Litografia de Jean-Baptiste Debret datada do século 19 mostra patrão branco agredindo escravo no Rio de Janeiro -  (crédito: Museu Castro Maya/reprodução)

Litografia de Jean-Baptiste Debret datada do século 19 mostra patrão branco agredindo escravo no Rio de Janeiro

crédito: Museu Castro Maya/reprodução

A civilização ocidental herdou do colonialismo uma concepção preconceituosa e cruel que impregnou o laço social, o discurso e o inconsciente, influenciando as determinações econômicas e as relações sociopolíticas. Além disso, recebemos a marca ativa da cis heteronormatividade burguesa do homem branco. Ou seja, da ideologia que insiste em valores ultrapassados, como fazer coincidir a sexualidade com o corpo biológico, equívoco que Freud, desde 1907, insistia em contradizer. E não apenas.

Já avançamos desse ponto e podemos ver que parte da sociedade vem insistentemente pelejando a partir de teorias insurgentes decoloniais e propostas pela alteridade cultural. A educação moderna não apagará traços remanescentes dessa herança, porém é preciso separar o joio do trigo, refletir sobre os efeitos desse resíduo.

No mínimo, não é preciso muito esforço para constatar que apesar de tantas campanhas educativas a respeito dos equívocos e erros colonialistas, ainda restam escravagistas, assassinos de indígenas e mulheres, machistas, estupradores, como os sinhozinhos com as pretas cativas, que mantinham mulheres e filhas escoltadas e impedidas de aprender a ler, estudar, de sair sozinhas e manter contato com o mundo real.

Com certeza, para não se depararem com os horrores deste real, nem mesmo terem ideia de que eram criadas para serem submissas, silenciosas, sem levantar questionamentos contra a falsa moral e a hipocrisia do inquestionável “sinhô”. Ora, pois! Daí viemos.

E ainda acreditamos sermos livres de tais equívocos. Pensar assim corrobora com eles, esconde o racismo dissimulado em boa vontade, o machismo apregoado e ensinado pelas próprias mulheres, que perpetuam o machismo nos filhos por puro temor de uma possível homossexualidade.

Vai sua filha se apaixonar por um preto, pobre, escolher ser gay, declarar-se trans – e o mundo cai como o da cantora Maysa. Com tantas campanhas elucidativas, ainda nos deparamos com mais do mesmo. Os movimentos feministas não erradicaram o feminicídio, que se mantém estável em altos índices. Os racistas ainda fazem insultos e desprezam pretos. Há altos índices de violência e crimes homofóbicos. Ainda somos como nossos pais.

As coisas andam sob a sombra das famílias tradicionais, o que nos faz temer pelo futuro. Os ricos, cada vez mais ricos e poderosos, não desejam mudanças. E o resto, de fato, é tratado como resto.

A situação do planeta nos faz perguntar se melhor seria evitar colocar mais crianças neste mundo assustador. Conseguiremos reverter a autodestruição? Deteremos a desertificação?

O planeta em crise alerta para a morte dos rios, desmatamento, altas temperaturas, Maceió se afundando pela exploração irresponsável do subsolo; em Minas, a mineração avança na desertificação – invertendo nossas montanhas, ela cobriu de lama Brumadinho.

Mas não é apenas uma questão ecológica. É resultado da humanidade. Uma humanidade de atrocidades e violência que se perpetua desde tempos imemoriais.

A opção da psicanálise será sempre pela vida, pelo respeito ao diferente, pela inclusão e pelo desenvolvimento de ferramentas eficientes para transformar os efeitos internos da ideologia decadente do centro hegemônico universal que nos é imposto em novas propostas anticoloniais e com língua própria. Outras lógicas, outras palavras e fidelidade à pluralidade que habitamos.