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“Barbie” + “Oppenheimer" = “Barbenheimer”. São muitos os fatores que fizeram destes dois títulos os produtos que se tornaram a cara do cinema em 2023. Juntos, e estreando no mesmo dia (20 de julho), fizeram a produção cinematográfica voltar à ordem do dia – e em escala global.

O maior apelo de “Barbie”, a maior bilheteria mundial deste ano (atingiu US$ 1,4 bilhão), é obviamente a boneca sexagenária, um dos brinquedos mais populares do mundo. Para além da nostalgia de diferentes gerações finalmente verem sua companheira de infância em versão carne e osso, o filme conta com dois astros do primeiro time da Hollywood atual (Margot Robbie e Ryan Gosling) e uma trama divertida, recheada de referências e ironias.

É ainda capitaneado por Greta Gerwig, diretora que despontou na esteira do movimento #MeToo. Mas tudo isto não funcionaria se o filme não fosse tão bem realizado. Há ao menos duas leituras: a escapista de um filme-pipoca bem realizado, e a politizada, com todo o debate feminista que a produção gerou.

O fato de “Oppenheimer” ter alcançado a terceira maior bilheteria global (US$ 952 milhões, perdendo a segunda colocação para a animação “Super Mario Bros. – O filme”, que fez US$ 1, 36 bilhão) do ano é algo surpreendente, já que a produção está longe do padrão palatável de um blockbuster. A cinebiografia sobre o criador da bomba atômica é longa, verborrágica, densa, com idas e vindas temporais e trata de um personagem que não é, nem de longe, o padrão do herói americano.

Por outro lado, é dirigida por Christopher Nolan, hoje o cineasta capaz de levar o maior número de pessoas ao cinema, traz um grande elenco, capitaneado pelo ótimo Cillian Murphy, e é, de fato, um grande filme.

“Barbenheimer” continuará na pauta até março, quando a temporada 2023 efetivamente terminará com o Oscar. No Globo de Ouro, primeira grande premiação do ano (em 7 de janeiro), os dois filmes dominam a lista de indicações: “Barbie” com nove e “Oppenheimer” com oito.


O FATOR STREAMING

Os dois longas foram produzidos por grandes estúdios, Warner (“Barbie”) e Universal (“Oppenheimer”). Mas já não é de hoje que a matemática de Hollywood mudou, e o streaming é parte essencial da nova conta.

A chegada de “Assassinos da lua das flores”, épico do maior cineasta americano vivo em atividade (Martin Scorsese, e quem disse isto foi Francis Ford Coppola), é o exemplo mais bem acabado disto. O longa, com suas três horas e meia de duração, foi produzido pela Apple Studios, braço cinematográfico da big tech.

Teve première no mais importante festival de cinema do mundo (o de Cannes), depois foi para as salas de cinema e, neste mês, aportou no streaming. Neste momento, para aluguel e compra (posteriormente, ainda sem data anunciada, ficará disponível para assinantes do AppleTV+).

As plataformas também foram pauta em outro grande tema de 2023. Durante quase seis meses, a produção norte-americana de cinema e televisão ficou paralisada em decorrência de duas greves históricas dos sindicatos dos roteiristas e dos atores. O movimento custou à economia americana pelo menos US$ 6 bilhões. Mudou toda a agenda de estreias, atrasando produções e cancelando outras.

A greve dos roteiristas durou 148 dias e terminou com uma importante vitória para a categoria. No acordo alcançado, os 11 mil integrantes do sindicato terão aumento de salários e pagamento de residuais (valores correspondentes ao sucesso de programas em plataformas de streaming), além de proteção contra o uso de inteligência artificial. Pauta semelhante à da greve dos atores, que durou 118 dias. O acordo incluiu mais de US$ 1 bilhão em novas remunerações e benefícios e também a proteção contra o uso da IA.


VOLTA DA COTA DE TELA

Enquanto isto, no Brasil, somente no apagar das luzes de 2023 veio a notícia que o setor audiovisual buscava. O Senado aprovou neste mês a recriação da cota de tela e prorrogou a medida até 31 de dezembro de 2033. Dessa forma, empresas exibidoras de cinema serão obrigadas a exibir longas-metragens brasileiros em sua programação, observando o número mínimo de sessões e a diversidade dos títulos, conforme decreto anual.

Além disso, a exibição das obras deverá ser feita de forma proporcional durante o ano, sendo atribuição da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, fiscalizar o cumprimento da determinação. Caso a lei seja desrespeitada, as empresas estarão sujeitas a multas e advertências. Falta apenas a sanção do presidente Lula para que o texto vire lei.

Nos dois últimos anos, não havia cota de tela no Brasil. A que esteve em vigor pelas últimas duas décadas foi criada em 2001, na segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso. A medida provisória que a criou expirou duas décadas depois, durante o governo Bolsonaro, e nada foi feito.

É quase como um efeito cascata. Como não havia obrigatoriedade de exibir produções nacionais, o parque exibidor, que desde a pandemia nunca mais viu seu público retornar nos moldes anteriores (coisa que ocorreu com outras áreas, como teatro e música), passou a enfatizar a programação de filmes americanos de apelo popular.

LÍDER DE BILHETERIA

Os filmes nacionais ficaram quase sem espaço no cinema. Para se ter uma ideia, somente 1% dos ingressos vendidos em salas neste ano foi para a produção brasileira.

Com isto, o longa brasileiro de maior público em 2023, “Nosso sonho”, a cinebiografia de Claudinho e Buchecha, chegou apenas próximo dos 500 mil espectadores. A título de comparação, em 2019, último ano antes da pandemia, “Minha mãe é uma peça 3” levou 11,3 milhões de pessoas aos cinemas.

O retorno da cota de tela é um alento para o setor, mesmo sabendo-se que, com a explosão do streaming durante a crise sanitária, o mercado audiovisual mundial sofreu uma reconfiguração.