"Freud e a América Latina" reúne esculturas latino-americanas, muitas delas enviadas por admiradores do psicanalista

crédito: Justin TALLIS / AFP

O museu londrino dedicado ao pai da psicanálise inaugurou recentemente a exposição "Freud e a América Latina", sobre o enorme eco das ideias do neurologista austríaco em uma região que ele nunca visitou.

 

"Durante as últimas décadas, a América Latina foi amplamente aceita como o centro da psicanálise no mundo. Queríamos descobrir as primeiras histórias entre a região e Freud", explica a curadora da exposição, Jamie Ruers.

 

"Há maior proporção de psicanalistas na América Latina do que na Europa", acrescenta Ruers. Ela destaca que "um dos maiores grupos de visitantes do museu é da América Latina, especialmente Argentina e Brasil".

 

 

Situado no bairro londrino de Hampstead, o Museu Freud foi a casa do neurologista e de sua família desde que escaparam da anexação nazista da Áustria em 1938. Sua filha mais nova, Anna, também psicanalista proeminente, viveu lá até 1982.

 

A exposição, que ficará em cartaz até 14 de julho, mostra cartas pessoais, fotografias, livros, esculturas e objetos do acervo de antiguidades de Freud, todos da América Latina. "Muitas dessas peças foram enviadas para Freud por admiradores e seguidores", diz a curadora.

 

A exposição destaca que Buenos Aires tem o maior número de psicanalistas per capita do mundo. "Na Argentina, ela entrou mais facilmente do que em outros países europeus, porque não havia tradição psiquiátrica e psicológica estabelecida. Por isso, era muito mais permeável a qualquer ideia que viesse de fora", disse o argentino Mariano Ben Plotkin.

 

Plotkin e o chileno Mariano Ruperthuz Honorato escreveram o livro "Estimado doctor Freud". Ambos colaboraram com a mostra, assessorando o museu para a montagem da exposição.

 

Na opinião de Ben Plotkin, "estava ocorrendo um processo de modernização na sociedade latino-americana, motivo pelo qual havia nos setores urbanos grande receptividade a tudo o que vinha da Europa".

 

De acordo com ele, “havia um sincretismo cultural que permitia juntar coisas que outros países europeus não teriam conseguido juntar. Freud permitiu combinações que teriam sido inaceitáveis na Europa.”


Sonhos e ciência

 

Ben Plotkin prossegue: “Na psicanálise, se dava a convergência de uma metodologia médica muito moderna com obsessões antigas, como o tema dos sonhos. De imediato, havia uma técnica científica que permitia falar deles, de coisas da cultura popular, a partir do discurso científico moderno", aponta.

 

Para seu colega chileno Ruperthuz, "dos anos 1970 em diante, a psicanálise passou a fazer parte da vida cotidiana na América Latina. É uma questão cultural".

 

Na exposição, é possível ouvir alguns trechos de antigos programas de rádio brasileiros sobre sonhos e ver revistas do México e da Argentina das décadas de 1950 e 1960, "mostrando como a psicanálise foi levada às massas", segundo Ruers.

 

A exposição exibe uma série de fotos da argentina de origem alemã Grete Stern, intitulada "Sueños" ("Sonhos"), feita para uma revista feminina de Buenos Aires, de 1948 a 1951. As imagens ilustraram a coluna intitulada "A psicanálise vai ajudar você".

 

"Freud nunca viajou para a América Latina, embora tenha escrito muitas cartas e recebido visitantes latino-americanos em Viena e em Londres", observa Ruers.

Entre os exemplos da expansão da psicanálise na América Latina, a exposição conta como o médico negro brasileiro Juliano Moreira, filho de escravos, reuniu as ideias de Freud e as fez circular pelo Brasil.

 

O entusiasmo de Freud pela América Latina continuou com a escrita de um livro em 1884 sobre o uso da cocaína, no qual analisava os usos da planta de coca na Bolívia e no Peru.

 

O primeiro amigo estrangeiro

 

Na década de 1920, Freud estabeleceu estreita relação com o psiquiatra peruano Honorio Delgado, a quem descreveu como seu "primeiro amigo estrangeiro". Ambos trocaram cartas, livros e presentes ao longo das décadas seguintes.

 

Quando Freud se mudou para Londres, conseguiu levar 34 de seus 62 livros latino-americanos, muitos dos quais tinham dedicatórias de seus autores e que também estão disponíveis para o público na exposição em cartaz na capital inglesa.