Obras do mineiro Paulo Neves, que remetem ao ovo como símbolo primordial da vida, estão na mostra

Obras do mineiro Paulo Neves, que remetem ao ovo como símbolo primordial da vida, estão na mostra "Cerâmica no Brasil – Do ancestral ao contemporâneo"

crédito: Jingdezhen Ceramic University Museum/Divulgação

Terra sagrada da cerâmica, a cidade chinesa Jingdezhen tem uma história que se estende por cerca de 4 mil anos. Teve importante papel na antiga rota marítima da seda, mas ganhou destaque por sua produção de porcelana – também considerada técnica de cerâmica, produzida com argila branca.

Ações mais arrojadas para mostrar ao mundo essa faceta de Jingdezhen, no entanto, só começaram em 2021, quando o governo local realizou a primeira edição da Bienal Internacional de Cerâmica, tendo a Itália como convidada de honra.

Neste ano, o evento volta a ser realizado a partir desta sexta-feira (15/12), no museu da Universidade de Cerâmica de Jingdezhen, tendo o Brasil como o convidado de honra.

 

 Os brasileiros vão contar, nesta edição, com mostra especial dentro da programação: “Cerâmica no Brasil – Do ancestral ao contemporâneo”, que reúne o trabalho de 32 artistas de diferentes regiões, sob curadoria da crítica e historiadora da arte Tereza de Arruda.

ARTISTAS PLURAIS

“Nossa maior preocupação foi tratar a cerâmica como arte, e não artesanato”, ressalta a curadora. “Portanto, estamos ali com artistas que não encontramos em todos os lugares, com características muito próprias de textura e estética em suas obras”, acrescenta.

Como exemplo, ela cita o ceramista indígena mineiro Nei Leite Xakriabá e a ceramista paulistana Tatiana Blass. Enquanto o primeiro produz em moringas animais típicos da região onde vive (Norte de Minas), a segunda recolhe pedaços de cerâmica no intuito de construir uma nova peça a partir de fragmentos daquilo que já foi, em si, uma obra única.

Outro artista que está na Bienal de Jingdezhen é o mineiro Paulo Neves. Acostumado a explorar em suas obras na cerâmica e bronze o volume-base do ovo como símbolo primordial da vida, Neves resolveu aplicar essa sua característica na porcelana – material novo para ele –, produzindo vasos com o mesmo design dos que são tradicionalmente produzidos na China. Neves, contudo, esculpiu as peças com os mesmos padrões orgânicos vazados que utiliza em suas obras.

“É a representação de um encontro harmonioso entre a minha cultura brasileira e a cultura chinesa, tendo uma participação mais que especial da natureza, representada ali pelo fogo”, afirma.

O fogo, explica o artista, vem da maneira como ele descobriu a maneira de trabalhar com a porcelana. Por causa de um erro técnico – aqueceu o material mais que o necessário – a peça começou a se dissolver, dando à forma vazões e formatos que ele procurava.

Para expor obras tão distintas sem confundir o visitante, a mostra é dividida em três partes: “Cerâmica ancestral”, onde estão peças que remetem a tradições, técnicas e estilos distintos de cerâmica profundamente ligados às culturas dos artistas; “Cerâmica e artesanato”, com obras cujos métodos, padrões e desenhos se assemelham ao artesanato brasileiro; e “Cerâmica contemporânea”, com peças dinâmicas e diversificadas, como as obras de Neves e de Tatiana Blass.

“Considero que essa mostra serve para repararmos a arte ceramista”, destaca a curadora Tereza de Arruda. “Reparar nos dois sentidos: tanto no de observar, quanto no de consertar, fazer melhor. Estamos tendo a chance de consertar as relações que se estabeleceram no período Colonial e também o ofício do ceramista, que muitas vezes teve seu trabalho depreciado, considerado como artesanato, e não como arte”, conclui.

Obras inspecionadas por Partido Comunista

Sob o comando do Partido Comunista Chinês (PCC), a China não garante plena liberdade de expressão em seu território. Produções culturais, intelectuais e publicações em redes sociais são monitoradas pelo governo. Para montar “Cerâmica no Brasil – Do ancestral ao contemporâneo” dentro da programação da Bienal Internacional de Cerâmica Jingdezhen, a curadora Tereza de Arruda precisou traduzir todo o material e remetê-lo ao poder público local para avaliação.

2ª BIENAL INTERNACIONAL DE CERÂMICA JINGDEZHEN
Desta sexta-feira (15/12) a 15 de junho de 2024, no museu da Universidade de Cerâmica de Jingdezhen, na China.