Moacyr Luz comanda o Samba do Trabalhador, aclamada roda carioca das segundas-feiras -  (crédito: Instagram/@tynocruz)

Moacyr Luz comanda o Samba do Trabalhador, aclamada roda carioca das segundas-feiras

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Moacyr Luz classifica o Cacique de Ramos como “uma conjunção espiritual galáctica”. O espaço, no Bairro de Olaria, na zona norte do Rio de Janeiro, é berço de alguns dos principais nomes do samba, como Fundo de Quintal, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Almir Guineto e Zeca Pagodinho.

 


Quem levou o compositor de 65 anos para lá foi Beth Carvalho, a “Madrinha do Samba”. Na época, Moacyr tinha carreira mais puxada para a MPB. Mas ali, na Tamarineira, ele se encontrou.

 


“Acredito numa conjunção espiritual galáctica. Acontece de estar todo mundo naquele mesmo lugar, com energia muito forte e aquilo vira um movimento”, diz ele. “Ali na Tamarineira, no Cacique de Ramos, era uma coisa impressionante. Aquilo era uma usina de música, né?”, afirma o compositor.

 

 

Samba do Trabalhador


Hoje, mais de três décadas depois, Moacyr se consagra como bastião do gênero e líder da principal roda de samba do Rio – o Samba do Trabalhador, que há 18 anos movimenta o Renascença Clube, no Andaraí, às segundas-feiras.

 


O tijucano teve mais de uma centena de composições gravada por Gilberto Gil, Maria Bethânia, Nana Caymmi e João Bosco, entre outros. Mas foi em 1989 que duas músicas mudaram seu patamar como compositor e músico.

 


A primeira foi “Coração do agreste”, tema da novela “Tieta”, cantada por Fafá de Belém. Até então, conta, sua vida era escolher comprar um pão ou pegar um ônibus. O sucesso rendeu alguns milhares de dólares, pagos em dinheiro vivo pela gravadora, que foram espalhados pela cama de Moacyr, no apartamento que dividia com a mãe, na Tijuca. “Ela entrou no quarto, e eu só pude falar: 'Estou rico'.”

 


A segunda foi “Saudades da Guanabara”, feita a pedido de Beth Carvalho, que deu nome ao álbum da cantora. A letra, quando Beth ouviu pela primeira vez, era diferente da versão que se consagrou. Não era do agrado dela.

 


“A música já existia, tinha feito em 1985, e Beth um dia me confidenciou que gostava da música, mas não da letra. Com uma letra melhor, ela gravaria. Ela falou para mim, cheia de cuidado: ‘'Olha, você é brilhante, é maravilhoso, mas a letra é uma merda’'”, conta Moacyr, aos risos.

 


O músico refez a letra de madrugada, ao lado de Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc. O trio estava reunido no apartamento de Moacyr na Tijuca, na Rua Garibaldi. Aldir era seu vizinho do andar de cima.

 

 

EP e álbum em 2023

 

Desde a pandemia, o compositor decidiu entrar em ritmo acelerado de produção. Só no último ano fez EP com Paulo Malaguti, “Luz & Pauleira”, lançou um álbum com Pierre Aderne, “Mapa dos rios”, e se prepara para lançar mais um disco do Samba do Trabalhador, ainda sem data.

 


Nos últimos carnavais, o tijucano assinou pelo menos cinco sambas-enredo que tocaram na Marquês de Sapucaí pelo grupo especial: quatro pelo Paraíso do Tuiuti e um pela Mangueira.

 


Moa, como é chamado pelos mais próximos, diz que está construindo o seu legado. Vive, em suas palavras, a angústia de letrista. “Tudo que fiz já foi. Tenho que continuar fazendo e não me preocupar com o que passou. Agora, falta fazer tudo.”


Fuga do hospital

 

Moacyr enfrentou vários problemas de saúde. No ano passado, ficou uma semana internado na UTI para tratar insuficiência respiratória. Foi um susto para os parceiros de roda e fãs, embora todos soubessem que, na semana anterior, ele havia fugido do hospital depois de receber o diagnóstico de pneumonia.

 


Moa diz que não tem medo de morrer, mas de hospital. O temor vem dos casos dos amigos. Beth morreu em abril de 2019, após meses internada. Aldir Blanc morreu de COVID em maio de 2020, em um hospital público do Rio, e não tinha plano de saúde.

 


“A pior coisa que já vivi, e não tem nada parecido, foi o CTI. Prefiro a morte”, diz Moacyr, que já enfrentou um câncer de próstata e convive com o Parkinson desde 2008.

 


“Acredito que vou ficar pelo conjunto da obra. As pessoas vão começar a procurar pelo Moacyr e falar: 'Caralho, essa música é dele? Como pode, esse cara é louco’.” Aos risos, conclui: “O meu prazo de validade já foi. Espero viver mais 200 anos. Mas se viver só mais um, está bom.”