Os solos teatrais, como o de Vera Holtz em

Os solos teatrais, como o de Vera Holtz em "Ficções", predominaram, num tempo em que o setor ainda se recupera do impacto da pandemia

crédito:  Ale Catan / divulgação

A produção teatral brasileira ainda carregou, ao longo deste ano, os reflexos do período pandêmico. Eles puderam ser observados tanto na profusão de monólogos – o formato que, com o segmento descapitalizado, se mostrou mais viável a partir da melhora do quadro epidemiológico – quanto na avidez do público e no escopo do Prêmio Shell, o mais tradicional da cena teatral brasileira.

Realizado em março, ele distinguiu, nesta que foi sua 33ª edição, espetáculos que fizeram temporada no Rio de Janeiro e em São Paulo fora do período pandêmico, ou seja, entre 1º de janeiro e 31 de março de 2020 e de 1º de abril a 31 de dezembro de 2022. Pela primeira vez, uma artista trans ganhou a categoria Melhor Atriz: Verónica Valenttino, por "Brenda Lee e o Palácio das Princesas".

Além do anúncio dos vencedores, a cerimônia homenageou duas das maiores atrizes brasileiras, Léa Garcia e Teuda Bara, aplaudidas de pé pela plateia. Como não poderia deixar de ser, a homenagem a Teuda foi realizada pelo Grupo Galpão, do qual é uma das fundadoras. Ainda na esteira das comemorações por seus 40 anos, a companhia mineira fez um pot-pourri de números que marcaram sua trajetória, que se confunde com a própria história de Teuda.

Léa Garcia morreu cinco meses depois, aos 90 anos, quando recebia outra homenagem pelo conjunto de sua carreira, desta vez do Festival de Gramado.


TEMPORADA CONCORRIDA

O monólogo "Ficções", que também deu a Vera Holtz o prêmio de Melhor Atriz no Shell deste ano, pelo Júri do Rio de Janeiro, foi um dos muitos espetáculos em circulação nacional que passaram por Belo Horizonte ao longo de 2023. Baseada no livro "Sapiens: uma breve história da humanidade", best-seller de Yuval Noah Harari, a montagem cumpriu uma concorrida temporada entre 7 de abril e 8 de maio, no CCBB-BH, com todas as sessões esgotadas.

Antes, entre março e abril, o mesmo CCBB-BH recebeu o espetáculo "Molière", com elenco estrelado, encabeçado por Matheus Nachtergaele, Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas. A peça, primeira montagem da dramaturga, escritora e roteirista mexicana Sabina Berman no Brasil, faz a França do século 17 ecoar nos tempos atuais por meio de uma bem-humorada disputa entre a comédia e a tragédia.


No que diz respeito às atrações de fora do estado, o calendário 2023 das artes cênicas em Belo Horizonte seguiu com "A desumanização", peça baseada no livro homônimo de Valter Hugo Mãe, protagonizada pelas atrizes Fernanda Nobre e Maria Helena Chira, com direção de José Roberto Jardim. A montagem cumpriu temporada entre 21 de abril e 15 de maio, também no CCBB-BH - que, diga-se, foi palco dos espetáculos que mais atraíram público, com vários deles esgotando ingressos durante o período em que estiveram em cartaz.


MONÓLOGO E MUSICAL

O centro cultural que integra o Circuito Liberdade recebeu, ainda, entre junho e julho, o monólogo "A aforista", com a atriz Rosana Stavis e direção de Marcos Damaceno, também autor do texto; e entre os dias 7 e 31 de julho, o musical "Salvador, anoiteceu e é carnaval", com sessões noturnas, para o público adulto, e vespertinas, com classificação livre. A montagem, que opõe o mundo corporativo e o brilho do carnaval baiano, é idealizada pelo ator e diretor Paulo Verlings e estreou em março deste ano, no Rio de Janeiro.

É com outro monólogo que o CCBB-BH fecha sua temporada teatral este ano. Em cartaz desde o dia 24 de novembro, "Hannah Arendt - Uma aula magna", do ator, diretor e autor carioca Eduardo Wotzik, teve todas as apresentações com ingressos esgotados e por isso ganhou mais três sessões extras, a partir desta quarta-feira (27/12) até o próximo sábado (30/12). A montagem se desenvolve a partir de experiências e pensamentos de uma das mais importantes intelectuais do século 20.

O formato mínimo de encenação, com nomes conhecidos do público por sua atuação na televisão sozinhos no palco, também pôde ser visto em outros espaços da cidade. Giuseppe Oristanio levou ao Memorial Vale, em maio, o monólogo "Pormenor de ausência", sobre a vida de Guimarães Rosa, com foco no fim de sua trajetória, escrito por Lívia Baião e dirigido por Ernesto Piccolo.


MEDOS E DIFICULDADES

Na primeira quinzena de novembro, Heloísa Périssé esteve em Belo Horizonte com o monólogo "A iluminada", ocupando o palco do Cine Theatro Brasil Vallourec. O texto, escrito por ela própria após vencer um câncer, pouco antes da chegada da pandemia, brinca com os medos humanos, refletindo as dificuldades que passou nos anos anteriores. A montagem é dirigida por seu marido, Mauro Farias.

Plataforma que cumpre importante papel na difusão das artes cênicas no estado, o Teatro em Movimento também trouxe espetáculos de destaque à cidade. A agenda foi inaugurada em março, no Teatro Sesiminas, com "Três mulheres altas", comédia estrelada por Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill. A montagem seguinte foi o musical "Dominguinhos", com dramaturgia da mineira Silvia Gomez e direção de Gabriel Fontes Paiva, que esteve em cartaz no início de abril, no Sesc Palladium.

Depois foi a vez do monólogo – mais um – "Vocês foram maravilhosos", com Marcos Veras, apresentado em junho, também no Sesc Palladium. A peça "Misery", adaptada da obra de Stephen King, com Mel Lisboa, Marcello Airodi e Alexandre Galindo no elenco, também esteve em cartaz na cidade, em agosto, no Cine Theatro Brasil Vallourec, pelo Teatro em Movimento. A plataforma trouxe, ainda, "Portátil", com Gregório Duvivier, João Vicente de Castro e Luciana Paes, que ocupou o palco do Sesc Palladium em setembro.