O pernambucano Amaro Freitas faz amanhã, em Nova York, concerto de seu novo disco -  (crédito: Micael Hocherman / Divulgação)

O pernambucano Amaro Freitas faz amanhã, em Nova York, concerto de seu novo disco

crédito: Micael Hocherman / Divulgação

A incansável pesquisa sobre o piano preparado – técnica criada por John Cage nos anos 1940 – somada à experiência junto à comunidade indígena Sateré Mawé, na bacia amazônica, resultou no álbum "Y'Y" (pronuncia-se IêIê), do pianista pernambucano Amaro Freitas. Nele, o artista extrai de seu instrumento uma profusão de sons que evocam o ambiente da selva, passando pelos ritmos de sua terra natal até a vanguarda do jazz europeu.

 


O disco conta com as participações do flautista e saxofonista britânico Shabaka Hutchings, do contrabaixista cubano radicado no Brasil Aniel Someillan, da harpista Brandee Younger, do guitarrista Jeff Parker e do baterista Hamid Drake – os três norte-americanos. Todos são, segundo Freitas, expoentes da música contemporânea com os quais já havia cruzado caminhos em suas turnês mundo afora.


Em 2020, quando já havia começado a preparar o álbum, ele foi passar uma temporada em Manaus (AM). Nesse período, após conhecer os Sateré Mawé, o músico encontrou o direcionamento e a "liga final" para o que viria a ser "Y'Y". "Esse disco nasce do meu estudo continuado do piano preparado e da minha relação com a Amazônia, de visitar aquele território e poder presenciar a beleza que é aquele lugar", diz.


Ele destaca que, em contraposição ao deslumbre dos rios e florestas, há também o horror da exploração predatória e toda sorte de ameaças a que aquele bioma é submetido. "As queimadas, o desmatamento, a poluição do rio e do oceano, isso tudo me impactou muito. Ao mesmo tempo que fico encantado, fico incomodado. Sateré Mawé foi a cereja do bolo. Me levaram na aldeia deles, participei dos rituais, comemos peixe tambaqui, carne de jacaré, formiga com farinha", conta.


Freitas ressalta que teve uma troca sincera com essa comunidade e manteve consigo a preocupação de não se apropriar, e sim compartilhar a visão sensível e íntima que os povos originários têm da natureza. A intenção com "Y'Y" é, conforme aponta, criar um diálogo entre comunidades e territórios. Esse é um dos pilares do disco. O outro é John Cage, que segue como um farol.


Experimentação no estúdio

 

"A diferença é que ele preparava o piano usando materiais de metal, como porca e parafuso, e eu sempre quis usar elementos que não machucassem o instrumento: dominó, fita adesiva, prendedor de roupa, sementes, ebow de guitarra, tudo isso para chegar nas sonoridades que busco para cada música. Foi um processo de experimentação no estúdio, juntando com a vivência que tive na Amazônia", diz.


Os universos da ancestralidade brasileira e da vanguarda musical planetária surgem de forma bem delineada em "Y'Y", que foi pensado como um disco de vinil, com "lado A" e "lado B". "O lado A é uma suíte, uma única peça onde toco músicas que homenageiam nossas raízes, o encantamento, e está tudo conectado", afirma o pianista, referindo-se às cinco primeiras faixas.


As duas iniciais homenageiam a Amazônia: "Mapinguari (encantado da mata)" e "Uiara (encantada da água) - Vida e cura". A terceira, "Viva Naná", presta tributo a Naná Vasconcelos (1944-2016), enquanto "Dança dos martelos" e "Sonho ancestral" explicitam a gama de possibilidades do piano preparado.


O lado B vem de sua experiência tocando em festivais internacionais. "É interessante porque, ao mesmo tempo que quero construir uma narrativa não eurocêntrica, a Europa é o lugar onde mais toco atualmente, o que tem a ver com a posição geográfica do continente. Foi lá que encontrei esses convidados do disco."

Conexão internacional


"Percebi que podia criar uma conexão que ocupa vários lugares diferentes do planeta. Os convidados são todos músicos extraordinários, que representam de forma muito potente o que é o jazz contemporâneo hoje no mundo", destaca. Mas ele fez questão de preservar o protagonismo do Brasil no disco.


"Temos vários momentos de encontros de brasileiros tocando com os melhores músicos internacionais de sua geração, como Tom Jobim e Frank Sinatra, e Milton Nascimento e Wayne Shorter. Mas, no primeiro caso, é como se Sinatra estivesse apresentando Jobim, e no 'Native dancer', o nome de Milton aparece grafado bem menor que o de Shorter. Com 'Y'Y', eu queria um Brasil protagonista.”


Ele diz que o novo trabalho expressa seu desejo de apresentar um jazz brasileiro descolonizado. Isso tem a ver, entre outras coisas, com o rompimento de estruturas harmônicas que vêm da música europeia. "Tem um momento, em 'Dança dos martelos', em que estou com sementes da Amazônia em uma das mãos e, com a outra, faço um arpejo que lembra essas estruturas europeias; é um momento de rompimento", aponta.


MÚSICA DO MUNDO


Os concertos de divulgação de "Y'Y" têm início nesta terça (5/3), quando Amaro Freitas se apresenta em Nova York. Em seguida, ele volta para o Brasil, onde faz dobradinha com o conterrâneo Zé Manoel, e parte para uma série de 16 concertos na Europa.

De volta ao país de origem, ele promove o lançamento de "Y'Y" em Recife, São Paulo, Porto Alegre e outras capitais ainda a definir, antes de rumar para o Japão, onde participa do Metropolitan Jazz Festival.

 

"Y'Y"

Amaro Freitas

Psychic Hotline (9 faixas)

Disponível nas principais plataformas de streaming