa exposição parte do livro 'Histórias das quebradas do mundaréu', do escritor Plínio Marcos”, explica Froiid. “Tentei fazer uma exposição diversificada, com um mundaréu de diálogos, um mundaréu de discursos, um mundaréu de materiais e técnicas, e um mundaréu de possibilidades de discussão que relacionam o jogo com a arte contemporânea”, emenda.

 


Naturalmente, todo esse mundaréu de coisas não se limita ao universo futebolístico. No segundo ambiente da galeria, por exemplo, um sinuca de 13 metros de comprimento e microfones nas 14 caçapas que amplificam o som das jogadas está disponível para os visitantes jogarem, com a única condição de criarem as regras do jogo.

 

Bandeiras de times de várzea apresentadas na exposição "Sapo de fora não ronca", de Froiid

Bandeiras de times de várzea apresentadas na exposição "Sapo de fora não ronca"

Jade Liz/divulgação

 


Intitulada como “É hora da onça beber água” (2020), a instalação foi inspirada na tela "La fortune", do artista plástico e fotógrafo surrealista norte-americano Man Ray (1890-1976), que retrata um longa mesa de sinuca que se aprofunda em direção ao horizonte. Ao mesmo tempo, também estabelece diálogo com “O café à noite na Place Lamartine”, de Van Gogh, que apresenta uma sinuca vazia em um bar decrépito.

 


O título da instalação, por sua vez, indica um momento perigoso, pois, quando a onça bebe água, normalmente ao cair da noite, os outros animais ficam em alerta.

 


“Em todos os meus trabalhos, procuro buscar referências de outros artistas de diferentes segmentos”, afirma Froiid. “Por isso, na mostra é possível ver obras que dialogam com Man Ray, Van Gogh, (o poeta francês) Raymond Queneau e (Piet) Mondrian”, cita.


Bilhões de poemas

 

Em Queneau Froiid se inspirou para criar “O pulo do gato” (2023), instalação sonora que reproduz uma música de rap cujos versos cantados estão separados da batida da música e remixados num looping infinito. A gênese criativa de “O pulo do gato”, explica o artista, foi "Cent mille milliards de poèmes" (“Cem bilhões de poemas”, em tradução livre), livro de Queneau escrito em tiras, de modo que o leitor monta um poema com as tiras que decide ler.

 


Piet Mondrian, por sua vez, inspirou Froiid em “É hora da onça beber água”. Na lateral da mesa de bilhar, há quatro pinturas relacionadas à estética do pintor holandês usadas como quadro para marcar pontos no jogo. “As pessoas que estão jogando vão lá escrever coisas. E, assim, a instalação vai funcionando: as pessoas vão escrevendo, apagando, manchando, riscando, ciscando parte dessa composição”, explica o artista mineiro.

 

Entre Rio e São Paulo

 

Além de “Mundaréu”, Froiid também terá suas obras expostas na SP-Arte, entre os próximos dias 3 e 7 de abril, na capital paulista. Lá, seu trabalho será exposto pela Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte, que o representa desde novembro de 2023. Paralelamente, Froiid está fazendo residência artística no Rio de Janeiro e vem desenvolvendo uma série de trabalhos para serem apresentados futuramente. “Gostaria muito de falar, mas, infelizmente, ainda não posso dar detalhes porque são coisas que ainda estou negociando e conversando”, diz.

 


“MUNDARÉU”


Mostra individual de Froiid. Até 27 de abril na Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte (Rua Antônio de Albuquerque 885, Savassi). De segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 13h30. Entrada franca. Informações: (31) 3227-6494.