Investigação poética sobre a ancestralidade e a espiritualidade, exaltação da cultura afro-brasileira, encontro lusófono intercontinental, reconstrução de pontes. São muitas as definições a que o músico mineiro Luiz Gabriel Lopes e o português Edgar Valente recorrem para definir “Aiê”, álbum que a dupla acaba de lançar, fruto do “encontro de possibilidades”.

 


Coproduzido por Guilherme Kastrup (nome por trás do incensado “A mulher do fim do mundo”, de Elza Soares), o disco chega às plataformas de streaming, além de ganhar os formatos CD e vinil com a chancela do selo alemão Ajabu!.

 


Oito faixas foram compostas por Luiz Gabriel Lopes, que assina LuizGa: três em parceria com Edgar Valente, outras três com Sérgio Pererê e duas solo. O repertório se completa com um tema tradicional da umbanda e uma composição de Gustavito.

 



 


O álbum começou a tomar forma a partir do primeiro encontro de LuizGa e Valente, em 2016, em Portugal. “Nos conhecemos e uma semana depois já estávamos em estúdio, porque houve grande ressonância, um encontro de possibilidades que se deu”, diz Valente.

 


Ex-integrante das bandas Graveola, Rosa Neon e TiãoDuá, e com trabalhos solo lançados ao longo da década passada, LuizGa começou a viajar para Portugal com mais assiduidade a partir de 2018, passou três meses na casa de Valente durante a pandemia. Há dois anos mora “na mesma casa, no mesmo bairro” em Lisboa, diz. Chamou o colega português para uma residência artística que estava fazendo e ali começaram a compor.

 


“Nos conhecemos no ambiente do estúdio, o que possibilitou uma intimidade musical com foco máximo na produção. Depois disso, começaram a aparecer shows para a gente fazer e a coisa foi caminhando. Nos conhecemos há sete anos e só agora o disco está acontecendo. Evoluiu com tempos bem dilatados, o que foi maravilhoso para fazermos com a qualidade e o carinho que queríamos”, explica.


Tecido comum

 

No período do isolamento social, a dupla compreendeu que havia um álbum a caminho. “Só na pandemia entendemos que estávamos fazendo um disco, não foi algo planejado. Começamos a compor, a gravar em casa e achamos que estava ficando bom. Já tínhamos feito alguns concertos juntos e pensado em trabalhar no tecido comum das nossas investigações artísticas, na relação com a palavra, com a língua portuguesa dentro de suas diferentes acepções. O repertório nos foi chegando, e aí percebemos o que essas músicas estavam nos dizendo”, aponta LuizGa.

 


“Aiê” abarca o interesse pelo invisível, pela magia, pelas questões do espírito e temas afins que atiçam a curiosidade dos dois artistas. O nome do álbum, na mitologia iorubá, designa o “mundo terrestre” ou “mundo dos vivos”.

 


Para Valente, o trabalho converge na instância das coincidências e dos encontros.“A faixa 'Adeus ao mundo' é uma paisagem, retrato do que passamos na pandemia. Tem aí uma coisa irônica com relação ao que estávamos a viver. Com aquele período conturbado e o desconhecido que havia pela frente, uma calma enorme chegou em nós, que somos naturalmente da correria”, afirma.

 


Há também um certo sentido político e social em “Aiê”. “É muito evidente em Portugal a questão da imigração de brasileiros, que estão em todos os territórios aqui. Conseguimos nos entrosar antes do caos, dos conflitos e dos medos que isso gera”, destaca Valente.

 


LuizGa completa: “Não deixa de ser um gesto dos dois lados de olhar em direção a heranças compartilhadas e pensar em como elas podem dialogar”.

 


Pontes musicais

 

No show de lançamento de “Aiê”, no Teatro da Trindade, em Lisboa, a banda que os acompanhava era formada pelo percussionista Juninho Ibituruna, velho parceiro de outros projetos de LuizGa em Belo Horizonte, também imigrante em Portugal; pelo baixista cabo-verdiano Renato Almeida; e pelo percussionista Iuri Oliveira, português de origem angolana. “De repente, era uma espécie de celebração desse lugar possível, recriando pontes por meio da música”, ressalta.

 


No último fim de semana e no próximo, a dupla faz shows por cidades portuguesas para marcar o lançamento do vinil, que acaba de sair da fábrica. Entre janeiro e fevereiro, eles chegam a Belo Horizonte – será a primeira vez de Valente no Brasil –, onde farão show antes de seguir para outras capitais. Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo estão nos planos. Depois retornam à Europa.

 


Edgar Valente comenta que a singularidade de “Aiê” tem despertado o interesse da imprensa europeia. Ele destaca a crítica elogiosa da “Songlines Magazine”, conceituada revista especializada da Inglaterra. “Sem qualquer pretensão, digo que esse disco está reverberando de uma forma muito linda”, conclui. 

 

“AIÊ”


Álbum de Luiz Gabriel Lopes
e Edgar Valente
Selo Ajabu!
10 faixas
Disponível nas plataformas digitais

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